Terra-Média: Sombras da Guerra chega rodeado de polêmicas. Se você leu algo sobre o jogo nesta semana de lançamento, provavelmente já sabe da questionável existência de um final do tipo pay-to-win.

Vamos falar sobre isso aqui, mas um ponto que eu quero destacar já no início é que antes de você chegar nesta parte da campanha, tem muito jogo. E ele é muito bom.

A REGRA DAS SEQUÊNCIAS

No cinema, as sequências costumam ser sempre maiores e mais exageradas. Isso também pode ser verdade nos videogames, mas o mais importante é que normalmente as desenvolvedoras usam a base do primeiro jogo e as críticas que ele recebeu para construir em cima uma experiência melhor e mais satisfatória.

Não faltam exemplos de séries que melhoraram absurdamente em sua segunda parte. Assassin’s CreedUncharted e, mais recentemente, Destiny são algumas franquias cujo original tinha um grande potencial que foi finalmente alcançado em sua primeira continuação. Middle Earth: Shadow of War merece um lugar de respeito neste panteão sagrado.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
Merece sim, meu precioso!

Todo mundo que falava do jogo original, Terra-Média: Sombras de Mordor, era só elogios para o sistema nemesis utilizado nos orcs. O combate também era bacanudo, com sua clara influência da série Arkham, do Batman. No entanto, era fato que não havia muito jogo ali. A história era curta, e o jogo era praticamente um playground do tipo “faça sua própria diversão”.

LEIA TAMBÉM: A resenha delfiana de Terra-Média: Sombras de Mordor.

Por um tempo, Sombras da Guerra parecia seguir o mesmo esquema, com as primeiras missões sendo bem básicas. Felizmente, ele logo desmonta esta impressão, se tornando um belíssimo jogo de mundo aberto, com muita sustância e muita coisa para fazer.

As missões de história, das quais há dezenas, são divididas em várias narrativas menores, que podem ser feitas na ordem que desejar. Ao invés de um grande e enorme mapa, temos cinco mapas menores e bem diferentes, passando por lugares conhecidos como Cirith Ungol e Gorgoroth.

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Gorgoroth, trilha de black metal não incluída.

Os cenários vão dos típicos de Mordor, como Gorgoroth, que você vê aí em cima, até lugares mais idílicos, como Núrmen. A variação é enorme, e o jogo faz uma coisa que eu gosto muito e que é raríssima.

Os poucos jogos de mundo aberto que usam vários mapas hoje em dia normalmente esgotam totalmente um deles antes de liberar o seguinte. Em Shadow of War, você vai liberando novos mapas com frequência e não demora para você poder alternar entre eles à vontade.

O legal, no entanto, é que você não volta nos mapas anteriores só para pegar colecionáveis ou coisas inúteis como isso. Não, as missões de história vão e voltam nos mapas, permitindo que o jogo fique variado o tempo todo. Você pode querer passear pelas áreas vulcânicas de Gorgoroth ou pelas montanhas cobertas de neve de Seregost e muito provavelmente vai ter uma ou mais missões de história para você fazer ali a qualquer momento.

FALANDO EM HISTÓRIA

Você é Talion, um guerreiro de Gondor possuído pelo espírito do elfo Celebrimbor, o artesão que fez os anéis que criaram esta bagunça toda. Sombras da Guerra começa com Shelob (a aranha que rapta o Frodo em O Retorno do Rei) roubando o seu anel do poder. Aqui ela é uma mulher que vira aranha, ou talvez uma aranha que vira mulher. O fato é que ela está com seu precioso ao mesmo tempo que as forças de Sauron estão invadindo Minas Ithil.

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Talion: Então quer dizer que eu tenho um elfo dentro de mim? / Celebrimbor: Suffer me now!
Balrog, Street Fighter, Delfos
Não conseguimos descobrir se a Capcom permitiu o uso do personagem.

O jeito é colocar este impasse em stand-by e ir ajudar seus colegas. Eventualmente, você consegue seu anel de volta e é aí que o jogo realmente abre. É também aí que você adquire a habilidade de dominar os orcs. Com isso, seu objetivo se torna fazer um exército, escravizando os capitães das forças do mal e forçando-os a lutar pela luz e pelos bons costumes.

Esta é só a toada principal da história. Enquanto isso tudo está rolando, vai ter uma história de amor entre guerreiros de Gondor, um feiticeiro do mal que está ressuscitando presuntos e até uma luta contra o Balrog.

Além das missões de história, você também tem o objetivo geral de dominar todas as fortalezas inimigas. Você pode invadí-las com o piupiu de fora, ou então pode se preparar dominando os capitães inimigos e assim tornando a invasão mais rápida e fácil para você.

Estas invasões são a novidade mais chamativa desta sequência, e não à toa é exatamente o que os executivos da Monolith mostravam nos hands-on para a imprensa antes do lançamento.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
Tudo que a luz alcança é nosso. Peraí, filme errado.

São missões impressionantes, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. São de fato ótimos showcases, mas para jogar sem ter feito os tutoriais é bem complicado. Felizmente, este não será um problema para você. Quando a primeira invasão aparecer no seu jogo, você estará mais do que preparado para ela.

A única linha da história que eu não gostei foi uma sequência de missões que envolve purificar totens. Para fazer isso, você deve segurar bola enquanto inimigos infinitos surgem ao seu redor. É aquele tipo de coisa que não adianta matar todo mundo, pois eles continuam surgindo, então depende da sorte de ninguém te atacar pelos segundos necessários. Não seria um grande problema, se não tivesse aí pelo menos uma meia dúzia de missões focadas nesta mecânica.

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Olha a iluminação nesse chão, meu!

Tirando isso, a história se mantém boa e interessante durante toda a campanha, inclusive com uma conclusão que me pegou totalmente desprevenido. Fazia tempo que o final de algo não me surpreendia como aconteceu aqui. Claro, ao invés de o jogo terminar neste ponto, ele resolve forçar mais uma dezena de horas para te forçar a gastar dinheiro, mas falamos disso mais para frente.

DIFICULDADE EQUILIBRADA

Aliás, eu gostaria de elogiar a dificuldade do jogo. Ele consegue ser desafiador sem ser frustrante, especialmente nas missões de história, repletas de chefes e lutas marcantes. O lado ruim é que muitas missões têm objetivos secundários com limite de tempo, e isso sim é frustrante.

A dificuldade, no entanto, aparece apenas nas missões. No mundo aberto é realmente difícil de morrer.  Exemplo: tem um troféu para você ser morto três vezes pelo mesmo orc e então dominá-lo. Eu fiquei tentando fazer isso literalmente por horas, mas eu simplesmente não conseguia morrer, pois sempre aparecia um salvador (aquele cara que originalmente seria um DLC pago em homenagem a um produtor que morreu).

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Maldito salvador!

Nunca um jogo me deixou tão frustrado por não conseguir morrer. Ou então, quando finalmente conseguia bater as botas, o golpe final não era dado pelo orc certo. Curiosidade: o único orc que conseguiu me matar três vezes virou overlord de Cirith Ungol e eu finalmente consegui o troféu ao invadir sua fortaleza.

Visualmente o jogo é bem interessante, com seus cenários variados e detalhados. No departamento de som, no entanto, ele é mais irregular. A música simplesmente não se encaixa com o jogo. Trata-se de uma trilha com clima de terror, que seria boa para um Dead Space, mas não para um épico de fantasia como este.

Felizmente, tirando a música, o resto do som é excelente. Ele faz um impressionante uso do som surround. As vozes dos Nazgûl, por exemplo, saem de todas as caixas ao mesmo tempo, dando a elas um clima fantasmagórico bastante opressor. Além disso, o jogo faz um excelente uso do alto-falante do controle do PS4, que constantemente faz barulhos de espadas ou simplesmente de coisas que estão perto de você na tela. É muito legal.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
Este que eu estou dominando seria o protagonista de uma das histórias mais interessantes do jogo.

Já que falamos dos Nazgûl, aliás, uma coisa legal é que eles são bem desenvolvidos. Nos filmes, eles eram apenas uma presença assustadora, mas aqui você descobre a história de alguns deles e como eles se tornaram servos de Sauron.

LOOT

Uma novidade de Sombras da Guerra é que agora você vai constantemente ganhar equipamentos com estatísticas que afetam diretamente o personagem. Embora tenha este aspecto de RPG, a coisa é ainda mais simples do que com Destiny, pois não afetam o uso dos equipamentos. Você não tem dúzias de armas diferentes. Ao invés disso, todas as espadas são iguais, com exceção do dano que elas causam.

Uma coisa curiosa que eu nunca tinha visto em jogos com equipamento customizável é que, embora a armadura que você vista afete o visual do personagem, nas cutscenes ele vai estar sempre com a roupa padrão, do início do jogo (que você vai aposentar em minutos). Dá uma sensação de falta de capricho que chega a ser absurda considerando quão detalhada foi a criação do mundo e das centenas de orcs diferentes que o habitam.

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A tela de equipamentos é bem simples, felizmente.

Também há alguns problemas técnicos, como os controles quando você está montado em dragões, o que se torna ainda mais frustrante pelo fato de estas missões terem limite de tempo. A câmera às vezes também incomoda, especialmente nas cenas de ação mais intensas, onde você costuma ser atacado por inimigos de fora da tela.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
O que não dá para negar é que montar em dragões rende screenshots maneiras.

Os orcs também têm níveis, e é justamente aí que entra o que está fazendo todo mundo criticar o jogo. Vamos falar sobre isso agora?

SHADOW WARS

Sombras da Guerra tem quatro atos. O primeiro é basicamente a introdução e é mais linear. O segundo é o jogo em si, onde você passa a maior parte do tempo útil da campanha. O terceiro é a última fase, que termina de forma empolgante e surpreendente. Depois disso, vem o quarto. Pois é, é aí que o bicho pega.

Até aí, o jogo durou para mim 38 horas. Ou seja, ele já foi longo o suficiente e muito bom durante quase toda essa duração. No entanto, infelizmente os criadores acharam que precisavam ganhar mais dinheiro.

O ato 4 é uma sequência de invasões a suas fortalezas. São várias missões iguais, apenas em fortalezas diferentes. As fases são basicamente uma sequência de lutas contra capitães. Não é exatamente chato quando você está no nível apropriado, mas é repetitivo e não tem motivo para existir no jogo. A questão é que o nível dos invasores sobe consideravelmente entre uma missão e outra. Isso significa que seu equipamento e seus orcs também devem ser de qualidade maior.

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A tela de preparação das invasões mostra o nível do atacante e do defensor.

Você precisa de miriam (o dinheirinho do jogo) para colocar defesas na sua fortaleza. Durante a campanha, você vai acumular cerca de 80 mil mirians naturalmente, pois quase nada usa esse dinheiro. Neste final, no entanto, cada proteção custará alguns milhares, o que significa que o dinheiro vai embora rapidinho.

Além da dificuldade turbinada para incentivar o grinding, as fortalezas já ganharam destaque suficiente no segundo ato. A história tinha terminado. Por que diabos isso existe? Pois como você já deve saber, meu amigo, isso existe para você gastar dinheiro.

Você tem três opções ao chegar aí:

1 – Parar de jogar e assistir ao final da história no Youtube, que é o que a maioria das pessoas vai fazer. Se esta é sua opção, aí está o final da história, que é bem legal.

2 – Ter uma paciência de Jó e fazer o grinding necessário até o jogo dizer chega e te mostrar o final.

3 – Desembolsar uma graninha extra para comprar orcs e equipamentos melhores e diminuir o grinding.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
Executivo da Warner explicando o plano de negócios de Sombras da Guerra. Imagem meramente ilustrativa.

Este tipo de extensão não natural do jogo não é nova. Batman: Arkham Knight obriga você a pegar todos os colecionáveis para ver o final. Recore também e, mais recentemente, World to the West. Todos esses foram muito criticados. Recore até lançou um update tornando os requerimentos para ver o final mais aceitáveis.

No entanto, Sombras da Guerra é capaz de ser o primeiro caso em que você tem a opção de pagar para não ter que fazer isso. A existência desse ato 4 por si só já incomoda, e incomoda ainda mais pelo fato de que ela parece estar lá meio que para vender o final por um dinheirinho extra. E sim, isso é muito chato, especialmente em um jogo que no Brasil custa R$250,00.

SOMBRAS DA GUERRA

Vou dizer, não fosse a existência deste quarto ato, eu provavelmente teria dado o Selo Delfiano Supremo para Shadow of War. As quase quarenta horas que eu passei jogando a campanha real foram muito divertidas e proveitosas. Sem exagero, foi o jogo de mundo aberto que mais me envolveu e me divertiu desde Assassin’s Creed.

Sombras da Guerra, Shadow of War, Delfos
Este foi o orc que conseguiu me matar três vezes e que me rendeu o troféu respectivo.

No entanto, não dá para negar que incomoda ser impedido de ver o final. Pelo que dizem por aí, este grinding do ato IV dura cerca de 30 horas se você não pagar. É um tempo que eu simplesmente não tenho para dedicar a uma atividade que não me dá prazer nenhum, especialmente nesta época do ano tão concorrida em grandes lançamentos. Hoje mesmo sai outra continuação esperada, The Evil Within 2, e eu estou doido para jogá-la.

Na música e no cinema existem numerosos exemplos da ganância dos executivos atrapalhando a visão do autor. Este é o caso em Sombras da Guerra, mas felizmente embora o final seja amargo, tudo que vem antes dele é mais do que suficiente para justificar a compra.