Não que eu esteja neste mundo há tanto tempo assim. Mas desde que estou, não me lembro de ver o Brasil tão dividido quanto nos últimos anos. Isso naturalmente se reflete em todos os campos da comunicação, inclusive na arte. E daí chegamos à nossa crítica O Homem Cordial, parte da franquia “O X Cordial”.
CRÍTICA O HOMEM CORDIAL
Este filme é de 2019, mas reflete muito bem o Brasil de 2023. Pois é, infelizmente nosso país não mudou muito nos últimos anos. Aqui, Paulo Miklos é Aurélio, mas poderia ser himself. Aurélio é vocalista de uma banda de rock nacional com letras politizadas, exatamente como o Titãs da vida real.
O cantor aparece em um vídeo viral que o envolve na morte de um policial. Não que ele tenha cometido o crime. Simplesmente protegeu um menino que estava sendo maltratado, e que depois foi acusado de matar o coxa.
Isso coloca Aurélio em um ponto delicado. De repente, as pessoas começam a reparar que sua banda era política, assim como aconteceu com Roger Waters ou até com o DELFOS (sério mesmo, já teve uns paraquedistas aqui dizendo que não devíamos dar opiniões políticas – num site que se orgulha de fazer jornalismo parcial desde 2004).
E isso o deixou em maus-lençóis com todo mundo. De um lado, parte do público diz que ele é defensor de bandidos. Mas o outro lado também não fica feliz, e o acusa de não ter ido longe o suficiente para proteger o garoto. E inclusive do crime inafiançável de ser branco.
OS TRÊS LADOS DA MOEDA
Aurélio fica um tanto obcecado com o caso, que o afeta profissional e pessoalmente. Ele acaba se juntando a um grupo de jornalistas ideológicos para tentar descobrir a verdade, e encontrar Matheus, o menino que protegeu no vídeo.
O filme é um suspense bem tenso, que fica ainda mais desconfortável pela forma que foi filmado. Porém, eu não digo essa parte como um elogio. Na verdade, eu sinceramente gostaria que O Homem Cordial fosse filmado de forma mais tradicional.
Seus planos são todos bem longos, o que você sabe que eu adoro. Porém, eles são também fechados. Fechados demais. Na maior parte das cenas, temos um close no Paulo Miklos e todos os outros personagens falam de fora do quadro. É bom para você curtir os pormenores de atuação do cantor, mas é ruim para o entendimento, ou mesmo aproveitamento da história.
DIREÇÃO MARCANTE
Assim, para o bem ou para o mal, o que mais me marcou em O Homem Cordial foi a direção de Iberê Carvalho. Algumas cenas, como a do enquadramento policial no cantor, ficaram sensacionais. Estamos falando de um plano sequência longuíssimo que, por ser filmado quase exclusivamente em closes, aumenta muito o desconforto de uma cena que já seria deveras tensa.
Porém, a insistência em filmar tudo dessa forma, mesmo quando não é necessário, deixa os 80 minutos de projeção cansativos. Aumentando o incômodo, o filme inteiro é tão absurdamente escuro que você normalmente só vê silhuetas.
CRÍTICA O HOMEM CORDIAL E O ANIMAL NÃO CORDIAL
Talvez, como um filme B, tenha uma questão orçamentária aí. Pode ser que eles não tivessem dinheiro para cenários ou iluminação e resolveram simplificar o que estava sendo filmado. Mas isso é apenas uma conjectura minha. O ponto principal é que tem hora que funciona que é uma beleza, mas na maior parte do tempo é irritante.
Ainda assim, gostei muito do filme. Particularmente, preferiria um final menos aberto, mas o que temos aqui também não é ruim. E a segunda metade, em especial, é excelente. A cena do Matheus, em que finalmente vemos o contexto completo do vídeo viral, é extremamente desconfortável de assistir – e agora falo isso de forma positiva.
De qualquer forma, temos aqui sem dúvida um filme que recomendo com força, que faz um excelente trabalho em mostrar o Brasil de 2023. Mesmo sendo um longa de 2019. Ah, sim, apesar de ser relativamente antigo, ele estreia nos cinemas do Brasil no dia 11 de maio de 2023.