A triste vida de um jornalista pobre

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PQP, delfonauta. Sinceramente, PQP. Do fundo do meu coração, PQP. Mais uma vez, todo mundo junto agora: PQP. Pronto. É para dias como hoje que palavrões existem. Para começar, chegar ao local marcado para a entrevista com Luc Besson (o Kinoplex Itaim) foi um suplício. Para quem não conhece São Paulo, Itaim é um bairro freqüentado e habitado basicamente por trilhardários. Como trilhardários têm motoristas particulares, o lugar fica completamente fora de mão para todos os outros. Não tem metrô próximo e pouquíssimos ônibus passam na região.

Particularmente, eu não moro longe do Itaim e poderia chegar nos arredores pegando um único ônibus. Ir de carro é fora de cogitação, pois é impossível parar nas ruas do bairro em um dia de semana e nos estacionamentos da região gastaria pelo menos 30 reais. E na boa, se eu pudesse pagar 30 reais por uma matéria, eu optaria por dar esse dinheiro para a equipe, não para um estacionamento.

Se tem uma coisa que eu abomino é atraso, então, apesar da sessão estar marcada para as 10:30 da matina e estar crente que chegaria lá em menos de 45 minutos (seria uns 15 minutos dentro do ônibus e mais uns quinze de caminhada até o cinema, o restante de espera pelo busão), às nove horas já estava no ponto.

9:05 – Nada. 9:10 – Passa um ônibus com o mesmo nome do que eu iria pegar, mas com outro número. 9:15 – o tal ônibus passa de novo, mas o que eu realmente precisava nada. 9:20 – idem. E assim sucessivamente, o tal ônibus de número diferente passava de cinco em cinco minutos. E, apesar da tentação de pegar esse mesmo, o caminho que ele faria era completamente diferente – não passava na Faria Lima, onde eu precisava descer. E o tempo foi passando. Às 9:55, o maledeto número que eu esperava passa, mas no letreiro, a palavra “Reservado”. Umas 10 pessoas que estavam no ponto levantaram a mão, fazendo sinal para que ele parasse. O motorista, sádico como 90% dos brasileiros (e ainda tem gente que acha que o filme Turistas contou alguma mentira), olha para nós e dá risada. Obviamente, todos os trabalhadores cansados e tostados pelo Sol impiedoso do verão brasileiro, xingam o FDP de palavrões que eu nem sabia que existiam. Alguns vão embora, outros pegam ônibus alternativos. Infelizmente, no meu caso não existiam alternativas, já que o Itaim fica, planejadamente, fora de mão, para que os ricos se isolem das classes mais baixas.

Então, minhas opções eram: voltar para casa e escrever uma Pensamentos Delfianos de desabafo e abrir mão de duas matérias importantes, ou então esperar mais um tempo e torcer para que outro ônibus passasse logo. Felizmente, por volta das 10:05, após mais de uma hora desde que cheguei ao ponto, ele passa. Peço para o cobrador me avisar no ponto mais próximo da Rua Tabapuã (que é uma rua famosa que cruza a Faria Lima, mas como eu não conheço a região, não sabia exatamente a altura em que precisaria descer) e, para minha surpresa, o cobrador diz que não a conhecia. Como assim? O cara faz o mesmo caminho várias vezes por dia e é uma rua que quase todos os paulistanos conhecem, pelo menos de nome.

E pior, a única utilidade para um cobrador em São Paulo atualmente é justamente essa: ajudar os perdidos a se encontrar. Afinal, aqui todo mundo paga ônibus com bilhete único, o que tornou esta profissão uma das mais inúteis desde que inventaram os ascensoristas (afinal, eu nunca vi alguém precisar de ajuda para encontrar um andar). Tudo bem, eu sei que não despedem eles porque isso aumentaria o índice de desemprego, o que traria ainda mais problemas sociais para o Brasil. Mas, cacilda, custava o cara pelo menos se preocupar em ser útil? Enfim, misteriosamente, o cobrador me avisou qual seria o ponto mais próximo do meu destino (como ele descobriu, não faço idéia) e desci em frente à rua.

10:25 – Saio do ônibus e pego minhas anotaçõezinhas para ver o caminho até o maldito “cinema com certificado THX”. Será que chego a tempo? Saio correndo como um daqueles cachorros de corrida atrás de um coelhinho de madeira. Chego no lugar exatamente às 10:35, suado e ofegante. Na porta, vejo o assessor da Europa Filmes com o cabelo diferente e quase não o reconheço. Na verdade, só percebi que era ele quando o cara fez um gesto dizendo para eu me acalmar, pois ainda não tinha começado.

E vejam só, ainda consegui dar um alô para o banheiro e para o bebedouro do local e até pegar um saquinho de pão de queijo e uma garrafinha de chá mate com limão (o que foi novidade em termos de cabine e estava bem gostoso) antes de entrar na famosa sala 6 (aquela que tem o THX) onde o filme Arthur e os Minimoys seria exibido.

Quando encontro um lugar de boa visibilidade, sento e finalmente posso relaxar, um forte sentimento de conquista me atinge. Agora pense comigo: eu criei um site sozinho. O site cresce e passa de meio milhão de pageviews mensais. Eu consigo acesso a uma entrevista coletiva com o Luc Besson em meio a grandes veículos da mídia brasileira. E o sentimento de conquista que eu sinto não é por nada disso, nem por estar prestes a conhecer o famoso diretor francês, mas por ter conseguido chegar a tempo em um lugar isolado de São Paulo, tendo demorado mais de uma hora e meia para um trajeto que, de carro, não passaria de 15 minutos (e de ter agüentado um motorista de ônibus rindo da minha cara e de mais uma dezena de trabalhadores brasileiros). Seria muita paranóia minha ou tem alguma coisa definitivamente errada nessa história (e nesse país)?

PS: A entrevista e a resenha do filme saem ainda essa semana.
PS2: Pouco antes da coletiva começar, o cara ao meu lado fez uma ligação no celular solicitando que um Táxi estivesse no Kinoplex para levá-lo para a redação em determinado horário. É, cara, trabalhar para um veículo com grana é outra coisa e isso foi o que motivou o título dessa matéria.
PS3: Ah, para aqueles que querem saber, não vai rolar uma cobertura delfiana para o show do Blind Guardian. Nunca, nem para o Judas Priest ou para o Live’n’Louder, tantos delfonautas pediram por uma resenha de show quanto aconteceu para essa e juro que fiz todo o possível para conseguir a credencial, mas, pelo que me falaram, uma grande revista de Rock não aprovou (porque uma revista é que aprova quem é ou não credenciado, fica para você mesmo deduzir – mas digo que não é a primeira vez que colocam a culpa nessa mesma empresa). Para deixar tudo ainda mais legal, tínhamos planejado uma cobertura especial onde, enquanto eu faria as fotos, quem escreveria a resenha seria o Alfredo. Você consegue imaginar quão divertida seria uma resenha do show da banda mais nerd do Metal escrita por um dragão? Infelizmente, a palavra-chave na frase acima é “seria”…