Não é comum no Brasil vermos obras culturais de países culturalmente mais distantes de nós, como o Irã. Às vezes até popa um ou outro filme iraniano sobre um menino em busca de um balão branco, mas acredito que nunca tinha visto um jogo com esta temática. 1979 Revolution: Black Friday não é apenas uma história que se passa no Irã, mas é baseada em fatos, construída a partir de testemunhos de pessoas que estavam lá quando essas coisas aconteceram.

Reza, o protagonista, é um jovem fotógrafo. Sem muita ideologia, a não ser a que você vai construir para ele, seu objetivo é observar, e registrar os acontecimentos. Isso possibilita que você molde o personagem, como é padrão em uma história interativa como esta. No entanto, há bem pouco de padrão por aqui.

1979 Revolution: Black Friday, Delfos

Reza está sendo interrogado, e a história da revolução em si é contada em flashbacks conforme as perguntas do seu interrogador são feitas. A ambientação, no entanto, é o mais fascinante. Como um ocidental, acredito que eu sou a regra, não a exceção, ao não conhecer quase nada do Irã. Nossa cultura, bastante americanizada, não costuma mostrar o país sob bons holofotes. A gente sabe que isso rola mais porque a região foi amaldiçoada com uma grande quantidade de ouro negro, não necessariamente por razões ideológicas, mas nosso conhecimento costuma acabar por aí. Ou vai dizer que, ao ler o título Black Friday, você pensou na revolução iraniana e não em grandes descontos?

O CHARME DA VERACIDADE

Algo que acrescenta muito à experiência é quando você é brindado com imagens reais. Por exemplo, você está sempre tirando fotos, e depois de quase todas, aparece a foto que você tirou, e aquela mesma imagem na vida real, capturada pelos fotojornalistas na época.

1979 Revolution: Black Friday, Delfos
É tipo The Goldbergs. Se The Goldbergs fosse extremamente sério e deprimente, é claro.

Esta sinergia com a vida real e o fato de contar um capítulo da história de um país do qual pouco sabemos já é motivo suficiente para recomendar o jogo. Mas felizmente a história é muito boa.

Como um bom livro do Machado de Assis1979 Revolution: Black Friday é dividido em uma pá de capítulos curtinhos. São 19, e alguns duram apenas um ou dois minutos, enquanto outros são um pouco mais longos. A história e os personagens são legais e me envolveram bastante, ainda que eu tenha achado o final um tanto repentino, com uma desnecessária viradinha que parece ter sido colocada para dar um teor mais hollywoodiano à obra.

1979 Revolution: Black Friday, Delfos

ASPECTOS DO JOGO

O visual me deixou dividido. Não dá para dizer que é um jogo especialmente bonito. Ele tem cara de uma graphic novel. Mas é uma daquelas em que o desenhista não é muito bom. Agora sabe quando o colorista acaba salvando a arte? É por aí. Se liga nessas cores.

1979 Revolution: Black Friday, Delfos

Ele ganha muitos pontos comigo, também, por ser uma história interativa que não é dividida em episódios. E mais pontos ainda por ser curto. Sua história completa dura pouco mais de duas horas, colocando-o mais ou menos na metragem de um filme – e do tamanho de um único episódio de um da Telltale, por exemplo. E isso é ótimo. É raríssimo pegar um jogo como este e vivenciá-lo até sua conclusão em um único dia. E sua história fica muito mais forte e impactante com isso.

1979 Revolution: Black Friday, Delfos

1979 Revolution: Black Friday não é um jogo leve, daqueles para jogar em um sábado à tarde (embora, como falei acima, ele possa ser inteiramente vivenciado em um sábado à tarde). É um caso de uma obra que tem algo a dizer. E, ao dizê-lo, vai incomodar e elevar aquele disposto a ouvi-la.

Embora o final tenha me desanimado um pouco, ao terminá-lo eu fiquei um bom tempo pensando nele antes de me sentar para escrever. E acho que vou continuar pensando nele por bastante tempo. Em uma sociedade que fala tanto de diversidade, é curioso como há partes do mundo tão distantes do nosso conhecimento. Como já falei antes, diversidade é muito mais do que raça. E cultura é seu aspecto mais importante.