Super Mario 64 é um dos jogos mais importantes da história. Você já deve ter me visto falando por aqui que plataforma 3D é meu gênero preferido. Pois eu diria que, não fosse por Super Mario 64, este gênero hoje não existiria, ou seria bastante diferente. Ao mesmo tempo, Super Mario 64 é o principal responsável por muita gente – eu inclusive – ter parado de jogar videogame. Me acompanha nessa história?
O DIVÓRCIO
Era 1996. Eu tinha um amigo que era a definição de cara sortudo. Ele tinha um irmão e, a cada aniversário de um dos dois, eles ganhavam um videogame. Assim, o sujeito tinha tudo, até máquinas que quase ninguém tinha, como o 3DO. Obviamente, ele logo ganhou um Nintendo 64.
Eu fui até a casa dele, doido para experimentar o novo jogo do Super Mario que, já na época, era uma das minhas séries preferidas. E, meu amigo, eu odiei.
Meu cérebro simplesmente não conseguia processar a movimentação em 3D. Lembro como se fosse hoje de questionar por qual motivo era obrigado usar a alavanca para movimentação, se o controle tinha um direcional tradicional bem ali – e melhor posicionado. Para piorar, ainda precisava controlar a câmera. Era coisa demais, e simplesmente não soube lidar. Além disso, o jogo era consideravelmente mais feio do que Super Mario World.
Lembro de ter pensado mais ou menos o que pensei quando joguei Marvel’s Avengers outro dia: “se este é o futuro dos games, acho que não quero mais jogar videogames”. E esse era o futuro dos games. E eu de fato parei de acompanhar games durante cerca de dez anos, todo esse tempo sentindo uma certa mágoa da mudança de visual para o poligonal e para a câmera livre.
E se você tem uma idade próxima à minha, provavelmente vai se lembrar que muita gente abandonou os games nessa época. Boa parte das pessoas que cresceram nas gerações dos 8 e 16 bit não gostou do que veio a seguir, e abandonou o hobby. De certa forma, houve uma renovação do público. Teve gente que nunca mais voltou, mas teve quem passou a acompanhar a partir daí.
A SEPARAÇÃO
Nesses dez anos, eu não cheguei a abandonar os games completamente. De vez em quando ainda jogava uns point-and-clicks no PC. Também usei muito emuladores, que permitiam que eu jogasse coisas que marcaram minha infância sem precisar reinstalar o Mega Drive.
Nesse meio tempo, eu cheguei a jogar Super Mario 64 em um emulador, usando e abusando do “salve a hora que quiser” que a tecnologia promete. Peguei as 120 estrelas, falei com Yoshi, e finalmente vi o valor que esse jogo tinha.
Mais ou menos nessa época, conversando sobre o assunto com uma amiga, ela disse “às vezes para dar um passo para frente, é preciso dar um para trás”. E ela tinha razão. Super Mario 64 e a linha que os jogos seguiram nessa geração me pareceram um retrocesso. Porém, se não fosse esse passo para trás, nunca teríamos chegado a jogos como The Last of Us Part II.
SUPER MARIO 3D ALL-STARS: SUPER MARIO 64
Obviamente, você já sabe que eu eventualmente voltaria com tudo aos games. E, com o lançamento de Super Mario 3D All-Stars, eu pude jogar novamente Super Mario 64. É justo criticar a versão incluída na coletânea por muitos motivos. Ela não roda a 1080/60. Não tem suporte a widescreen. Não inclui o conteúdo extra criado para a versão de DS.
Caramba, ela sequer permite salvar a hora que desejar, o que estava disponível até na versão do jogo para Wii U. Nas imagens dessa matéria você vê como o jogo roda na coletânea: traz barras pretas em todos os lados da imagem, até mesmo em cima e embaixo. É curioso que não tenha uma opção de aproximar, pelo menos para eliminar essas duas barras desnecessárias.
Não, apesar da resolução aumentada para 720, este é o mesmo jogo, como estava disponível para donos do Nintendo 64. Com isso, vêm todos os problemas e as frustrações que a criação de um novo paradigma dos games trazia consigo.
Boatos que rolavam antes do anúncio oficial de Super Mario 3D All-Stars diziam que Super Mario 64 seria refeito. Bem, ele precisava disso. Seus controles e a câmera envelheceram muito, muito mal. Sem exagero, quase todas as vezes que você morrer no jogo será por um desses motivos.
Simplesmente girar o Mario, fazê-lo olhar e andar em outra direção, é extremamente difícil. Isso porque ele não gira imediatamente, ele anda um pouquinho em círculo antes. E isso, em um jogo cheio de plataformas diminutas, é batata que causa mortes e frustração. O jogo até tem checkpoints, mas são raríssimos e inconsistentes, a ponto de que eu sempre me surpreendia quando o jogo não me mandava de volta para o começo da fase. E isso aumentava a frustração por morrer com tanta frequência por algo técnico.
VALOR HISTÓRICO
E vou dizer, eu gostaria de jogar Super Mario 64 com gráficos como os de Super Mario Odyssey, mas isso não é tão necessário. Apesar de o jogo ser feinho pelos poucos detalhes, o que a turma da Nintendo fez com as animações, especialmente as do Mario, é impressionante.
Lembro que na época, a graça que víamos em jogos poligonais não era nem o visual, mas as animações mais trabalhadas. E as de Super Mario 64 impressionam até hoje. Aliás, a movimentação do Mario é mais ou menos igual até hoje, o que mostra a importância histórica desse jogo para o desenvolvimento do personagem.
Inclusive, por mais que eu goste de remakes, eu sempre acho legal quando o jogo dá a opção de mudar em tempo real do visual novo para o original. Assim, um redesenho visual de Super Mario 64 não era estritamente necessário.
No entanto, a câmera e o controle poderiam e deveriam ter sido atualizados. Ora, o primeiro Resident Evil, em seu remake, abriu mão dos controles de tanque. Por que Super Mario 64 não poderia melhorar isso também? Na época, esses aspectos do jogo já eram ruins. Ora, eram ruins o suficiente para pessoas como eu pararem de jogar videogames.
A questão é que em 1996 era tudo novo. Apesar de já ser ruim e difícil de jogar, ninguém sabia como fazer melhor. Então você abria mão dos controles precisos em nome da evolução técnica. Hoje sabemos como fazer melhor. É impossível não ver a evolução dos controles nesta própria coletânea, em especial entre Super Mario Galaxy e 64. E olha que mesmo o Galaxy ainda tem alguns problemas de câmera que poderiam ter sido melhorados.
ENVELHECENDO COMO VINHO
A questão é que, tendo controles e câmeras atualizados, Super Mario 64 ia fazer miséria com o coração dos fãs, mesmo quem nunca o jogou antes. O level design ainda é fantástico. O jogo é impressionante em todo seu aspecto criativo.
Inclusive, apesar de ser a origem do gênero coletaton, me surpreendeu quantas das estrelas estão ligadas a algo que pode ser chamado de fase. Em geral, cada mapa tem vários caminhos, e cada um deles leva para uma estrela. Isso é bem mais legal do que os inúmeros pequenos objetivos que costumam permear coletatons, até mesmo os modernos, como Super Mario Odyssey.
Sim, algumas estrelas envolvem simplesmente refazer um caminho com limite de tempo ou algum outro modificador, mas ainda assim, pelo menos a primeira vez por cada caminho é excelente.
E tem a música. Ah, meu camaradinha, a trilha de Super Mario 64 traz algumas das canções da série que eu mais gosto. O tema principal, em especial, é empolgante e divertido. Arrisco dizer que até melhor do que o tema clássico do Nintendinho.
ENVELHECENDO COMO FRUTA
Por outro lado, todas essas características que ainda são fenomenais, podem ser perdidas em jogadores com sensibilidades modernas. E isso não é especulação. Eu vi muita gente por aí, até mesmo jornalistas, dizendo que Mario 64 é injogável graças à câmera e controles.
Eu não chegaria ao ponto de dizer que ele é injogável. Mas é inegável que é assaz frustrante. O jogo exige uma precisão de pulos que os controles simplesmente não comportam, e os ângulos de câmera bizarros deixam tudo ainda mais difícil.
Eu sou um cara apaixonado pela história das coisas que eu gosto. Assim, jogar Super Mario 64 hoje, em 2020, com minha cabeça de adulto, tem um valor enorme. Goste ou não, esse é um dos jogos mais importantes e mais revolucionários já feitos.
E, ao mesmo tempo, se você só procura por uma experiência divertida, sem interesse no valor cultural da coisa… eu diria que é bem difícil de você encontrar isso por aqui.
A série “… de cabeça fria” envolve voltarmos a vivenciar algo antigo e que às vezes até já resenhamos aqui no DELFOS com a cabeça fria e com nossas experiências atuais. Se você gostou, mostre pra gente fazendo comentários e compartilhando, pois nos esforçaremos para fazer muitas outras.
MAIS DA SÉRIE “… DE CABEÇA FRIA”:
- God of War de cabeça fria
- The Turn of the Lights de cabeça fria
- Dead Space de cabeça fria
- Devil May Cry de cabeça fria
- Castlevania: Lords of Shadow de cabeça fria
- Vanquish de cabeça fria: um dos melhores jogos de tiro
- Bayonetta de cabeça fria: bringing sexy back
- Super Mario Galaxy de cabeça fria: que maravilha de jogo!