Sem Controle

0

Dizem que o Brasil já foi bom no quesito humor. Pelo que dizem, inclusive, o Jô Soares era um bom humorista antes de querer virar o David Letterman brasileiro. Infelizmente, eu sou jovem demais para ter memória de seus programas. Talvez o representante brasileiro que mais me fez rir foi o Casseta & Planeta, mas isso há muito tempo, quando o programa ainda era mensal. Depois que entrou a Maria Paula e virou semanal, eu simplesmente parei de ver graça e, conseqüentemente, parei de acompanhar.

Aparentemente, uma coisa que brasileiro realmente acha engraçado é mulher com pouca roupa. O Casseta & Planeta seguiu por essa linha e outros programas que me lembro, como A Escolinha do Professor Raimundo fazia piadas em cima de uma mulher de mini-saia apagando uma lousa. Aliás, eu costumava assistir esse programa e, olhando em retrospectiva, vejo que os únicos alunos que me faziam rir, raramente eram chamados. Em uma época pré-TV a cabo, onde eu ainda não podia assistir Sexytime, talvez eu assistisse justamente para ver a tal garota rebolando enquanto apagava a lousa.

Pois os pobres brasileiros sem TV a cabo têm mais um programa “humorístico” onde podem ver mulheres com pouca roupa. Trata-se de Sem Controle, cuja estréia esteve entre os cinco programas de maior audiência no canal (atrás apenas de Chaves, 8 e Meia no Cinema, A Praça é Nossa e Domingo Legal).

E devo dizer, assistindo ao tal Sem Controle para escrever essa resenha eu sofri. Sofri muito. Fiquei com raiva do SBT por colocar tamanha porcaria no ar e com pena dos brasileiros sem condições de bancar TV paga, cujas únicas opções humorísticas são programas que exploram a beleza feminina e piadas repetitivas.

Sem Controle é um programa de esquetes, ou seja, não há história, apenas uma seqüência de quadros “humorísticos”. As aspas estão aí porque nenhum dos quadros que tive o desprazer de assistir me fez esboçar um único sorriso que seja.

Todas as piadas envolvem o mais burro do humor, como gays extremamente desmunhecados, crianças representadas por pessoas velhas e, principalmente, mulheres com pouca roupa. Pelos episódios que assisti, alguns quadros e personagens se repetem. O pior deles mostra um velho desejando sexualmente sua filha adotiva, que usa roupas generosas e fica falando coisas como “pai, deixa eu sentar no seu colo para você me ler uma história”. Engraçado, não? Não sei nem como estou conseguindo digitar esse texto tendo minha visão ofuscada por tantas lágrimas provenientes das gargalhadas que estou dando agora. Mesmo sendo filha adotiva, isso é praticamente incesto na TV. E, cara, isso não é legal. Talvez a única pessoa que goste desse tipo de coisa seja o Woody Allen.

O único esquete um pouco diferente que assisti foi um onde duas crianças (interpretadas por dois adultos) questionavam uma historinha infantil lida pelo avô (no caso, era Pinóquio). Essa idéia até que é boa, mas foi escrita tão nas coxas que foi reduzido a um monte de frases estúpidas do tipo “Então Gepeto era boiola?”. Para completar, todos os atores que aparecem aqui são péssimos, o cenário é ruim, a direção é ruim. Enfim, absolutamente nada se salva nesse programa. Posso dizer até que esse é, possivelmente, a nota zero que dei com mais vontade desde esse aqui, dado há mais de três anos.

Eu definitivamente não sou um cara puritano que não fala de sexo ou que não consegue ver graça disso. Pelo contrário, se usado corretamente, sexo pode ser muito engraçado e eu mesmo já fiz piadas com isso. Como disse a velhinha Sue Johansson, “se você não consegue rir de sexo, não deveria praticá-lo”. Só que uma coisa é você fazer piadas sobre isso, outra é você simplesmente tirar a roupa de uma mulher e começar a rir disso. Garotas delfonautas, imagine que você vai para o quarto com seu namorado/ficante/pretendente e, no momento em que vocês tiram a roupa, o cara começa a apontar para você e rir. Esse parece ser o público do Sem Controle.

Saca só esse outro exemplo, para entender o que digo: um cara chega na delegacia dizendo que foi assaltado por uma mulher que tinha uma bunda gostosa. Os policiais organizam, então, uma fila com umas cinco ou seis mulheres de fio dental e o queixante vai analisar uma por uma para tentar reconhecer a bunda que o assaltou. A câmera, é claro, fica dando closes no popozão das minas enquanto a “vítima” fica fazendo comentários grosseiros sobre os atributos femininos das moças.

Eu sem dúvida entendo o apelo e a atração que um homem pode sentir por uma mulher sem roupa ou fazendo/falando coisas sensuais. Sobretudo porque, ao contrário da maior parte dos programas e filmes que vemos hoje em dia, as moças do Sem Controle realmente são gostosonas, não lembrando em nada aquelas magrelas tão em voga atualmente. Mas esse apelo não é, de forma alguma, humorístico. E, se o objetivo do programa é simplesmente juntar um monte de mulheres gostosas com pouca roupa, por que não assumir isso e fazer direito? Por que não fazer exatamente como o Sexytime? Contrate um monte de gostosas, coloque uma musiquinha e mande-as dançarem e tirarem as roupas aos poucos. Pronto, pelo menos isso seria uma exploração sexual honesta, sem tentar se passar por um programa humorístico, coisa que Sem Controle não é.

Eu sou um cara bem tolerante em relação aos gostos alheios. Por exemplo, eu odeio música eletrônica, mas não vejo nenhum problema em ser amigo de alguém que gosta. Só que eu realmente não consigo admitir que tem gente que assiste essa porcaria para rir. Será que o brasileiro médio é realmente tão burro e tão imaturo a ponto de achar mulheres sem roupa algo engraçado? Pensar nisso me lembra da época onde as crianças da escola começaram a descobrir coisas sexuais e achavam graça toda vez que uma professora falava sobre homo erectus ou Ilhas Virgens. E eu não quero morar em um país onde adultos agem como crianças de 10 anos. E burras, ainda por cima.

Será que não é possível fazer um humor decente no Brasil? Já li sobre alguns roteiristas que diziam que escreviam novelas pura e exclusivamente como trabalho, não como expressão artística, pois era isso que o público queria ver e era para isso que ele era pago. Será que é isso mesmo que o público quer ver ou só faltam opções? Talvez toda a nossa televisão seja feita por pessoas que odeiam seu trabalho, não por verdadeiros artistas. E isso pode explicar a baixa qualidade dos programas na TV aberta, como um todo. Mas vou dizer, por mais que eu até seja capaz de escrever algo como esse programa única e exclusivamente por dinheiro, eu teria vergonha de ter meu nome nos créditos e pediria para colocarem um pseudônimo ou simplesmente me excluírem dali, tal qual faz o Alan Moore nos filmes baseados em seus livros.

Eu acredito, sim, que é possível fazer humor de qualidade no Brasil. E nem precisa ser algo com a mesma profundidade crítica de um Monty Python ou de um South Park, embora eu acredite que existe também um público para isso, basta ver o sucesso dos Simpsons por aqui.

Embora eu seja um adepto do humor nonsense, existem muitas outras formas de humor menos “elitistas” e mais palatáveis para o grande público que não chegam perto do nível de escatologia do Sem Controle. As sitcoms estadunidenses são um bom exemplo disso. Não são grosseiras, mas são bem simples. E esse tipo de humor funciona aqui também. É só ver o sucesso que séries como Alf e Friends fizeram por aqui. Isso sem falar até de coisas que exigem mais do espectador, como Seinfeld e os bons tempos do Casseta & Planeta.

A impressão que me dá é que o Sem Controle é como aquelas televisões de cachorro. Sabe quando um cachorrinho fica babando enquanto assiste a uma carne suculenta que fica lá girando, se exibindo para ele? A única coisa que explica o sucesso do programa é comparar o homem brasileiro a um cachorro: vê uma carne suculenta e fica hipnotizado, sem conseguir sair dali ou mudar de canal. Só que eu não quero acreditar que o “macho” tupiniquim é igual a um cachorro, por mais que a TV aberta esteja cada vez mais dando provas de que não somos nada além disso.

Alf fazia rir com piadas simples e personagens carismáticos. E era muito legal. Pô, na época que ele passava na TV aberta, todo mundo gostava da série. O que mudou desde então? Nosso povo ficou mais burro? Ou será que simplesmente não temos outras opções? E quem quer outras coisas tem que recorrer à TV paga? Eu acredito que, dado a opção, o povo brasileiro optaria por programas humorísticos de verdade e colocaria Sem Controle no seu devido lugar: apenas como uma vitrine de carnes suculentas.

PS: Não consegui achar nenhuma foto do programa para ilustrar essa resenha, então coloquei apenas um logo do SBT.