Broken Age

0

O delfonauta que já estava vivo em 2012 deve se lembrar de quando a Double Fine criou um Kickstarter propondo fazer um adventure old-school e faturou mais de três milhões de dólares. Apenas para efeito de comparação, a meta da turminha de Tim Schafer era de 400 mil Obamas.

Apesar do faturamento altíssimo, o desenvolvimento foi atribulado. Chamado de Broken Age, o projeto acabou gastando mais do que esperavam e, por isso, em janeiro de 2014, lançaram para PC apenas a primeira parte do jogo, para arrecadar o suficiente para terminar o desenvolvimento.

Agora, mais de um ano depois, a segunda e última parte de Broken Age ganha vida, e ele também chega completo para outras plataformas, incluindo o PS4, onde eu tive oportunidade de jogá-lo.

POINT-AND-CLICK

Se você jogou os trabalhos clássicos de Tim Schafer, como Monkey Island, Full Throttle e Day of the Tentacle, deve fazer uma boa ideia do que temos aqui. Broken Age é tão old-school que parece ser um jogo de 1997 lançado pela clássica Lucasarts. E, afinal de contas, isso é o prometido, e é o que todo mundo queria.

Os controles são exatamente como se esperavam. Você controla um cursor e vai clicando em objetos do cenário para interagir com eles. Os diálogos te dão opções de resposta ou de novas perguntas.

O visual cartunesco é lindo e muito charmoso. A música não é do mesmo nível do Monkey Island, mas também não faz feio. O foco mesmo é no visual, no carisma e no humor, que são exatamente como eram na época que estes jogos eram o que a molecada gostava.

O negócio é simplesmente muito fofo. Para você ter uma ideia, a solução de vários dos puzzles, assim como na vida real, é um abraço. Tem também um troféu para você colocar um sorriso em todas as carinhas da nave. Broken Age é tão adorável que você vai soltar um “óun” a cada dez minutos.

O humor também é bem do jeito que eu gosto: aquele nonsense divertido e inocente de filmes como Corra que a Polícia Vem Aí, que é algo que não se vê mais hoje em dia. Ok, não chega a ser tão engraçado quanto os clássicos da Lucasarts, mas sem dúvida vai colocar sorrisos no seu rosto.

HISTÓRIA

Em adventures, um dos fatores mais importantes, se não o mais, é a história. E aqui temos duas delas.

Shay é um garoto que mora em uma nave espacial controlada por um computador superprotetor chamado “mãe”. Ele passa seus dias em missões de resgate que envolvem coisas como avalanche de sorvete e ataques de abraços, e sonha com o dia que vai se envolver em uma missão de verdade.

Vella tem uma vida totalmente diferente. Ela mora em uma vila que a cada 14 anos é atacada por um monstro. Para que o monstro não destrua a vila, a população sacrifica algumas donzelas para o vilão. Isso é considerado uma honra, e as moçoilas ficam todas dengosas com a possibilidade de serem escolhidas. Vella, no entanto, não quer se sacrificar e, ao ser escolhida, resolve lutar e escapar.

As histórias eventualmente se cruzam, com viradinhas bem interessantes, inclusive uma que dá um troféu chamado “por favor não conte para ninguém”. Você pode alternar entre as histórias de Shay e Vella a qualquer momento.

JOGANDO

Curiosamente, durante a primeira metade do jogo, os puzzles são bastante intuitivos. Não é difícil saber que item você tem que usar aonde e isso impede o jogador de ficar empacado, um grande problema dos adventures antigos.

Além disso, explorar os cenários é um prazer, assim como conversar com todos os excêntricos personagens que você encontra pelo caminho. Tem até uma vila de nefelibatas, e eu venho esperando por uma oportunidade de usar essa palavra em contexto desde que a aprendi uns 20 anos atrás.

Como se trata de um jogo do Tim Schafer, também temos várias referências a heavy metal, incluindo um metalúrgico que não para de falar o quanto gosta de metal.

O elenco também detona. Tem uma pá de atores famosos, como Elijah Wood, que faz o Shay, Wil Wheaton, que faz o metalúrgico, e até o Jack Black que tem aqui o seu primeiro trabalho decente em muitos anos.

A coisa decai muito no ato 2, infelizmente. Não existem novos cenários na segunda parte, nem novos personagens. O que o jogo faz é uma inversão. Vella passa pelos cenários que Shay passou no ato 1 e vice-versa. Isso tira muito daquele prazer da descoberta tão importante para os adventures.

Os puzzles também ficam agressivamente mais difíceis no ato 2. O do nó e o da fiação dos robôs se destacam como dois exemplos que você vai ficar travado mesmo consultando guias, já que as soluções são aleatórias.

A ausência de um sistema de dicas in-game é sentida, especialmente porque é algo que foi colocado nos relançamentos do Monkey Island, por exemplo. É estranho que um jogo lançado em 2015 não tenha isso, obrigando o jogador a procurar dicas na internet para desempacar.

Assim, se o primeiro ato é divertido e tem um delicioso gostinho de infância, o segundo lembra os fãs do lado ruim dos adventures antigos. O que me faz perguntar…

AINDA TEM ESPAÇO PARA ADVENTURES OLD-SCHOOL?

Depois de um longo período dormente, os adventures evoluíram muito nos últimos anos, com os lançamentos da Telltale e da Quantic Dream.

Ao contrário de coisas como os beat’em ups, não foi um desaparecimento do gênero, foi uma evolução, assim como quando os adventures passaram do formato de texto para o gráfico utilizado aqui.

Obviamente, dada a arrecadação do Kickstarter de Broken Age, existe uma nostalgia por esse tipo de jogo. E eu, tendo dado a um representante do gênero o título de melhor jogo da história, sou exatamente o tipo de público que deveria pirar o cabeção com este lançamento.

Porém, muito da nostalgia que fez o Kickstarter quebrar recordes vem de memória afetiva. De algo que gostávamos na infância, mas que melhorou deste então. É como ter nostalgia por TVs preto e branco, por exemplo. A colorida é uma evolução.

Acho difícil que alguém mais novo, como o nosso amigo Luiz, que já conheceu os adventures pelos da Telltale, tenha grande interesse em Broken Age. Um Monkey Island ou Grim Fandango (que ele até resenhou) ainda têm um fator histórico que pode gerar interesse, mas por que ele jogaria Broken Age?

A Double Fine entregou aqui exatamente o que prometeu. É um projeto honesto e bem feito, mas que tem na nostalgia seu principal apelo. Quem não tem uma memória afetiva com os adventures da Lucasarts pode não ter muito interesse. Assim como eu não teria interesse em um novo adventure de texto lançado em 2015. Vamos ver o que o tempo vai revelar e se as pessoas que bancaram o Kickstarter ainda vão querer novos jogos como este ou se, após se lembrar como eram os jogos, vão preferir ficar com os adventures modernos mesmo.

MAIS SOBRE A DOUBLE FINE:

Brütal Legend: Chapter I: A Double Fine já fez um jogo focado no mundo do heavy metal.

Brütal Legend: Chapter II: A segunda parte da resenha delfiana do jogo mais trüe já feito.

Grim Fandango Remastered: O relançamento do último adventure feito por Tim Schafer antes de Broken Age.

LEIA TAMBÉM:

De puzzles a filmes interativos: Uma breve retrospectiva dos adventures que eu escrevi para o Kotaku Brasil.

Galeria

REVER GERAL
Nota
Artigo anteriorComo Dark Souls e Bloodborne dominam sua vida
Próximo artigoMad Max, o original
Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
broken-ageAno: 2014 / 2015<br> Gênero: Adventure old-school<br> Plataforma: PS4, PC, Vita, Android, iOS, Ouya<br> Fabricante: Double Fine<br> Versao: PS4<br> Distribuidor: Double Fine<br>