Poucos filmes deram tanto o que falar aqui no oráculo quanto Homem-Aranha no Aranhaverso. Foi um dos poucos lançamentos cinematográficos do Homem-Aranha que eu não cobri pessoalmente (o Carlos Cyrino cobria quase tudo de cinema na época, e escreveu a crítica em questão) e depois de ler o texto do meu xará, fiquei doido para assistir. A oportunidade só veio um bom tempo depois e, meu camaradinha, foi difícil esperar. Pois agora estamos aqui em frente à estreia de Homem-Aranha Através do Aranhaverso. E permita-me começar esta crítica falando um pouco sobre meu estado de espírito na cabine.

CONTINUAÇÃO INTERDIMENSIONAL

Qualquer personagem suficientemente popular para ter várias versões e interpretações, eventualmente faz uma história em que várias delas se encontram. Já rolou com Tartarugas Ninja e com praticamente qualquer grande nome da cultura pop. Ora, só com o Homem-Aranha já aconteceu pelo menos duas vezes, no primeiro Aranhaverso e em Sem Volta Para Casa.

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Oi, eu também sou um Homem-Aranha. Dá cá um beijão!

É uma fórmula interessante e mercadologicamente muito forte. Ela permite atrair de volta pessoas que eram fãs de uma versão antiga, ou que conhecem de alguma outra mídia. Ao mesmo tempo, não é um conceito com o qual dá para se contar muitas histórias. Aranhaverso usa o tradicional gimmick das dimensões que se misturam, e resolve o problema ali, com cada um voltando para seu universo. Como criar novas histórias com o mesmo conceito?

Quantas desculpas diferentes podem usar para o mesmo personagem, no caso o Homem-Aranha, encontrar outras versões de si mesmo? Convenhamos, dois filmes já parecia forçar a barra. E olha, calo aqui minha boca, pois Através do Aranhaverso conseguiu o que para mim parecia impossível: contar uma nova história usando o mesmo conceito de vários Spydeys se encontrando.

CRÍTICA HOMEM-ARANHA ATRAVÉS DO ARANHAVERSO

Ele consegue essa façanha não inventando uma nova desculpa para tudo dar ruim, mas se aproveitando de sementes que foram plantadas no anterior. Assim, tudo parecia resolvido, mas não estava.

Depois do filme anterior, alguns personagens relacionados ao Homem-Aranha continuaram saindo dos seus próprios universos. Para manter o multiverso organizado, Miguel O’Hara, o Homem-Aranha 2099, montou um grupo de elites de Pessoas-Aranha. Com a tecnologia de 2099 (embora este ano não seja citado aqui), eles conseguem viajar entre as dimensões sem dar tilt, e assim protegem as diversas cronologias diferentes.

Na fantástica cena de abertura, este conceito é apresentado, quando um Abutre de papel aparece na realidade da Spider-Gwen. Logo ela se vê lutando ao lado do Miguel e da Jessica Drew, que contam tudo. Pausa para os créditos iniciais.

CRÉDITOS INICIAIS

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Depois dos créditos iniciais, o filme realmente começa. Vemos como anda a vida do Miles Morales depois da aventura anterior. Ele agora já é um Homem-Aranha habilidoso e valente, mas claro, é ao mesmo tempo um menino assustado. E o longa dá muito tempo para sua personalidade brilhar.

Devo dizer, depois da introdução com os três aranhas, você fica muito tempo acompanhando a vida de Miles, quase como um slice of life. Pelo menos metade do filme me deu a mesma sensação que eu tive em Uncharted 4. A saber: estou gostando muito desse desenvolvimento de personagens, mas qual vai ser a história?

Talvez essa demora para começar a mostrar a que veio se deva ao fato de que Através do Aranhaverso não é um filme completo. É a primeira parte de uma história (a próxima tem o título em inglês de Beyond the Spider-Verse), então quando as apostas realmente ficam grandes aqui, a projeção termina.

MERCADOLOGICAMENTE FALANDO

Mercadologicamente falando entendo isso completamente. Aranhaverso fez um sucesso inesperado e, como falei no início, não dá para usar este conceito em um monte de filmes independentes. Então dividir uma grande história em duas é uma forma de tirar mais leite de uma vaca que solta leite gostoso, mas que já é bem magrinha.

Narrativamente, minha opinião é diferente. Vou falar mais disso em breve, mas Através do Aranhaverso é um filmaço. Até que ele simplesmente para de passar, e você sai com a sensação de que viu apenas o primeiro capítulo. Devo dizer que por isso, e apenas por isso, resolvi não dar o Selo Delfiano Supremo a ele, então fica a dica: vá assistir sabendo que é um “meio-filme”, e provavelmente vai gostar bastante.

ARANHAVERSO – PARTE 2 DE 3

A questão é que o que está aqui é muito bom. Embora eu seja um grande fã do Homem-Aranha, sou fã especialmente do Peter Parker. E o Peter Parker quase não aparece aqui (a história é mesmo do Miles e da Gwen). E mesmo assim Através do Aranhaverso tem todas as boas qualidades que uma boa história do Homem-Aranha precisa ter.

Todos os personagens, até mesmo os vilões, são muito bem desenvolvidos e apresentados de forma carismática. O roteiro é uma aula de como contar uma história de multiverso (temática que venho achando um tanto fraca nos últimos anos). As piadas são excelentes e o filme todo é muito engraçado. Mas talvez o principal seja…

A TREMENDA BELEZA VISUAL

Olha, acho que desde que assisti ao primeiro Sin City no cinema não fiquei tão impressionado com o visual de um filme. O primeiro Aranhaverso já era bonito. Muito bonito, aliás. Mas este realmente elevou isso ao 11. A quantidade e vibrância das cores, a mistura de estilos de animação e a própria forma diferente como cada personagem é animado. É lindo de morrer.

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Qualquer tipo de mídia é sempre mais especial quando usa de suas forças. É por isso que Watchmen é tão importante como gibi, e tão difícil para virar um bom filme ou uma série de TV. Talvez tenha sido a primeira vez em que um gibi foi escrito pensando nas forças e nas limitações de uma história em quadrinhos, e isso tornou a obra difícil de adaptar, pois ela foi pensada para a mídia em que foi contada.

Através do Aranhaverso não é, para as animações, tão importante quanto Watchmen foi para as HQs. Afinal, esta já é uma mídia mais madura. Mas foi pensado da mesma forma. Ele é muito melhor por ser um desenho do que seria como um filme ou como um gibi. Até mesmo quando usa “gráficos de videogame” ou live-action, há um motivo narrativo. É a extensão natural daquela piada do filme anterior, em que Miles se assusta com o fato de o Homem-Aranha Noir ser em preto e branco. Aqui cada Homem-Aranha, cada universo, tem um visual diferente, um estilo diferente, que representa sua dimensão. E ao mesmo tempo, Através do Aranhaverso tem um visual coeso: o de provavelmente a animação mais bonita que já vi.

ALÉM DO ATRAVÉS DO ARANHAVERSO

Só esse impacto visual, essa direção de arte extremamente apurada, já seria o suficiente para o longa levar minha recomendação. O fato de tudo isso ainda estar em um filme sinceramente divertido, bem-feito e bem atuado acaba sendo uma cereja no bolo. Uma cereja deliciosa em um bolo que já seria bom de qualquer jeito.

Então sim, o fato de não ser uma história completa realmente incomoda. A ponto de que arrisco dizer que a melhor forma de assistir a Através do Aranhaverso é quando Além do Aranhaverso (tradução literal do título “Beyond the Spider-Verse“) já estiver disponível. Quando você puder ver todos os capítulos da história completa com um pequeno intervalo entre elas, ao invés dos sei lá quantos meses que vão separá-lo de seu sucessor agora.

Cinema não é uma boa forma para contar uma história seriada, mas por ser a forma mais endinheirada, talvez seja a única onde uma produção com o visual de Aranhaverso poderia existir (não consigo imaginar um desenho para TV feito com este orçamento). Então narrativamente, o cinema é o preço que a gente tem que pagar para poder usufruir de uma experiência que só o cinema pode oferecer. Fez sentido? É, acho que não. Mas talvez quando sair a segunda parte deste texto, Além da Crítica do Aranhaverso, você passe a entender.

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