Dois Filhos de Francisco

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Antes de mais nada, quero dizer que vejo todo tipo de filme (bem, quase todo. Eu abro uma exceção para os iranianos), pois é o meu trabalho. Mas eu estava mesmo a fim de ver a história de Zezé di Camargo & Luciano. Até porque gosto de filmes sobre músicos ou estilos musicais, mesmo que não sejam do meu agrado. Posto isso, posso dizer que 2 Filhos de Francisco é muito bom. Antes que você comece a se perguntar, eu já vou dizendo que estou em plena posse de minhas faculdades mentais e não sou fã de música sertaneja.

Quando se ouve falar em filme de Zezé di Camargo & Luciano, logo se pensa que será como um filme da Xuxa, onde a loira maleta pensa que sabe atuar e enche o filme de convidados especiais, normalmente artistas-sensação do momento. Este não é o caso. Eles são interpretados por atores de verdade (Dablio Moreira e Wigor Lima quando crianças e Marcio Kieling e Thiago Mendonça quando adultos), e não há convidados especiais que não sejam de outra área que não a da atuação.

Também é necessário frisar que a música aqui não é o tema central. Esta é uma história de um pai que desejou o melhor para seus filhos e não hesitou em perseguir um sonho, mesmo que para isso fossem necessários alguns sacrifícios.

Francisco, um homem simples da roça, sempre gostou de música. Conforme seus filhos foram nascendo, começou a passar esse amor para eles. Não satisfeito, incentivou Mirosmar (que mais tarde seria conhecido nacionalmente por Zezé di Camargo), o mais velho, e Emival (Marco Henrique), a perseguirem a carreira artística como uma dupla sertaneja.

Vejamos: para a maioria dos pais, quando um filho diz que quer ser artista, trata-se de motivo para uma enorme preocupação. Neste caso, o próprio pai incutiu a vontade nas crianças. Só por este motivo, o homem já merece o meu respeito (apesar de ter batizado um de seus pimpolhos de Mirosmar).

Enfim, acompanhamos a duplinha mirim aprendendo a cantar e a tocar seus instrumentos (acordeão e viola. Por falar nisso, o Alfredo, representante institucional sócio-cultural do DELFOS é um virtuoso no acordeão. Aproveite e leia a resenha dele para Amaldiçoados) e os primeiros shows. Vemos a família Camargo se mudando do pequeno sítio em que viviam nos arredores de Pirenópolis (Goiás) para uma vida quase miserável em Goiânia, na esperança de aumentar a chance dos dois rebentos atingirem o sucesso.

Testemunhamos as primeiras turnês dos jovens, graças a um empresário picareta (José Dumont), e um acontecimento nada feliz (quanto menos você souber sobre este fato, melhor) que vai levar à formação de uma nova dupla, Mirosmar e Welson (que você deve conhecer por Luciano), 11 anos mais novo que o irmão.

Grande parte do filme mostra os percalços enfrentados por Mirosmar quando criança. Mais para o final, vemos as aventuras solo do agora Zezé di Camargo em São Paulo e o nascimento da dupla Zezé di Camargo & Luciano como a conhecemos, até culminar no estouro da música É o Amor, hit do primeiro disco do duo sertanejo.

O grande mérito deste filme é ter uma história tão forte e uma narrativa tão boa – sem apelar para dramalhões – que consegue quebrar qualquer tipo de preconceito que se possa ter em relação aos artistas. Assim, o filme diverte e emociona. É, quase chorei em diversos momentos, principalmente lá no final, numa espécie de epílogo documental, único momento onde os personagens verdadeiros aparecem. E só macho de verdade admite que quase chorou. 😉

Quanto à música, sim, o filme está cheio de canções interpretadas pela dupla, mas quer saber, no contexto do filme elas funcionam muito bem e garanto que nem o detrator mais xiita vai reclamar (se bem que não acho que um desses detratores vai desembolsar seu rico dinheirinho para assistir a esse filme).

Este é o primeiro filme de Breno Silveira como diretor (como diretor de fotografia ele é macaco velho), mostrando que tem muito talento e uma nova e promissora carreira pela frente. Claro que há uma ou outra coisinha que não funciona, mas nada que arranhe a qualidade de seu trabalho, que atinge seu auge na direção de atores. Todos os atores mirins estão ótimos. Ressalto este fato porque não é fácil trabalhar com crianças.

Mas o dono do filme é mesmo Ângelo Antonio, como Francisco. Sua atuação é contida na medida exata para passar simplicidade e uma fé inabalável no talento de seus filhos. Há ainda uma ponta de Lima Duarte e a participação de outros globais, como não poderia deixar de ser em um grande filme tupiniquim.

Temos aqui mais um bom exemplar do cinema nacional que, apoiado numa história forte, tem potencial para atrair bastante gente aos cinemas, não apenas fãs da dupla. Poucos filmes conseguem mudar noções pré-concebidas. Este é um deles. Portanto, não estranhe se algum dia me vir por aí cantarolando: “é o amoooooor / que mexe com minha cabeça e me deixa assim…”.

E se você, como eu, também curte cinebiografias de músicos e outros filmes que tem a música, seja ela qual for, como tema, não deixe de ler as seguintes resenhas:

Escola de Rock
Cazuza – O Tempo não Pára
This is Spinal Tap
De-Lovely – A Vida e os Amores de Cole Porter