Caminhos da Floresta

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Quando se vai assistir a um filme sem saber nada sobre ele, por vezes você acaba tendo uma surpresa muito positiva. Contudo, o oposto também é sempre uma possibilidade muito concreta. Todo meu conhecimento sobre esse Caminhos da Floresta vinha do pôster ao lado, que mostra Meryl Streep como uma bruxa. Daí pensei: deve ser mais um conto de fadas meio moderninho, tipo um Malévola da vida.

Contudo, para meu desespero, assim que o logo da Disney sai da tela e o primeiro personagem abre a boca, ele começa a cantar sem motivo algum. Oh não, caí numa armadilha, é um musical! Eu definitivamente não estava preparado física e psicologicamente para isso. Obviamente, descobri depois que o filme é a adaptação de um musical do teatro criado por James Lapine e Stephen Sondheim. Mas na hora a surpresa me atingiu como um coice de burro nos dentes, para não citar uma parte mais abaixo na anatomia masculina. Não foi agradável.

Passei alguns minutos considerando jogar minha bomba de fumaça ninja, que eu sempre levo no bolso para emergências, no chão e sumir dali o mais rápido possível. Mas em respeito a você, delfonauta que tira seus minutos de entretenimento diário do sofrimento alheio, resolvi perdurar até o fim dos longos, quase eternos, 125 minutos de duração dessa coisa.

A ideia do filme até que é interessante. Basicamente é o que Shrek já havia feito, criando um universo compartilhado de contos de fada. Aqui, um monte deles coexiste no mesmo reino, tipo Cinderela, Rapunzel, Chapeuzinho Vermelho e o João do pé-de-feijão.

Todos eles vão acabar se cruzando graças ao padeiro interpretado por James Corden, que precisa cumprir uma missão para a bruxa local com o intuito de que uma maldição que recai sobre sua família seja retirada, e assim ele consiga ter filhos com sua esposa. Desta feita, o padeiro acaba conhecendo todas as figuras famosas e participando diretamente de suas histórias. É ele quem vende os feijões mágicos para João e assume o papel de caçador na história da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo.

Mesmo com a cantoria desenfreada em músicas extremamente genéricas e algumas um tanto irritantes (a voz da Chapeuzinho Vermelho é daquelas de fazer ter vontade de cortar os pulsos de tão desagradável) e uma ideia que não é necessariamente novidade, até que o conceito era legal o bastante para agradar a um público mais novo e menos exigente.

Contudo, entretanto, todavia, seria algo eficiente se focasse na história principal, o que renderia um enxuto longa de 85 minutos e olhe lá. Mas ele sofre de um sério problema estrutural de roteiro. Basicamente, a trama principal da missão do padeiro se resolve no segundo ato.

Ao invés de acabarem o filme por aí mesmo, no entanto, os produtores devem ter achado que ficaria muito curto e o negócio acabou esticado, ganhando um terceiro ato totalmente desnecessário e que nada tem a ver com o resto do enredo, ficando clara a tentativa de encheção de linguiça. Quem quiser uma aula de como não estruturar um roteiro, exemplo mais claro que este não há.

E ainda há a questão do tom da película, leve e cantante por toda sua duração. Mas os destinos de alguns personagens acabam tendo viradas bem sombrias, mais parecidas com as versões originais dos contos de fada, e não com a fórmula ultra-mega-para-cima dos finais felizes costumeiros da Disney. Até aí, isso não seria problema nenhum se o negócio, como falei, combinasse com o tom da película, em grande parte bobinha demais para os adultos, e nesses momentos específicos, meio deprê para crianças.

Assim, mesmo relevando o fato de ser um daqueles musicais com pouquíssimas “falas faladas” e toda aquela cantoria alegre, nonsense e deveras irritante, a baixa nota do filme vai para sua estrutura desconjuntada, com todo um ato completamente supérfluo, que só prolongou meu sofrimento, e por não saber direito se trilhava um caminho mais leve ou se optava por pinceladas mais sombrias, ficando no meio do caminho.

Desta forma, acho que nem mesmo os apreciadores de contos de fada da Disney ou de musicais em geral vão encontrar qualidades redentoras em Caminhos da Floresta. Por tudo isso, definitivamente é melhor escolher outro programa.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
caminhos-da-florestaPaís: EUA<br> Ano: 2014<br> Gênero: Fantasia/Musical<br> Duração: 125 minutos<br> Roteiro: James Lapine<br> Elenco: Meryl Streep, Emily Blunt, James Corden, Anna Kendrick, Chris Pine, Tracey Ullman, Christine Baranski e Johnny Depp.<br> Diretor: Rob Marshall<br> Distribuidor: Disney<br>