A Noite dos Mortos-Vivos

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Satisfaça sua fome por miolos com o nosso especial George Romero:

Despertar dos Mortos: Quando não houver mais lugar no inferno, os mortos caminharão em um shopping.
Dia dos Mortos: Como podemos servir de exemplo para os zumbis se nos comportamos tão mal?
Terra dos Mortos: Os zumbis chegam à sociedade feudal.
Madrugada dos Mortos: o remake: Quando não houver mais espaço no inferno, os mortos vão dançar músicas do Michael Jackson.

Como a maior parte da turminha que lê o DELFOS, eu não tenho idade para ter acompanhado os grandes clássicos do cinema Z quando de seus lançamentos. Assim, eu assisti primeiro ao remake de Madrugada dos Mortos do que ao original, por exemplo. Quando percebi como esses filmes de mortos eram bons, fui atrás dos primeirões – e, veja só que bizarro, A Noite dos Mortos-Vivos, o precursor de tudo, foi o último que tive oportunidade de assistir. E isso fez com que eu percebesse várias inconsistências com a mitologia criada posteriormente, o que acabou diminuindo a nota que você vê aí do lado. Mas vamos por partes…

Em Madrugada dos Mortos (originalmente chamado de Despertar dos Mortos), vemos os zumbis chegando às cidades. Em Dia dos Mortos, a sociedade começa a se adaptar à sua nova situação. Finalmente, em Terra dos Mortos, já está tudo reorganizado. Em A Noite dos Mortos-Vivos, vemos o início de tudo. O lendário Dia Z propriamente dito. O dia em que o espaço no inferno acabou e os mortos se levantaram de seus túmulos.

Infelizmente, não vemos exatamente o primeiro zumbi. O que acompanhamos é um casal de irmãos que vão visitar o túmulo da mãe e são atacados por um caboclo comilão. A mocinha foge e consegue se prender em uma casa próxima a um posto de gasolina. Logo, um outro maninho chega. E depois ainda outros personagens fazem “Pop!” na história. E, como sempre acontece no cinema Z, não demora para percebermos que os verdadeiros vilões não são os zumbis, mas os seres humanos, intrinsecamente violentos e competitivos. E o longa faz isso muito bem, pois absolutamente nenhum dos personagens tem qualquer traço de carisma. Uma é completamente estática, outro se acha o tremendão e exige ser o líder. Outro, ainda, é um puro idiota. Sinceramente, um dos melhores retratos do ser humano que já vi no cinema (embora no caso tenha sido em DVD).

Apesar de não ter tanta história quanto seus subseqüentes, ainda se trata de um filme muito bom. E, ao contrário de Dia e Terra (que são longas de ação), aqui temos uma fita de puro terror. Você fica o tempo todo tão desorientado quanto as vítimas, esperando por qualquer nova novidade novinha que a mídia possa trazer. E, como fala um dos personagens em determinado momento: “se a TV mandou, a gente tem que fazer”.

Porém, existem defeitos. Vou ignorar o fato de ser em preto e branco, ter cortes deveras estranhos e nenhuma atuação que se salve. Afinal, isso tudo é parte do preço que a gente paga por gostar de filmes mais independentes e não financiados pelo mainstream ou pela família Unibanco. Só que não dá para ignorar a baixa qualidade do som. A versão a que assisti não tinha legendas e, em vários momentos, eu simplesmente não conseguia entender o que era falado.

O que mais me incomodou, contudo, foi no aspecto cronológico. Uma das coisas mais interessantes em Terra dos Mortos é o fato de os zumbis estarem começando a aprender. E, com isso, conseguem usar ferramentas – e armas. Aliás, uma das melhores cenas do terceiro filme, o Dia, é justamente quando um zumbi pega um revólver e imediatamente se lembra de como usá-lo. Isso tudo perde o impacto se você assistir aos filmes na ordem (felizmente, eu não fiz isso). Afinal, os zumbis de Noite são bem mais inteligentes do que seriam nas continuações. Eles trabalham em conjunto para virar carros, quebram janelas com tijolos e várias outras ações semelhantes. E, embora não cheguem ao ponto de correr, como em Extermínio ou no remake de Madrugada, não dá para dizer que eles também sejam realmente lentos por aqui.

Por fim, minha última decepção é que existe um motivo para os mortos levantarem do túmulo. E a explicação cósmica tirou boa parte da graça da mitologia da série para mim. Afinal, eu achava genial o fato de esses filmes tratarem do fato simplesmente como algo que aconteceu – e que ninguém sabe o porquê. Seria o Apocalipse? Teria alguma causa religiosa? Um castigo divino, talvez? Essas perguntas foram respondidas, e admito que fiquei um pouco decepcionado. Talvez tenha sido até bom que este seja o último da série Romeriana a que assisti.

Outra diferença considerável em relação ao que seria o futuro da série é que este não é um filme violento. Tá, até vemos os miolentos comendo algumas tripas, mas nada comparável ao que viria depois, quando a série realmente viraria exemplo do cinema gore. Isso não é necessariamente ruim (nem bom), mas é uma diferença da qual devemos falar.

A Noite dos Mortos-Vivos vale pela curiosidade se você for um admirador do cinema Z. Analisado como um único filme (como foi originalmente planejado), é excelente. Analisado no contexto da série, nem tanto. Romero realmente soube desenvolver muito bem o conceito presente aqui em sua quadrilogia, mas esse ótimo desenvolvimento posterior tira um pouco do valor da obra original. Ainda assim, a Quadrilogia dos Mortos merece ser colocada ao lado de grandes franquias do cinema, como Indiana Jones e Star Wars. George Romero, sem dúvida alguma, é um tremendão. Hum… miolos…

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
a-noite-dos-mortos-vivosPaís: EUA<br> Ano: 1968<br> Gênero: Zumbis<br> Duração: 96 minutos<br> Roteiro: John A. Russo e George Romero<br> Elenco: Judith O’Dea, Russel Streiner, Duane Jones, Keith Wayne e Karl Hardman.<br> Produtor: Russel Streiner, Karl Hardman<br> Diretor: George A. Romero<br>