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Começo esta crítica Free Guy com uma anedota. Fazia muito tempo, acho que desde Guerra Civil, que eu não esperava tanto por uma estreia de cinema. Tudo indicava que esta seria uma comediazinha genérica ou ruim, tipo aquelas estreladas pelo Vince Vaughn ou Adam Sandler. Porém, a temática me conquistou desde que eu ouvi falar dele pela primeira vez, ainda antes da pandemia. Muitos adiamentos depois e mais de um ano de espera, chegou a hora.

A TEMÁTICA DE FREE GUY

Free Guy conta a história de Guy (Ryan Reynolds, o Deadpool). Ele é um NPC de um jogo chamado Free City, uma clara paródia de GTA Online. E isso é o que me atraiu. Praticamente toda a cultura pop, mesmo obras mais realistas, como a série Mad Men, são protagonizadas por pessoas excepcionais. No mínimo, elas são muito boas em seus trabalhos. No máximo, são os pré-destinados que vão trazer equilíbrio para a força. E tudo bem. Eu gosto dessas histórias de pessoas tremendonas fazendo tremendices.

Porém, está cada vez mais raro se identificar com um protagonista. Afinal, a imensa maioria de nós está na Terra para preencher espaço para os protagonistas contarem suas histórias. São os artistas, atletas, músicos, políticos ou mesmo pessoas que têm empregos mais adultos, mas que se destacam em sua área. Não vou colocar palavras na sua boca, mas eu digo com toda sinceridade: eu me sinto um NPC.

Crítica Free Guy, Free Guy, Ryan Reynolds, Jodie Comer, Taika Waititi, Fox, DelfosBUSCANDO VALIDAÇÃO

Criei o DELFOS em 2004 com a ideia ideológica (pleonasmos FTW) de incentivar o “jornalismo parcial” brasileiro através de boas reflexões e argumentações. E desde então venho trabalhando pacas nesse objetivo. Porém, o DELFOS nunca se tornou grande. Eu nunca me tornei protagonista. Valorizo muito todo mundo que assina nossa campanha de financiamento coletivo no Padrim (grandes abraços para Anderson GavimCadu MelloCleo IchiharaHenrique BalbiMario Carvalho Alex – nome único, igual Madonna, para citar alguns). Porém, não muda o fato de que nossa campanha neste momento arrecada pouco mais do que o custo mensal de hospedagem. E se o DELFOS tem valor para você também, agradeço se você entrar nesse link.

O que mais dói, no entanto, é que mesmo fazendo um trabalho de qualidade e único no nosso país, eu ainda preciso gastar boa parte do meu tempo indo atrás de cabines de cinema e códigos de review de games, recebendo muitos não no caminho. Sim, eu sei que faz parte, mas machuca quando você vê jornalistas mais bem sucedidos (muitos que criaram sites há apenas dois ou três anos) recebendo um Xbox Series X da Microsoft e/ou um PS5 da Sony sem nem precisar pedir. Eles são os verdadeiros protagonistas. Fico especialmente chateado porque, até onde sei, nós fomos o primeiro site DO MUNDO a publicar uma resenha de console.

Mas até aí, o DELFOS e eu ainda somos apenas NPCs buscando validação da sociedade. Assim como o Guy do filme. Nossos 17 anos de trabalho de qualidade não têm valor para a sociedade se não tivermos acessos acima de um número arbitrário.

CRÍTICA FREE GUY

Ao contrário de mim, e acredito que de boa parte dos meus leitores, Guy não sabe que é um NPC. Ele está muito feliz com sua rotina repetitiva, fazendo as mesmas coisas todo dia. Ele aceitou que não é um protagonista, representado no filme por quem usa óculos escuros. “Pessoas de óculos escuros não falam com a gente”, constata seu colega de trabalho e melhor amigo.

Mas Guy é um romântico. E um dia cruza uma moça bonita de óculos escuros. Ela é tudo que ele sonhava encontrar, e então resolve sair da rotina e tentar falar com ela. No caminho, ele arranja óculos escuros e se esforça para subir de nível e impressioná-la.

Até aqui parece uma comediazinha romântica típica do Adam Sandler, só que com temática gamer. E é sinceramente o que eu esperava. Porém, a coisa muda porque a moça bonita de óculos escuros, uma jogadora, tem sua própria história.

CRÍTICA FREE GUY E A MOLOTOVGIRL

A jogadora, no mundo real, é criadora de um jogo que ela acredita ter sido usado como base no código de Free City. Ela está processando a empresa Soonami (referência bem sutil a uma empresa de games hoje odiada, mas outrora muito querida, hein?) por esse uso não licenciado, e loga diariamente no jogo em busca de provas.

A história da MolotovGirl (Jodie Comer) leva Free Guy além de uma comédia Sessão da Tarde bobinha e rumo a um Testosterona Total censura livre. Pois é, Free Guy é uma excelente comédia de ação. E melhor, ele usa e abusa do tema gamer não apenas para criar piadas brincando com as atitudes dessa comunidade, mas também para criar cenas de ação tipicamente videogame. Afinal, se você joga videogame sabe que os joguinhos eletrônicos são extremamente focados no que é “cool“.

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Tá na hora do pau! Mas certifique-se de parecer “cool” o tempo todo! Rank SSS, como diria a Capcom!

Os jornalistas que assistiram ao filme comigo na sessão de imprensa riram bastante. Desde que eu comecei a frequentar cabines pelo DELFOS, lá em 2004, os críticos de cinema mudaram bastante. Foram de fãs de filmes de arte iranianos para um público muito mais pop. Acredito que boa parte deles são gamers. Mas poucos que focam a carreira no cinema devem estar tão inseridos nessa cultura quanto eu.

Digo isso porque em algumas piadas eu fiquei constrangido por rir sozinho. Tem uma cena em que um jogador mata outro em segundo plano, e daí começa a fazer teabag no presunto. Isso é algo que eu sinceramente não esperava ver no cinema um dia, e gargalhei alto. Alto mesmo, chegou a sair lágrimas de tanto rir. Mas ninguém mais riu, e eu acabei contendo minha gargalhada por ter sido o único. E Free Guy é cheio de piadas assim.

AS PIADAS DE FREE GUY

Praticamente todo o tempo de projeção envolve piadas em segundo plano, que são basicamente os jogadores reagindo à tradicional jogabilidade emergente tão em voga hoje em dia.

Logo no início, por exemplo, o Guy está caminhando na rua, conversando sobre banalidades da vida com seu amigo (pense nos diálogos de Seinfeld) enquanto tem um monte de coisas explodindo, pessoas trocando tiros e lojas sendo assaltadas. É tão engraçado que eu sinceramente assistiria e me divertiria mesmo se o filme fosse só isso.

Free Guy demonstra um tremendo carinho, conhecimento e respeito pela comunidade gamer e os clichês dela. O único ponto fora da curva é que eles não resistiram e fizeram aquela piada clichê do gamer adulto totalmente dependente da mãe. Essa piada já era velha e sem graça quando o Jamie Kennedy resolveu usá-la repetidas vezes na E3 2007, como se ela fosse ficar engraçada pela repetição.

É realmente surpreendente que ainda tenha gente fazendo essa piada em 2021. É tipo uma versão ofensiva da “piada do pavê”, e quem ri disso o faz só para não constranger a pessoa que contou.

Tirando esse “momento Jamie Kennedy” do filme, as piadas são todas muito apropriadas e divertidas. Não dá para não rir com uma fofa menininha dizendo “É só um NPC, mata o desgraçado!”. Ninguém se importa com os NPCs. Igual na vida real. Acredite em mim, eu sei, pois sou um NPC.

A VIDA DE UM NPC

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Ryan Reynolds é muito bom em fazer cara de bobo apaixonado.

Normalmente eu não sou muito fã do Ryan Reynolds, mas preciso elogiá-lo neste papel. Embora ele talvez seja galã demais para um personagem que por definição não tem nada de especial, a atuação dele está no ponto. Ele passa uma inocência deveras carismática, que deixa muito fácil se identificar e torcer por ele. A carinha de apaixonado que ele faz quando está pilotando uma moto com a MolotovGirl é especialmente engraçada, daquele jeito bobo e fofinho que só alguém apaixonado consegue ser.

E assim encerro esta minha humilde crítica Free Guy. Eu queria muito ver o filme, mas minhas expectativas estavam contidas. Elas foram, felizmente, muito superadas. Free Guy é, até o momento, o filme de 2021 que mais me divertiu. Pessoas que não jogam videogame provavelmente se divertirão também, mas quem tem bastante repertório na área tem que assistir. Você vai rir de piadas que a maioria das pessoas nem vai perceber que são piadas. Tipo a do teabag. E, se você também for um NPC, tem todo o fator identificação envolvido.

REVER GERAL
Nota:
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
critica-free-guy-sobre-npcs-e-validacao-da-sociedadeTítulo original: Free Guy<br> País: EUA / Canadá / Japão<br> Ano: 2021<br> Distribuidora: Fox<br> Duração: 1h55m<br> Diretor: Shawn Levy<br> Roteiro: Matt Lieberman e Zak Penn<br> Elenco: Ryan Reynolds, Jodie Comer, Taika Waititi.<br>