Quando a Microsoft estava na briga legal para poder adquirir a Activision, coloquei no Twitter do DELFOS uma enquete perguntando se você queria que isso acontecesse. Na época, eu já considerava essa consolidação absurdamente ruim. Mas o resultado foi que a imensa maioria das pessoas que seguiam o DELFOS queriam, sim, que a Activision fosse adquirida pela Microsoft.
Eu gostei de muitas coisas que a Microsoft fez nos últimos anos. Considero o Xbox Series X a melhor máquina de jogos atualmente. Sim, independente dos exclusivos, que são melhores no Playstation, eu prefiro jogar os multiplataformas no monstro da Pequenomole, por motivos como um controle mais anatômico, saves consideravelmente menores e cloudsaves gratuitos.
Além disso, o Phil Spencer é um cara carismático. Ele fala as coisas certas, mesmo quando faz as erradas. Tipo, ele comprou a Bethesda, o que é um grande “não, não” para mim, mas disse na hora que a ideia não era tirar jogos das pessoas, mas aumentar a quantidade de pessoas jogando. A ideia é simpática, mas na prática, Redfall e Starfield saíram apenas para Xbox e PC. Os dois jogos teriam saído sem envolvimento da Microsoft. E teriam saído também para Playstation. Então ele fala as coisas certas, mas é um grande demagogo, pois suas falas não são refletidas em suas ações. A compra da Bethesda literalmente DIMINUIU os lugares em que as pessoas podiam jogar seus games.
CONSOLIDAÇÃO
Eu tenho fases políticas na minha vida. Se você procurar bem, provavelmente encontra textos meus aqui no DELFOS defendendo ideais de direita. No momento, em 2024, no Brasil pós-Bolsonaro, eu sou completamente anti-isso. Nem me definiria como “esquerda”, mas o capitalismo descontrolado vem me incomodando muito.
Cada vez mais, mais coisas pertencem a menos gente. A Microsoft se mostrou inútil em criar IPs. Mesmo Halo e Gears foram criados pela Bungie e pela Epic, respectivamente. E depois que as séries começaram a ser comandadas pela Microsoft, se afogaram em mundo aberto, microtransações e live service.
A Disney é outra culpada deste ultra-capitalismo. Mas ao contrário da Microsoft, eles já tinham uma marca forte, com um monte de IPs muito queridas pelo público. Mesmo assim, compraram Star Wars, Marvel, Fox e muito mais, sob aplausos do público. Já dizia a Padmé em Vingança dos Sith, que ironicamente agora é da Disney: é assim que a “democracia morre, sob aplausos”. Ao contrário do que a galera de direita fala, a cultura pop sempre foi política, e sempre teve um viés esquerdista. Hoje o Homem-Aranha, o Bart Simpson, o Mickey e o Darth Vader moram sob o mesmo teto. Caramba, a Princesa Leia literalmente se tornou uma princesa Disney.
Antes disso, tivemos a popular AOL-TIME-WARNER-DC-HBO, que nos primórdios do DELFOS nos parecia uma consolidação distópica e mesmo pessoas altamente capitalistas da equipe gostavam de colocar “Fnord” ao lado do nome da empresa. Em Space Jam, você vê Matrix, It, Looney Tunes, Mortal Kombat e mais um monte de personagens nada a ver torcendo nas plateias. E daí você pergunta:
CORRALES, O QUE SEPARA O DISTÓPICO DO DESEJÁVEL?
Filmes como Jogador Número Um podem parecer um orgasmo nerd. Sabe o que o separa de Uma Cilada Para Roger Rabbit, no entanto? O fato de que tudo – ou quase – nele é da mesma empresa. Roger Rabbit foi algo marcante, que juntou praticamente todas as grandes IPs dos desenhos animados quando elas eram de dezenas de empresas diferentes. A quantidade de contratos e negociação por trás de ver o Donald e o Patolino em uma disputa de piano foi absurda. Era mágico porque era especial. Ver o Pennywise na plateia de um jogo de basquete de um filme infantil é… estranho.
A Disney comprou tudo para monopolizar a cultura pop e formar não apenas um, mas DOIS serviços de streaming. A AOL-Time-Warner-DC-HBO comprou tudo porque foi a primeira grande empresa (de cultura pop, pelo menos) no mundo da consolidação ultra-capitalista a perceber que a melhor forma de vencer os concorrentes é absorvendo-os. O que o Facebook e a Microsoft fazem hoje. Na impossibilidade de criar coisas que as pessoas gostem, vamos comprá-las.
A Embracer é universalmente considerada como uma empresa do mal. Eles compraram boa parte do mercado de games e até de outras áreas. Hoje, marcas como O Senhor dos Anéis (TODO o Senhor dos Anéis), Tomb Raider, Deus EX, Saints Row e muito mais são deles. O resultado? Eles estão fechando estúdios a torto e a direito, inclusive gente como a Volition, uma empresa com um histórico excelente, mas que pôde apenas lançar um único jogo após a compra antes de ser fechada.
A MICROSOFT E OS POBRES COITADOS QUE FAZIAM TRABALHOS CRIATIVOS NELA
Eu não gostei de saber de nenhuma das compras da Microsoft. Tem gente que hoje é deles que eu realmente gostava, como a Ninja Theory e a Double Fine. O que mudou desde a compra para nós é que perdemos acesso a jogos que normalmente cobríamos.
Não quero dizer com isso que tenho direito divino a cobrir os jogos ou algo assim, mas as assessorias das duas empresas eram muito simpáticas e solícitas até a Microsoft assumir. Hoje, quando recebo uma resposta da Microsoft, é na linha “os jogos estão no Gamepass, então não temos mais códigos de review”. E eles dizem isso mesmo mandando códigos antecipados para veículos maiores, como se cada veículo existisse em um vácuo. O problema não é nem a gente não receber acesso. Isso é comum para sites do tamanho do DELFOS e pode ser comunicado de forma honesta e amigável. Mas mentiras, desrespeito ou ser ignorado me incomoda. As assessorias da Activision e da Bethesda, até o momento, se mantém independentes, então continuamos cobrindo os jogos deles. Mas o que virou da publisher Microsoft simplesmente sumiu do DELFOS. Tchau, Hellblade e Psychonauts, por exemplo.
Isso me torna um panda triste, mas é o de menos neste contexto. Meu medo é que o futuro das duas empresas pode ser muito negativo. Veja o que aconteceu no dia sete de maio de 2024. A Microsoft fechou quatro empresas. Duas delas são as mais marcantes para todo mundo.
CONSOLIDAÇÃO E A ARKANE
A Arkane Austin era muito querida. Eles desenvolveram Prey, que a galera adora. E para este jogo foram obrigados pela Bethesda a usar a marca de um jogo antigo e esquecido em um suposto reboot que nada tinha a ver com o original e que não foi planejado para ser um reboot. Particularmente, eu não gosto muito do gênero immersive sim, mas claramente os fãs gostam do que a empresa fazia e ela tinha potencial.
Daí a Bethesda, ainda independente, a mesma empresa do “acreditamos no single player“, “fortemente incentivou” a Arkane Austin a fazer um live service. O resultado foi Redfall, que saiu já sob o guarda-chuva da Microsoft, tendo sua versão de PS5 cancelada por isso. E por causa dele, e APENAS por causa dele, a empresa foi fechada. Como diz na série Sopranos, só o último cheque importa, ninguém liga para o histórico.
CONSOLIDAÇÃO E A TANGO GAMEWORKS
O que mais me incomodou foi a Tango Gameworks. Eu realmente gostava dos jogos deles. Eles lançaram quatro, e amo todos. Dois The Evil Within, Ghostwire Tokyo e Hi-Fi Rush. São três marcas totalmente diferentes. Muita gente considera Ghostwire Tokyo como terror por causa da temática “fantasmas”, mas para mim ele é muito mais uma aventura mitológica do que um terror. Já Hi-Fi Rush é uma delícia, o melhor jogo a sair pela bandeira da Microsoft desde, sei lá, 2009, e um dos melhores lançamentos da geração atual. Sim, ele bate inclusive tudo que saiu exclusivamente para PS5 desde o lançamento dos consoles da nova geração.
E segundo Aaron Greenberg, ele bateu todas as expectativas da empresa. É um jogo ótimo, amado por crítica e público, que saiu para PS5 e bateu todas as expectativas da “chefe”. O prêmio para os criativos que colocaram tamanha maravilha – inclusive sob a ótica capitalista do lucro e reconhecimento – no mundo? A fila do desemprego assim que terminaram de fazer a versão de PS5.
E com isso a Microsoft mata não apenas uma empresa que em poucos anos criou três excelentes marcas em gêneros diferentes, mas uma que poderia criar muito mais. Outro bônus? Era a única desenvolvedora japonesa da Microsoft, mercado que o tio Bill Gates nunca conseguiu conquistar. A imprensa gamer está tentando entender o que levou a Microsoft a fechar a única empresa capaz de lançar um first-party “must have” no Xbox Series X. Mas a resposta é clara: alguém precisa pagar a conta pela aquisição da Activision. E ela foi alta.
CONSOLIDAÇÃO E HEXEN
O Phil Spencer é um cara carismático, né? Um amigão dos gamers. Ele usa uma camiseta do Hexen numa apresentação para criar especulação de que, agora que a marca é da Microsoft, o jogo pode voltar. Na prática, espere que a Microsoft se transforme numa máquina de Call of Duty, Halo e Gears. Quiçá Fallout. Jogos de grande impacto, sabe? Tudo em mundo aberto e cheio de microtransações no single player – o que já começou.
A qualidade não anda junto com o dinheiro. Compare o DELFOS com um monte de outros sites cheios da grana. Como diz o colega Thiago Cardim, “se dinheiro fosse parâmetro de qualidade, Titanic seria o melhor filme da história”. Phil Spencer não é um amigão dos gamers. Ele joga, sim, mas joga o jogo do capitalismo. E para vencer este jogo, você precisa ser carismático E apresentar crescimento infinito.
Isso sem falar em erros crassos da liderança do cara, como a série de TV de Fallout estar conquistando elogios e batendo recordes de audiência, mas o último jogo ser de 2015 e a previsão para o próximo sair seja depois de 2030. Convenhamos, é capitalismo 101 você ter sinergia entre os produtos, e lançar uma incursão em uma nova mídia ao mesmo tempo que capitaliza a mídia original. Se Fallout 4 e Fallout 76 estão batendo recordes, imagina a quantidade de vendas que um Fallout 5 lançado em 2023/2024 faria.
Até outra empresa do mundo capitalista distópico, a Amazon, foi mais esperta para capitalizar nisso, e está dando boa parte da coleção de Fallout como parte da mesma assinatura que você precisa ter para assistir à série legalmente. A verdade é uma só: a Microsoft, através da consolidação,Ou Phil Spencer é muito incompetente, ou através da consolidação, ele está apenas tirando a competição do mercado. Não é bacana dizer isso, mas ou ele é incompetente ou é um vilão monopolista.
ODEIE O JOGO DA CONSOLIDAÇÃO, NÃO O JOGADOR
Phil Spencer faz o jogo, mas diante de capitalistas como Jeff Bezos, parece ser moleque, para não dizer incompetente. Afinal, o que a Microsoft tem para mostrar desde que gastou quase 100 BILHÕES DE DÓLARES COMPRANDO IPS? Redfall e Starfield, que teriam saído de qualquer jeito, mas seriam multiplataforma. Ela teve um único sucesso incontestável com Hi-Fi Rush, mas não parece ter sido o suficiente para alimentar a boca dos acionistas, especialmente depois do gasto monstruoso com a Activision. Porque isso muda tudo. Não basta adquirir as empresas, você precisa admnistrá-las. E o dinheiro que um Hi-Fi Rush bem sucedido faz é pouco perto de um Call of Duty fracassado.
O futuro da cultura pop, com esta absurda consolidação de propriedades intelectuais, é bem sombrio. Eu sinceramente acho que o que está rolando com a Embracer vai rolr com a Microsoftt e a gente fique sem muitas marcas que geral torceu para eles comprarem, como a Double Fine e a Ninja Theory. Imagina a galera da Ninja Theory vendo essa história do Hi-Fi Rush. Mesmo que Hellblade 2 seja um grande sucesso e elogiado pela Pequenomole, eles correm forte risco de serem fechados.
As outras big-fuckin’ empresas também não estão dando sinais de sustento. A Disney quis todo o dinheiro do mundo fazendo dois serviços de streaming e está cancelando um pouco depois de começar. A AOL-TIME-WARNER-DC-HBO tem seu próprio serviço de streaming e também está jogando fora filmes prontos ou tirando do streaming porque eles dariam mais lucro com jogadas de impostos ou economizando royalties do que como obras culturais. E eu realmente temo pelo futuro da Rocksteady depois do fracasso extremamente visível de Suicide Squad. Lembra a história do último cheque que vale mais do que o histórico?
SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO
Outro caso mais antigo que tem muito a ver com o assunto de hoje é a EA e Dead Space. A Visceral criou uma IP muito forte e muito querida em Dead Space, mas acabou sendo obrigada pelos chefes a ficar presa em Battlefield. Deu ruim. Claro que ia dar ruim. Tem gente que é bom de cover, tem gente que é boa em criar. A EA fechou a Visceral e mandou todo mundo embora.
Ao perceber o que fez, mandou uma outra galera recriar o jogo, e eles fizeram um cover impressionante. E sabe o que aconteceu? Logo a mesma galera foi impedida de fazer o que queriam e foram colocados, adivinha só, em Battlefield. A quantidade de órfãos de Dead Space hoje em dia, entre fãs e criadores, é enorme. E quem pode usar a marca não tem interesse financeiro nela. É o caso Monkey Island e Ron Gilbert acontecendo repetidas vezes. E vai continuar acontecendo enquanto a gente não valorizar os criativos.
Eu queria ser mais positivo, mas não vejo a situação da cultura pop melhorando. Vejo um monte de marcas inativas, com os criadores doidos para utilizá-las, mas sem poder legal para usá-las porque elas foram vendidas para empresas sem interesse em explorá-las.
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