Um Louco Apaixonado

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Ok, já parou de olhar a foto? Ainda não? Então vai lá, eu espero.

Pronto? Ainda não? Dane-se, termina de ler aqui e depois você fica olhando a foto o tempo que precisar para concluir sua homenagem.

Delfonautas e delfonautos, temos um vencedor. Não um vencedor para o melhor filme do ano, mas para a pior tradução de título da história. Ok, Naked Gun virou Corra que a Polícia Vem Aí, Jay & Silent Bob Strike Back virou O Império do Besteirol Contra-Ataca e assim por diante. Porém, nenhum desses filmes tinha um título original tão legal quanto How to Lose Friends and Alienate People (algo tipo “Como perder amigos e se afastar de pessoas”). Pô, desde a primeira vez que ouvi falar dele, eu já queria assisti-lo, única e exclusivamente por causa do título. Assim, quando chegou o convite deste Um Louco Apaixonado, eu quase não peguei (“ah, mais uma comédia romântica água com açúcar, delfonautas não assistem a essas porcarias”, foi o que pensei). Acabei decidindo ir em cima da hora, só por ele contar com Simon Pegg, de Todo Mundo Quase Morto (outra tradução imbecil, aliás) no elenco e, só quando a projeção começou e o título apareceu é que percebi que se tratava daquele que tanto queria ver.

Um Louco Apaixonado nada tem a ver com seu título em português. Trata-se, basicamente, de um plágio uma versão de O Diabo Veste Prada. Substitua o campo da moda pelo do jornalismo de cinema e a protagonista que não se importa com a área pelo jornalista íntegro e que não aceita subornos. Crau! Temos aqui um filme novinho em folha.

O Simão Pegador é um jornalista britânico que é chamado para trampar numa revista lambedora de bolas de celebridades nos States. Chegando lá, ele acredita que vai ter liberdade para exercitar seu humor ácido e suas opiniões, mas logo percebe que nos EUA o jornalismo tem obrigação de ser elogioso imparcial. A partir daí, é a mesma história de O Diabo Veste Prada. Ele vai lutar contra o sistema, vai perder, vai acabar se vendendo e, depois da partezinha triste, vai encontrar a felicidade voltando tudo como era antes. E isso não é spoiler porque, se você já viu mais de três filmes na vida, já sabia de tudo isso. Afinal, esses longas usam sempre o mesmo roteiro, escrito em 1942 por um senhor chamado Steve Screenwriter. Aliás, foi baseado nesse cara que surgiu o Screenwriter’s Guild e até mesmo o nome da profissão.

A partir do momento em que ele se vende, o filme escorrega nos clichês e perde pontos. O pior é que até aí estava realmente muito legal. A começar por Simon Pegg, que pode ser descrito como o novo Leslie Nielsen. Não por ter o mesmo tipo de humor, mas por ter aquele tipo de rosto que dá vontade de rir só de olhar. E ele manda muito bem.

Porém, o maior trunfo para mim foi mesmo a identificação com o protagonista. Até mesmo o humor dele, incompreensível para os colegas de trabalho, lembra o meu. Eu também já passei por várias situações semelhantes às apresentadas no filme e, na maioria delas, agi mais ou menos da mesma forma. Aliás, a identificação foi tamanha que o filme é quase a história do DELFOS.

E continua sendo até hoje, não interessa quantas vezes eu explique que a gente tenta resgatar o jornalismo original, surgido na Europa, enquanto o jornalismo elogioso imparcial surgiu nos EUA, e foi esse o modelo importado para o Brasil. Não adianta, as pessoas não querem algo diferente, elas querem mesmo o jornalismo estadunidense, enganando a si mesmas quanto à sua imparcialidade. E o humor do DELFOS, que tem mais a ver com o praticado na Inglaterra do que com aquele presente na nossa TV, é incompreensível para a nossa cultura.

Assistindo a esse longa, me lembrei de uma conversa com o Guilherme, há bastante tempo, onde ele disse que, apesar de gostar muito do DELFOS, era muito difícil algo como este site vingar aqui no Brasil. Se fosse na Europa, teríamos muito mais chances do que aqui. E é verdade. Este filme mostra a reação dos estadunidenses ao jornalismo inglês, mas ao mesmo tempo mostra a dos brasileiros.

O mais bizarro é que qualquer pessoa que não manje do assunto vai ver o filme e achar exagero, só para efeitos cômicos. E depois vai exigir dos jornalistas exatamente o que as pessoas exigem do Simon no filme – ou seja, puff pieces (nome que se dá a matérias escritas apenas para encher a bola de um artista ou produto, sem nenhuma preocupação com a integridade ou com a informação apresentada).

Pois é, eu tenho pensado bastante nessas coisas ultimamente e, por causa disso, Um Louco Apaixonado caiu muito bem neste momento. Talvez não faça tanto sentido para você e seja só mais uma comédia água com açúcar. Eu recomendo, mas apenas para pessoas que têm algum interesse no funcionamento do jornalismo cultural.

E cada vez que escrevo o título nacional, eu morro um pouco por dentro. É quase como escrever ideia ou linguiça. Se bem que deve ser assim que os brasileiros veem (ai) um jornalista tentando fazer algo fora das puff pieces, né? Como um louco apaixonado. Não apaixonado por uma mulher, mas por uma ideologia morta e sem chance de renascer. Pelo menos não aqui no nosso país.

PS: Caso você queira ver o pôster e não as raposinhas da Megan, clique aí na nossa galeria.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
um-louco-apaixonadoPaís: Reino Unido<br> Ano: 2009<br> Gênero: Comédia<br> Duração: 110 minutos<br> Roteiro: Peter Straughan<br> Elenco: Simon Pegg, Megan Fox, Kirsten Dunst, Gillian Anderson e Jeff Bridges.<br> Diretor: Robert B. Weide<br>