A Repartição do Tempo, Delfos

Acredito que a maioria dos delfonautas concorda que o cinema nacional é sofrível, em especial em suas comédias com padrão Globo Filmes ou estrelada por comediantes que dizem parecer fisicamente comigo (e cujo nome não vou revelar porque ele tem tradição de usar seu poder e milhões de seguidores para fazer jornalistas que não gostam dele perderem o emprego). Felizmente, A Repartição do Tempo vem para quebrar este padrão, trazendo um humor mais inteligente e nerd, sem abrir mão de uma temática brasileira. Saca só:

A FAMOSA SINOPSE

Aqui conhecemos o dia a dia no escritório de registro de patentes e invenções de Brasília. Como é comum nas repartições públicas brasileiras, a ineficiência e a morosidade reinam por ali. As patentes demoram em média 12 anos para saírem, e é comum os inventores morrerem antes disso. Isso deixa o chefe possesso, já que seus funcionários ficam mamando na teta do Estado e fazem de tudo para não trabalhar. Convenhamos, é fácil entender o lado dele.

A Reparitção do Tempo, Delfos Acontece que alguém acaba de requerer a patente para uma máquina do tempo, e deixou o protótipo por ali. Isso dá ao chefe uma ideia genial. Ele usa a máquina do tempo para criar duplicatas de todos os seus funcionários. Assim, enquanto uma versão deles continua sua vida pública fazendo de tudo para não trabalhar, a cópia vai ficar encabuchada num porão tendo que trabalhar o tempo todo em troca de comida.

Isso aumenta consideravelmente o andamento do trabalho, mas uma das cópias consegue escapar, e vai fazer de tudo para salvar seus amigos escravizados.

Os delfonautas, como leitores assíduos de física quântica que são, já devem ter percebido o problema. Ilustremos com um exemplo, que até abre o filme.

O EXEMPLO

Um carinha usa a máquina do tempo para viajar 15 minutos para o passado. Isso o faz desaparecer do presente e ir para o passado, onde outra versão dele está a caminho para ativar a máquina. As duas versões do sujeito só vão coexistir durante estes 15 minutos. E se você impedir a versão do passado de usar a máquina – por exemplo, usando-o para trabalhos forçados – vai causar o bom e velho paradoxo do avô e vai destruir o universo. Afinal, não é possível que existam dois ao mesmo tempo se um deles não usar a máquina do tempo.

Isso torna toda a premissa inválida. Afinal, uma cópia de máquina do tempo teria tempo de validade para coexistir, e apenas até a outra versão usar a máquina e voltar ao passado. Talvez você não se preocupe com este tipo de picuinha nerd e dá para curtir o filme numa boa neste caso, mas isso me incomodou bastante e eu fiquei o filme todo pensando porque diabos não usaram o McGuffin de uma máquina de clonagem ao invés de uma do tempo.

O HUMOR

Este acaba sendo o aspecto mais positivo do filme, e justamente o que o torna único para nós, brasileiros. Afinal, qualquer pessoa que já precisou de polícia sabe que os policiais fazem mais esforço para não ter que trabalhar do que teriam que fazer para de fato te ajudar.

Isso é muito bem representado por aqui, quando a cópia escapada chama a polícia e os caras ficam dizendo coisas “ah, se é trabalho escravo não é coisa de polícia, é um caso de direitos humanos”.

A Reparitção do Tempo, Delfos
E um dos policiais é o Trapalhão Dedé Santana.

A própria premissa, focada na falta de eficiência do serviço público brasileiro, tem tudo a ver com a gente e é um dos maiores problemas do nosso país. É um daqueles casos de que  “é engraçado porque é verdade”, mas as cenas são ao mesmo tempo engraçadas e estressantes.

A REPARTIÇÃO DO TEMPO

O diretor define A Repartição do Tempo como seguindo o estilo Sessão da Tarde. Eu discordo. Os tradicionais Sessão da Tarde são filmes leves e voltados a crianças, o que não é o caso aqui.

A Repartição do Tempo, Delfos

Em A Repartição do Tempo há palavrões a rodo e uso de drogas constante, o que o torna muito mais próximo de uma comédia estrelada pelo Seth Rogen do que de algo como Curtindo a Vida Adoidado. Isso não quer dizer que não funcione. Pelo contrário, eu gostei bastante do filme, mas não é algo que recomendaria para inocentes pimpolhos.

Até mesmo as atuações são melhores do que o padrão nacional. Está longe de um filme internacional, claro, mas a coisa é suficientemente natural para não causar aquele incômodo comum de filmes brasileiros.

Meu único problema com ele foi mesmo o fato de ele não respeitar as regras da viagem no tempo e ser todo construído em cima de uma situação que causaria o paradoxo do avô. Ignore isso, no entanto, e você terá uma boa comédia nacional, que consegue fazer rir usando as irritantes atitudes do nosso povo.