Alan Moore, você bem sabe (e se não sabe, que vergonha!) é um dos maiores escritores de quadrinhos de todos os tempos. Parte da “santíssima trindade” dos escribas de HQs junto de Neil Gaiman e Frank Miller, Moore é o mais arisco, o mais misterioso, e também o mais briguento.
Criador de obras geniais que redefiniram o conceito dos quadrinhos como literatura adulta e respeitável, tais como V de Vingança, Watchmen, sua passagem pelo Monstro do Pântano, Do Inferno e Lost Girls, dentre outras. E também brigado com as grandes editoras, principalmente a DC Comics, que lhe abriu as portas nos EUA e o transformou num superstar. Além de publicamente avesso às adaptações cinematográficas de suas obras.
Quem acompanha a carreira do escritor, mesmo que superficialmente, já deve ter se deparado com uma ou outra história a respeito de suas criações e/ou de suas tretas com a indústria, algo que o transformou quase numa figura folclórica, o tiozão esquisito e rabugento que briga com todo mundo.
O escritor Lance Parkin tenta traçar um panorama mais amplo de Moore, encaixando essas peças e muitas outras num mosaico da personalidade peculiar do escritor inglês na biografia Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore.
É bom que se diga que Parkin não entrevistou ou colheu depoimentos do escritor para o seu livro, retirando-os, e assim montando sua linha narrativa, de outras fontes de mídia, como entrevistas para rádios, televisões e revistas, por exemplo, em anos diversos.
E como Moore não fala muito sobre sua vida pessoal (não por ser reservado, mas por ele simplesmente acreditar que ela não é tão interessante assim), este aspecto não é muito desenvolvido, o que é uma pena, pois há elementos de sobra que tornam sua vida privada deveras curiosa.
Seja o fato de que ele viveu durante um tempo com duas mulheres, num relacionamento poliamoroso, seja o fato de que a partir dos anos 1990 ele começou a estudar ocultismo, denominando-se posteriormente um mago. Ou mesmo o fato de que ele escolheu o comprovadamente falso deus Glycon (uma cobra com longos cabelos loiros) para venerar. Tudo isso é tratado por alto, mais porque não há muito material onde se escorar, e menos por vontade do autor.
Claro, suas principais obras são bem esmiuçadas, e até outras menores ganham um bom número de páginas. Gostei especialmente do capítulo focado no trabalho de Moore com a Image, e depois com o Awesome Studios do mestre Rob Liefeld, onde obviamente ele só se envolveu pela grana, mas acabou fazendo bons trabalhos (como o Supremo). Há muitos “causos” desse período que eu não conhecia e nesse sentido, de histórias de bastidores da indústria, o livro é muito bom.
Principalmente em esmiuçar as brigas com a DC Comics, que mostram um lado excessivamente ingênuo por parte de Alan, que prefere confiar na palavra de alguém a se proteger com um contrato (o que pode ser até admirável de uma forma romântica, mas não se aplica no mundo corporativo real). E retratam como ele foi ficando cada vez mais desgostoso e desconfiado com a indústria.
Já sua aversão aos filmes baseados em sua obra, Parkin sustenta que se trata menos de ódio e mais de pura indiferença que, aliada à sua notável desconfiança e ojeriza de grandes corporações, cresceu até virar ranhetice e antipatia pura.
Mago das Palavras traça um bom panorama da carreira de Alan Moore, ainda que não apresente nada de tão novo assim para quem já acompanha sua obra com alguma regularidade. E mesmo os aspectos pessoais de sua vida, que poderiam render capítulos bem interessantes, acabam ficando apenas no nível superficial pela falta de material de referência.
Assim, esta não é uma biografia completa e não desmistifica totalmente o barbudo britânico, ainda que jogue uma luz em um ou outro aspecto de seu trabalho. Não há grandes surpresas para quem já é iniciado em sua obra, mas funciona como um bom complemento.