Tim Burton e Johnny Depp: parceiros estranhos

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Resenha do filme
Tremendões Tim Burton

O lançamento de A Noiva Cadáver marca nada menos que o quinto filme onde o diretor Tim Burton conta com a participação de seu (e meu) ator favorito, Johnny Depp. Agora, ele empresta sua voz para Victor Van Dort, o noivo que acaba se envolvendo com uma cadáver.

Aproveitando a chegada do filme aos nossos cinemas, que tal dar uma revisada nas parcerias anteriores da dupla? Sigam-me os bons!

Sandman com mãos-de-tesoura.

Tudo começou em 1990. Tim Burton havia estreado nos longas-metragens com A Grande Aventura de Pee-Wee, em 1985. Em 1988 ele lançou Os Fantasmas se Divertem, o primeiro filme onde seus traços autorais deram o ar da graça. Fantasmas, um clima meio gótico e ao mesmo tempo colorido e uma temática meio fora do comum para uma comédia (fantasmas que querem exorcizar os vivos) se tornariam marcas registradas do diretor. Em 1989, os fãs de quadrinhos já sabem, Burton lançou Batman (aproveite para ler a resenha de Batman Begins), um grande sucesso, mas onde não teve o controle total da produção.

Se por um lado ele mostrou que não manjava nada de quadrinhos, por outro o filme serviu para definir de vez a identidade visual que seria a tônica de seus filmes a partir de então. Após Batman, Burton teve a idéia de contar a história de um homem artificial que tinha tesouras no lugar dos dedos. Era uma espécie de reimaginação da história do monstro de Frankenstein em tom de fábula.

Para o papel principal de Edward Mãos-de-Tesoura, foi escolhido um jovem ator que acabara de abandonar o seriado Anjos da Lei (aquele com jovens policiais infiltrados em escolas) e estava louco para ser desvinculado da imagem de galã e ídolo das adolescentes (o que, convenhamos, não deu assim tão certo).

Johnny Depp agarrou o papel com as duas mãos (ou no caso, tesouras) e mandou uma senhora interpretação. Mesmo com poucas falas (ele diz exatas 169 palavras no filme), com uma apertada roupa de couro (ele chegou a desmaiar por causa do calor na gravação da cena onde ele foge da pacata cidadezinha de volta para sua mansão) e uma pesada maquiagem no rosto, que o deixaram a cara do Sandman de Neil Gaiman, ele conseguiu passar toda a inocência e estranheza do personagem apenas com o olhar. A cena onde Winona Ryder pede para Edward abraçá-lo e ele responde com um singelo “não posso” é particularmente emocionante.

O filme angariou ótimas críticas e até hoje, quando se fala em Burton, este é o filme do qual as pessoas geralmente se lembram. É a obra que melhor sintetiza o cinema de Tim Burton, pois todas as suas marcas registradas estão lá.

Após essa experiência bem-sucedida, Burton e Johnny Depp tornaram-se amigos e admiradores mútuo.. Sem contar que duas pessoas com predileção por histórias e personagens esquisitos e desajustados parecem mesmo terem sido destinados a tornarem-se parceiros. No campo profissional, é claro. Mas que mente suja, hein?

O pior diretor de todos os tempos.

Todo diretor de cinema tem aquele projeto do coração, um sonho de longa data que ele espera ansiosamente pelo dia de tirá-lo do papel. Aquele que será conhecido como seu filme mais autoral. Com Steven Spielberg foi E.T., com George Lucas foi Guerra nas Estrelas(aproveite para ler a resenha dos Episódios V e III) e com Tim Burton, este projeto ficou conhecido como Ed Wood, realizado em 1994. Para quem não sabe, Edward D. Wood Jr. é o sujeito quase sempre apontado como o pior diretor de cinema de todos os tempos.

O rapaz fazia filmes com orçamento irrisório, usando monstros de borracha, discos voadores presos por barbantes, cenários de papelão e roteiros simplesmente ridículos. Seus filmes mais conhecidos são Glen ou Glenda, de 1953 (um melodrama sobre travestis. Ed Wood também era famoso por adorar vestir roupas femininas) e Plano 9 do Espaço Sideral, de 1959, eleito diversas vezes como o pior filme de todos os tempos (uma grande injustiça, pois essa tosqueira é bem divertida) e dono da célebre fala: “E lembrem-se, meus amigos, eventos futuros como estes os afetarão no futuro”. Gênio!

Burton transformou o que poderia ser uma potencial cinebiografia de Wood numa grande homenagem à sua paixão pelo cinema e à sua perseverança, enfrentando todas as dificuldades possíveis e imagináveis e usando de toda a sua esperteza e imaginação para conseguir fazer seus filmes. Infelizmente, o filme não fez sucesso, apesar das boas críticas. Isso se explica porque Ed Wood não é muito conhecido do grande público e Burton não fez concessões, escolhendo fotografá-lo em preto-e-branco, afastando mais uma parcela de gente. Uma pena, porque o filme é sensacional. Ah, e Martin Landau ganhou o Oscar de coadjuvante pela sua interpretação do decadente Bela Lugosi. Para quem não sabe, Lugosi foi o ator que interpretou Drácula no filme de 1931 e já em fim de carreira, virou amigo e colaborador de Wood.

Na pele de Ed Wood, novamente Depp arranca mais uma grande interpretação. Consegue estampar toda a paixão e empolgação de Wood pela sétima arte, mesmo que ele não tivesse talento algum. E mesmo que não percebesse sua gritante falta de jeito para com a sétima arte. Como destaque, as cenas onde ele dirige sua equipe de filmagens mambembe travestido são impagáveis.

O próprio Depp declarou que sua caracterização foi uma mistura do otimismo cego de Ronald Reagan (ex-presidente dos EUA), o entusiasmo do Homem de Lata de O Mágico de Oz e Casey Kasem (ator e dublador. Por sinal, ele é a voz original do tremendão Salsicha, de Scooby Doo).

Isso sem falar na aprovação da própria viúva de Ed. Um dia, Kathy Wood foi visitar o set e pediu para conhecer Johnny. Naquele dia, eles estavam filmando uma cena onde Wood estaria na pior, o que deixou Burton meio preocupado com o que Kathy pensaria do filme. Quando Depp saiu do trailer, a viúva soltou um “Esse é o meu Eddie!”. Isso é que é trabalho de caracterização.

Cabeças vão rolar.

Depp e Burton só iriam se reencontrar num set de filmagens em 1999, em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, filme inspirado numa história clássica do folclore estadunidense e que o Corrales adora. Na lúgubre cidadezinha de Sleepy Hollow, um cavaleiro sem cabeça anda decapitando os moradores locais. O excêntrico policial Ichabod Crane (Depp) chega de Nova Iorque para tentar solucionar o caso, com seus métodos inovadores para a época e estranhos (que surpresa!) para os outros.

Este é mais um filme com o selo visual único de Tim Burton. Visual gótico refletido nos caprichados figurinos, cenários e fotografia. Além da trama macabra, é claro. É aqui que Depp começou a burilar uma nova característica para seus personagens: Ichabod Crane é um personagem meio fresco, de trejeitos afeminados mesmo. A consagração destas características se daria com o pirata Jack Sparrow de Piratas do Caribe, papel que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator, e mantido em A Fantástica Fábrica de Chocolate.

Desta vez, ele teria baseado sua caracterização em Angela Lansbury (da série Assassinato por Escrito) e nos falecidos atores Roddy McDowall (de A Hora do Espanto) e Basil Rathbone.

Originalmente, a idéia de Depp era usar maquiagem para ficar feio, mas ao discutir a idéia com Burton, o diretor disse que só a personalidade de Ichabod já era feia o bastante e que, portanto, seria um contraponto interessante a beleza física do policial em oposição à sua personalidade nada atraente.

A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça fez uma boa bilheteria, porém trata-se de um filme menor de Burton e da parceria com Johnny. Mas se você é fã dos dois, pode assistir sem medo, que você vai se divertir.

O bilhete dourado.

Em 2004, Tim Burton anunciou que faria uma nova versão de A Fantástica Fábrica de Chocolate. Não seria uma refilmagem do filme de 1971. Sua intenção era deixar a nova produção mais próxima do livro de Roald Dahl.

O difícil seria arranjar um substituto à altura de Gene Wilder, o Willy Wonka original e única coisa que presta no filme que fez a alegria de milhares de crianças que assistiam à Sessão da Tarde (inacreditavelmente, eu só fui assistir ao filme depois de velho).

Burton não teve dúvidas e chamou seu chapa Johhny Depp para a inglória missão. Johnny não teve dúvidas e aceitou o papel na hora, afinal, ele adora um desafio. E saiu-se muito bem, embora o Corrales discorde de mim na sua resenha. Seu Willy Wonka é tão excêntrico quanto o de Wilder, porém bem diferente. O Wonka de Depp chega a ser cruel e não está nem aí para as crianças que visitam sua fábrica. Pelo contrário, pelas suas caretas de repulsa, fica claro que ele não gosta nem um pouco delas. Novamente Depp emprestou trejeitos meio afeminados ao personagem, um dos mais esquisitos na longa galeria de personagens bizarros que ele já interpretou, e, dizem os boatos, teria construído sua interpretação inspirado no ex-rei do Pop e atual freak Michael Jackson. Bizarro…

Verdade ou não, o ator disse em entrevistas que seu personagem é parte recluso como Howard Hughes (o sujeito retratado em O Aviador) e parte astro do Rock glamuroso dos anos 70 (essa parte está bem representada em seu espalhafatoso figurino).

Quanto ao trabalho de Burton, é impressionante como o visual de seus filmes é caprichado. Dessa vez, sai o visual dark e entra um colorido lisérgico que permeia todos os ambientes da fábrica de doces de Wonka, em uma estética mais parecida com a de Os Fantasmas se Divertem. Porém, ainda há elementos meio sinistros no filme. Algumas vezes, a fábrica é um lugar bem assustador, especialmente para quem não segue as instruções de Willy.

Mesmo com essa pitada de medo, o filme ainda é bem infantil. Não possui muito apelo para os adultos. Por isso, não fez muito a minha cabeça. Mas ei, trata-se de um filme de Burton, e com mais uma interpretação insana de Depp. Por isso, mesmo que o tema (hum, chocolate…) não lhe seja muito atrativo, ainda sim é um filme obrigatório.

O filme foi sucesso de bilheteria agora em 2005, mas dividiu as críticas e o gosto do público em comparação com a primeira versão. Eu achei superior, mas ainda longe de ser um filmão.

É isso aí, quatro filmes live action e uma animação depois, a parceria entre um dos diretores mais criativos dos EUA e um dos atores mais versáteis em atividade, não parece dar sinais de cansaço. Melhor para nós, pois os filmes da dupla são diversão garantida. E que venham mais colaborações entre Burton e Depp. Nós, fãs, agradecemos.

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