The Walking Dead

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Até que demorou pra acontecer. Depois que a febre dos mortos-vivos (hah, sacou?) atacou (viu? Eu fiz de novo!) cinema, games, quadrinhos e até clássicos da literatura, como Orgulho e Preconceito e Zumbis, ela finalmente chega à mídia do momento: a televisão. E chega em grande estilo, com The Walking Dead, sem dúvida a melhor série da mais recente fornada de novidades da TV estadunidense.

ACORDANDO DE UMA LONGA SONECA

Adaptada da série de quadrinhos de mesmo nome (que aqui no Brasil é conhecida por Os Mortos-Vivos e cuja resenha delfiana você lê aqui) criada por Robert Kirkman e ilustrada por Tony Moore e Charlie Adlard, tem-se aqui a trama mais romeriana que não é escrita ou dirigida por George A. Romero, mas que com certeza deixaria o velhinho dos óculos gigantes orgulhoso, principalmente se considerarmos que seus dois últimos filmes da saga dos mortos não foram lá aquelas maravilhas. Mas antes de falar mais sobre isso, é sempre bom apresentar a sinopse.

O policial Rick Grimes (Andrew Lincoln) é baleado em serviço e passa um tempo em coma. Quando acorda (numa situação muito parecida com o início do tremendão Extermínio), o hospital está abandonado, há corpos e sangue pra todo lado e alguém escreveu uma mensagem estranha numa porta avisando que trancou gente morta ali. O pior? Eles ainda estão se mexendo!

Não demora muito e ele rapidamente descobre que, no período que passou apagado, um tipo de epidemia dizimou boa parte da população, que voltou como zumbis famintos por carne humana, e qualquer mordida ou arranhão deles é o bastante para infectar e transformar os vivos em mortos-vivos. Mesmo defronte desse cenário de pesadelo (ou paraíso nerd, dependendo da sua perspectiva), tudo que Rick quer é encontrar sua família, que deixou a cidade assim que a epidemia começou, e buscou refúgio num acampamento improvisado junto com outros sobreviventes. Lá também está seu parceiro de polícia, Shane (Jon Bernthal) que, bom, já chega, senão a patrulha do spoiler vai cair em cima de mim.

ZUMBIS ROMERIANOS

Como todo bom filme Z nos ensina, não são os desmortos os verdadeiros vilões da história, mas sim os próprios humanos, incapazes de se entenderem e implementarem um mínimo de ordem por conta própria sem que surja altas confusões do barulho no processo.

The Walking Dead não é diferente ao mostrar que, em seu universo, os zumbis estão mais para um pequeno empecilho apodrecendo pelos arredores. O verdadeiro perigo está mesmo nos vivos, que gradualmente começam a regredir à barbárie com a queda das instituições. E não bastasse isso, sempre há os idiotas (você com certeza deve conhecer o tipo) que insistem em dificultar ainda mais as coisas só por esporte, ou por pura falta de miolos (hum, miolos…).

Uma das melhores características da série até o momento (só para constar, esta resenha foi fechada após a exibição do terceiro episódio – o quarto será exibido hoje no canal Fox) é a tensão constante e aflitiva. Não pela expectativa de quando será o próximo ataque de zumbis, mas de que a qualquer momento pode rolar um desentendimento entre os humanos. As relações entre eles vão se deteriorando pelo estresse da situação em que se encontram e, a qualquer minuto, um deles pode cometer uma besteira capaz de resultar em morte. Em suma, eu me sentiria muito mais seguro em Atlanta, no meio da zumbizada, que naquele maldito acampamento.

TRIPAS

Com roteiros excelentes, falta cobrir outra parte importante do gênero: o sangue e as tripas! E isso a série também possui em profusão. Por ser produzida e exibida pelo AMC, um canal fechado lá nos EUA, não é preciso se preocupar com a censura e, portanto, prepare-se para ver crianças zumbis levando tiros na testa, desmembramentos e sangue para todo lado. É um festival gore, culminando numa das cenas mais nojentas dos últimos tempos. A saber: o método encontrado no segundo episódio para Rick e Glenn passarem em segurança no meio dos zumbis.

Tecnicamente, a série é um primor e não deixa nada a dever ao cinema. Direção impecável, ótima fotografia e efeitos especiais de primeira, especialmente a maquiagem fantástica dos mortos-vivos, cortesia de Greg Nicotero, especialista em filmes de terror e ficção científica.

Vale também a menção ao criador da série, o homem que escreveu e dirigiu o piloto e agora atua como seu produtor-executivo, Frank Darabont. Sim, você conhece esse nome, o cara é especialista em Stephen King e dirigiu os tremendões Um Sonho de Liberdade, À Espera de um Milagre e O Nevoeiro. Agora mudando um pouco de ares, acerta novamente ao descobrir um filão pouco (para não dizer nada) explorado na televisão. O piloto do seriado, com seus 67 minutos não exibidos no Brasil, é praticamente um filme em termos de técnica e qualidade.

A INEVITÁVEL COMPARAÇÃO

Como sempre acontece em qualquer adaptação de HQs para outras mídias, o que os fãs mais querem saber é se a transposição é digna e fiel ao material original. No caso de The Walking Dead, a resposta a essas indagações é sim para a primeira e não para a segunda.

O seriado tira da série de graphic novels todo o clima de terror, suspense e nervosismo, o gore e o elenco de personagens principais, além do esqueleto geral da narrativa. Essa primeira temporada, que terá apenas seis episódios, até esse momento (relembrando, matéria fechada na metade da temporada) está dando toda a pinta de que será uma adaptação do primeiro arco do gibi (Dias Passados, resenhado neste link), com Rick se deparando com um novo mundo, reencontrando sua família e se entrosando no acampamento.

Contudo, já a partir do segundo episódio, a série passou a apresentar diferenças grandes em relação ao gibi. Situações levemente alteradas (exemplo inofensivo: no gibi, Glenn está sozinho em Atlanta quando encontra Rick) e inclusão de novos personagens, muitos deles similares a estereótipos de tipos que só aparecem mais à frente nos quadrinhos (como os irmãos Merle e Daryl Dixon, os típicos caipiras racistas e babacas, que não existem na HQ). Isso pode não parecer muito significante agora, mas a mera presença dessa gente nova pode levar a situações completamente diferentes e jogar a versão televisiva num caminho diferente.

Vale lembrar, quando a série estava em produção, o próprio Robert Kirkman declarou que não só não se importaria, como gostaria que as tramas não fossem exatamente como ele escreveu nos quadrinhos, senão qual o sentido? Seria só ler a HQ e pronto.

Eu devo dizer que concordo com essa opinião. Desde que mantenham a linha geral das histórias e a qualidade apresentada até aqui, as alterações e liberdades tomadas não me incomodam, ainda mais que isso contribui para o fator surpresa das pessoas que, como eu, já estão avançadas na leitura do gibi.

Ainda é cedo para dizer qual caminho a série vai tomar, mas eu, por exemplo, gostaria muito de ver o arco Segurança Atrás das Grades em live action. Por outro lado, duvido que algumas coisas mais drásticas que aconteceram nos quadrinhos vão encontrar caminho na tela, tais como (olha o spoiler malvado!):

Rick perder uma das mãos ou a mulher e o filho recém-nascido dele serem assassinados bem lá pra frente.

Mas ei, tentar adivinhar o que vai dar as caras ou não é uma das graças de assistir à série, certo?

ÚLTIMAS MORDIDAS

No Brasil, a série é exibida pelo canal por assinatura Fox, aquele mesmo, famoso por passar sempre os mesmos cinco episódios de Os Simpsons todos os dias e por acreditar que seu público gosta de assistir a filmes e séries dublados…

Pois bem, embora eles tenham tido a ótima decisão de exibir o seriado terças às 22 horas, apenas dois dias depois de ir ao ar nos EUA, e com a opção de se assistir aos episódios com som original e legendas (que têm alguns errinhos, mas no geral são boas), eles conseguiram a proeza de desrespeitar seu público já no dia da estreia. Nos EUA, o piloto exibido (e que você encontra na Argentina) tinha 67 minutos de duração, sem contar o tempo dos comerciais. Aqui, foi cortado para se adequar em uma hora contando com os comerciais, o que dá cerca de 44 minutos de zumbis. E isso não é legal.

Tudo bem, isso não foi exclusividade da Fox brasileira, em várias outras partes do mundo foi essa mesma versão cortada que foi exibida, mas qual é? Será mesmo impossível passar essa versão tremendona ao menos uma vez? Nem que seja num horário alternativo. É esse tipo de coisa que me deixa desconfiado e me faz querer ver os outros episódios na companhia dos hermanos

Mas enfim, broncas à parte, vale informar que a segunda temporada já está garantida para o ano que vem e deverá ter 13 episódios. Legal, dá para adaptar mais dois arcos dos quadrinhos!

Se você está no DELFOS e leu todo esse texto, deve gostar muito de zumbis, assim como todos nós aqui na redação. Então, meu amigo, basta dizer que The Walking Dead é simplesmente o acontecimento do ano na televisão. Em uma palavra: imperdível.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
the-walking-deadAno: 2010/ainda em exibição<br> Elenco: Andrew Lincoln, Jon Bernthal, Sarah Wayne Callies, Laurie Holden, Jeffrey DeMunn, Steven Yeun, Chandler Riggs e Michael Rooker.<br> Canal: Fox<br>