O Hammerfall é uma banda legal. Claro que qualquer pessoa que tenha um conhecimento um tanto aprofundado em Heavy Metal percebe que nada do que os caras fizeram até hoje pode ser considerado exatamente original. Na verdade, os suecos pegaram tudo que bandas tremendonas tipo Accept, Helloween e Manowar tinham de mais legal e juntaram tudo em um True Heavy Metal Melódico Tradicional ou algo do tipo. Vejamos: os caras têm aquelas letras falando de aço, trovão, honra e espadas – aí está o Manowar. Têm também aqueles corais “eu sou macho” e um monte de ô-ô-ôs espalhados pelas músicas. Uhum, encontramos o Accept. E para terminar, têm aquelas melodias fofas dignas da trilha sonora de um desenho como Thundercats, Tartarugas Ninja ou He-man, além de refrões pegajosos e músicas bem comerciais (e não entenda isso de forma pejorativa), coisa que até hoje apenas o Helloween conseguiu realizar bem dentro do Heavy Metal. Discorda de mim? Meu amigo, traduza o refrão de Riders of the Storm para o português e cante mantendo a melodia original da música. Precisa de ajuda? Eu traduzo para você: “Cavaleiros da tempestade / unidos com o vento, defensores da criação / Cavaleiros da tempestade / alinhados com o Sol”. Agora me diga se isso cantado na melodia original não lembra Trem da Alegria. A-há, te peguei! 😉
A descrição do parágrafo anterior pode deixar os headbangers mais radicais bravos, mas tudo que disse lá deve ser entendido de forma elogiosa. Principalmente a parte das melodias dignas de desenhos – ei, você pode até não gostar, mas se falar que as músicas dos desenhos da Disney são ruins, vai apenas provar que não entende de música. E lembre-se também que Timo Kotipelto, do Stratovarius gravou a trilha finlandesa do desenho Irmão Urso e que Edu Falaschi, do Angra, gravou a trilha do Cavaleiros do Zodíaco. Ou seja, não é de hoje que o Metal vem se aproximando dos desenhos. Voltando ao Hammerfall, isso é, na minha opinião, o que torna o Hammerfall uma banda tão cativante e tão fácil de se gostar. E acredito ser justamente por isso que eles cresceram tanto e tão rápido. Convenhamos, não é qualquer bandinha européia que pode dizer que já veio para a América do Sul na época de seu segundo disco. O Hammerfall veio, mandou muito bem e voltou em todas as turnês posteriores. Será que o fato de quase todas as suas músicas serem tão pegajosas não tem nada a ver com isso?
Bão, já provoquei muito nessa introdução, então vamos ao disco. Todos os álbuns dos suecos até hoje começam com uma música deveras legal e que vão ficando cada vez melhores. Vejamos, na ordem: The Dragon Lies Bleeding, Heeding the Call, Templars of Steel e Riders of the Storm. Dessas, as duas últimas são minhas duas preferidas da banda, com seus andamentos cadenciados e refrões cantáveis, então posso até dizer que minha expectativa para a primeira música de Chapter V era imensa, quiçá até maior do que a expectativa por todas as outras presentes no disco. E quanto maior a expectativa, maior a queda. Não, não é que a música em questão, Secrets, seja ruim, muito pelo contrário. Mas ela fica muito longe de cativar tanto quanto a supracitada Templars of Steel. Além disso, ela é bem diferente das últimas faixas de abertura da banda, trazendo novamente a velocidade para o início do disco.
Secrets também traz uma outra diferença gritante: o solo. Fato 1: o Hammerfall nunca primou por ser uma banda extremamente técnica. Seus solos, sobretudo nos dois primeiros álbuns, eram bem curtos e, em algumas músicas, até inexistente. Fato 2: a técnica da banda melhorou muito com o passar dos anos. Isso já havia ficado claro em Renegade, foi evidenciado no Crimson Thunder e atinge seu ápice aqui no Chapter V. Sim, o Hammerfall está começando a se enveredar pelo lado masturbatório do Heavy Melódico. Não chega ao nível de um Malmsteen ou de um Stratovarius, mas a semente para isso está plantada. Particularmente, eu gosto desse tipo de solos e adoro Stratovarius, mas sei que muita gente não gosta de notas demais (talvez o cérebro não consiga captar :-P). Também ainda não me decidi se gosto disso para o Hammerfall, mas enfim, isso não vai chegar a ser um problema, ao menos não para mim.
A música seguinte é a do single: Blood Bound. Ah, essa sim traz tudo que eu esperava da primeira faixa do álbum (e olha que eu não costumo gostar muito das músicas escolhidas para virarem singles). É cadenciada, na velocidade ideal para bater cabeça e para ficar cantando “Hey, hey, hey” ou acompanhando com palmas e tudo desemboca em um refrão daqueles que é impossível não cantar junto. Desde a primeira vez que ouvi, nunca mais esqueci aquela melodia: “We’re blood bound / Collecting the stars / We hold a power that is greater than all”. Olha só, até as letras dignas de um desenho de ação estão aí. Com um clima tão divertido e empolgante, não é de se estranhar que Blood Bound seja atualmente minha música preferida do Hammerfall (provavelmente vai ficar se alternando na primeira posição com Templars of Steel e Riders of the Storm). Se você conhece alguém que ainda tem “medo” de Heavy Metal, mostre essa música para ele/ela. Para você ter uma idéia, mostrei para meu sobrinho de uns 4 anos, que ainda nem fala português direito e ele saiu cantando o refrão da música. Sim, em inglês – ou algo bem parecido com isso.
O disco continua tremendão na próxima música, Fury of the Wild. Essa é realmente bem rápida, podendo ser considerada um típico Metal Melódico, com os vocais mais agudos do disco. Como não podia deixar de ser, o refrão também é bem legal e cantável e o riff dá vontade de sair pulando. Uma verdadeira aula de como o Metal tem que ser. E, provando a influência de Kai Hansen, o nome do disco é citado em um momento de destaque da música, exatamente como o Gamma Ray fez na Changes do disco Sigh No More.
Hammer of Justice é a próxima. Novamente, entramos no terreno mais cadenciado no qual o Hammerfall se sente mais confortável, como me contou o guitarrista Oscar Dronjak na entrevista que fiz com ele. Admito que, pelos primeiros versos da música, achei que aqui o disco fosse começar a esfriar, mas não. Ao menos, ainda não. O refrão da música novamente mostra todo o poder de fogo dos suecos. Aliás, se tem uma coisa que esses caras sabem fazer é refrão pegajoso. O coral “eu sou macho” aparece aqui em seu momento de maior destaque. O nome da música e a letra que diz, entre outras coisa, “Justice falling” fazem um óbvio paralelo com o nome da banda, como já tinham feito anteriormente com a empolgante Let the Hammer Fall.
Aliás, falando nos corais “eu sou macho”, vamos abrir um parêntese. Eles estão menos “machos” do que nos últimos discos. Mesmo nessa música, que é onde eles aparecem mais, já estão bem menos graves e pesados do que já foram. Estão mais próximos dos corais utilizados pelas bandas mais melódicas. Isso não significa que estão feios ou discrepantes, mas particularmente, gosto mais daqueles corais bem Accept.
Chegamos à quinta música e à primeira balada do disco: Never, Ever. Logo de cara, vemos que a banda decidiu fazer uma balada mais tradicionalmente metálica, deixando um pouco de lado o acústico utilizado nos discos anteriores para investir mais no peso. Novamente, embora goste de baladas desse tipo (considero All That I Bleed do Savatage, uma das músicas mais belas já compostas e ela tem seus momentos pesados), para o Hammerfall prefiro as acústicas como Always Will Be mesmo. Isso não significa que não tenha conseguido curtir Never, Ever. Pelo contrário, novamente Oscar e sua turma dão um show na hora de compor refrões e a música também conta com um belo solo (via de regra, eu sempre gosto de solos de baladas).
Born to Rule é a próxima e traz, não apenas o nome mais poser do disco, como é a faixa mais poser do disco. E é também absurdamente divertida, além de lembrar muito o Manowar. É incrível como parece que o Eric Adams vai entrar cantando a qualquer momento. Seu refrão traz novamente os corais em um dueto com o vocalista Joacim. Born to Rule é a típica música de shows e deve ter sido um dos grandes destaques na última passagem da banda pelo Brasil, que eu infelizmente não pude ir porque estava no W.A.S.P. – malditos produtores que marcam shows para o mesmo dia.
Uma guitarra cantante inicia The Templar Flame, seguido de um riff “vamos todos pular”. Música cadenciada e legalzinha, mas marca o início da falta de inspiração no disco. The Templar Flame, ainda tem um bom refrão, pegajoso e tudo (tem até um ô-ô-ô lá no final), mas não chega nem perto de uma Blood Bound ou Fury of the Wild. E daí em diante as coisas infelizmente não iam mais melhorar.
A segunda balada do disco é a instrumental Imperial, uma levada acústica bem curta (não chega a 2 minutos e meio). Bonita, mas está mais para um interlúdio do que para uma música completa. Take the Black (belo nome) vem emendada. Começa bem. Bom riff, velocidade entre o cadenciado e o rápido, mas as melodias vocais deixam um pouco a dever. Essa música e, especialmente seus corais, lembra momentos menos inspirados do Stratovarius. Mas como a letra cita o rio Styx, a gente dá um desconto. 🙂
A última, Knights of the 21st Century era uma das que eu estava mais empolgado para ouvir. Além do nome tremendão, conta com a participação do vocalista do Venom, Cronos. E eu costumo gostar dessas misturas de estilos diferentes de Metal. Aliás, tenho curiosidade de saber se essa participação não aconteceu por causa daquele rolo do fã de Black Metal que bateu no vocalista Joacim. Enfim, a música começa mal, com barulhinhos de chuva e de vento (eu odeio isso!), seguida de gemidos do Cronos, que fica falando coisas tipo “Fuckin’ yeah! The Prophecy”. Na boa, isso beira o ridículo. Dava para cortar o primeiro um minuto e meio da música fácil. E ela ia ficar bem melhor. Finalmente, a canção de verdade começa, inicialmente como uma balada. Quando fica pesada, lá pelos dois minutos e meio, assume contornos “Sabbathianos”, ou seja, lenta e pesada. Mais para lenta do que para pesada. Knights of the 21st Century é uma música mais depressiva, principalmente para os padrões do sempre divertido Hammerfall. Dá até impressão que ela foi composta por Cronos e não pela banda sueca. Sem contar que, tirando os gemidos dele no começo e no fim (sim, no final também tem uns bons minutos de gemidos – a música totaliza mais de 10 minutos quando tem composição para apenas uns 5), ele aparece muito, muito pouco na música. Quase toda a música é cantada por Joacim mesmo. Quando a música terminar, caso você ainda não tenha ficado de saco cheio dos gemidos de Cronos, aguarde alguns minutos que tem mais uns murmúrios escondidos depois de terminar o CD. Infelizmente, Knights of the 21st Century não é apenas a pior música do disco, como é também a pior música do Hammerfall.
A versão do CD analisada para essa resenha é um promo cedido pela gravadora Nuclear Blast para a entrevista delfiana com a banda, ou seja, sem encarte, o que vai nos impossibilitar de analisá-lo dessa vez, como sempre fazemos. O promo conta também com uma faixa bônus – uma versão ao vivo de The Metal Age. Boa, mas nada de especial. Ainda sobre o promo, o CD que recebemos está com algum problema e não toca direito algumas músicas e nem roda de forma alguma em CD-players de carros. Não sei se isso é um problema da minha cópia, da versão promo ou do álbum em si, então quando você for comprar, já fique avisado que isso pode acontecer com você.
Chapter V parece ser um disco de transição, onde a banda está se afastando do True Metal para se aproximar do Melódico. Isso fica comprovado na maior velocidade das músicas, nos corais menos “machos” e, principalmente, nos solos mais rápidos e técnicos. Se isso é bom ou ruim, você que tem que decidir.
Concluindo essa extensa e detalhada resenha, considero Chapter V um disco mediano para os padrões do Hammerfall. Aliás, mediano literalmente, porque ele está bem no meio na minha ordem de preferência – se alguém quiser saber, aí vai, do pior para o melhor: Legacy of Kings, Glory to the Brave, Chapter V, Crimson Thunder e Renegade. Tem umas músicas absurdamente legais, que estão entre as melhores da banda, como Blood Bound e Fury of the Wild, tem outras boas, mas um tanto irrelevantes, como The Templar Flame e tem a pior música do Hammerfall, Knights of the 21st Century. Ou seja, é um disco irregular. Talvez o mais irregular da carreira dos caras até o momento. Talvez parecesse melhor, como um todo, se a ordem das músicas fosse diferente, alternando músicas detonantes com outras não tão legais. Como isso não foi feito, fica fácil de dizer que a primeira metade de Chapter V é animal, enquanto a segunda parece conter apenas razoáveis sobras de estúdio. É uma pena, pois o Hammerfall tem capacidade para muito mais.