Ronnie James Dio – A Voz do Metal: Início da Carreira Solo

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Logo que saiu do Black Sabbath no final de 1982, Ronnie James Dio finalmente poderia colocar em prática a idéia de liderar uma banda com as suas próprias características. Lembrando que o pensamento não era novo, já que quando saiu do Rainbow, em 1978, o objetivo seria o mesmo, mas aí veio Tony Iommi e o resto você já acompanhou.

A nova empreitada, apesar do nome Dio, não seria exatamente um projeto solo. Dio nunca chamou seu próprio grupo disso, pois a ideia era ser uma banda mesmo, com espaço para todos. Os primeiros integrantes já estavam escolhidos: o próprio vocalista e Vinny Appice, o baterista que nos últimos anos de Sabbath acabou se tornando um grande amigo e parceiro musical.

Para aproveitar a explosão do Heavy Metal britânico, Dio e Appice viajam à terra da rainha em novembro de 1982 e passam três noites revirando os principais clubes de Londres atrás de um guitarrista e um baixista para o projeto. Durante os dias, os dois se trancavam em um estúdio para escrever o material da nova banda e definir direcionamento, conceitos de artes e outras burocracias.

Sem sucesso nessa primeira caçada noturna, Ronnie se lembra de Jimmy Bain, o baixista que o acompanhou na melhor fase do Rainbow. Bain, apesar de sofrer com problemas relacionados ao alcoolismo, era um músico extremamente talentoso, que poderia ajudá-lo com partes relacionadas às harmonias e ainda quebrava um bom galho tocando teclados.

Desde que fora demitido do Rainbow, Jimmy Bain formou sua própria banda – Wild Horses – com o guitarrista Brian Robertson, ex-Thin Lizzy, mas não demorou a aceitar o convite do velho amigo em integrar um novo projeto com bastante potencial.

SURGE O DIO

A idéia de Dio era excelente. O Heavy Metal vivia o seu auge com bandas como Iron Maiden e Judas Priest fazendo fortunas. Seu grupo teria o talento do baixista da fase mais consagrada do Rainbow e o baterista que o acompanhou no Black Sabbath durante os últimos anos. O entrosamento já existia e Ronnie finalmente poderia explorar sua temática voltada à fantasia sem interferência alheia nem quedas forçadas para um direcionamento mais comercial. A banda era sua e ele faria o que quisesse.

Mas ainda faltava um guitarrista e Ronnie James Dio teve ao seu lado na última década nada menos do que Ritchie Blackmore e Tony Iommi, pessoas nada fáceis de substituir. Dio sabia da importância da escolha do músico certo para a nova banda. Precisaria ser alguém que, além de técnico, conseguisse tocar todas as músicas antigas do Rainbow e do Black Sabbath sem perdas e ainda por cima tivesse uma ótima performance de palco.

Ao mesmo tempo em que escolhia o guitarrista e montava seu novo projeto, Ronnie e sua esposa Wendy empresariavam outro grupo de Metal, que nunca deu em nada, Rough Cutt.

O Rough Cutt não estourou comercialmente, mas deu a Dio dois guitarristas bastante talentosos. Sobre o segundo, falaremos um pouco mais tarde, mas o primeiro se chama Jake E. Lee.

Você provavelmente conhece Jake de seu trabalho com Ozzy Osbourne (perceba como esse mundo musical é pequeno!) nos clássicos álbuns Bark At The Moon e The Ultimate Sin, mas o cara também foi a primeira escolha para a banda solo de Ronnie James Dio antes de ganhar fama ao lado do comedor de morcegos. Outra curiosidade, é que o Sr. Lee integrou o Ratt (na época em que era conhecido como Mickey Ratt) antes de se juntar ao Rough Cutt.

Na banda poser de Los Angeles, Jake participou de algumas demos e da faixa Tell The World, presente na primeira edição da coletânea Metal Massacre, que também revelaria o Metallica para o mundo ainda em 1982.

Infelizmente, a passagem de Jake E. Lee pelo Dio foi curta. Apenas alguns meses e a ajuda na composição de uma música: Don´t Talk To Strangers. Segundo depoimentos posteriores, ele saiu da banda por conta própria, porque Ronnie queria um estilo de guitarra bastante simplificado, que não comprometesse sua performance, enquanto Jake era um jovem ambicioso, conquistando seu espaço no mundo da música. E ele conseguiu isso nos anos seguintes ao lado de Ozzy!

A busca por um guitarrista continuava e a próxima sugestão veio do amigo Jimmy Bain: enquanto tocava com sua antiga banda, Wild Horses, um grupo de Heavy Metal bastante interessante havia feito a abertura dos shows deles na Irlanda em 1981.

A banda em questão era o Sweet Savage, uma figura importante na história da música pesada. Se você não sabe de quem se trata, é uma das bandas que Lars Ulrich do Metallica gostava muito em sua adolescência e acabou convencendo os amigos a gravar o cover da música Killing Time anos depois. O guitarrista da banda se chamava Vivian Campbell.

Jimmy Bain também sugeriu outro nome para Dio: John Sykes, do Tygers Of Pan Tang, outra banda famosa da N.W.O.B.H.M. (e que pouco depois estaria no Thin Lizzy). Ronnie ouviu fitas dos dois guitarristas e optou por tentar contato apenas com o Vivian Campbell.

A banda rapidamente fez uma ligação telefônica para Vivian, que aceitou fazer o teste para a vaga. Durante a audição, o músico teve de tocar Man On The Silver Mountain do Rainbow, além de dar sugestões criativas para as faixas Stand Up And Shout e Holy Diver, que já estavam prontas naquele momento. A empatia entre todos foi imediata e no dia seguinte, agora sim: a banda Dio estava completa!

HOLY DIVER

Sem perder tempo, Vivian, Jimmy e Vinny viajaram para Los Angeles na semana seguinte para começar os trabalhos em cima do álbum vindouro. Enquanto os músicos trabalhavam na parte instrumental do que viria a ser o álbum Holy Diver, Ronnie passou uma semana em uma pequena cidade inglesa chamada Plint, em um velho castelo medieval, buscando inspiração para o clima e as letras do novo trabalho

A priori, Ronnie não pretendia contratar um tecladista e todas as gravações de estúdio deste instrumento que você ouve em Holy Diver foram feitas pelo próprio vocalista e por Jimmy Bain, inclusive o fraseado clássico de Rainbow In The Dark.

Sobre esta faixa, a história é conhecida: a banda já tinha 90% do álbum completo, mas ainda sobrava espaço para uma música curta. Brincando em um momento descontraído no teclado, surgiu a melodia principal e Ronnie resolveu gravar aquilo apenas para mostrar aos outros como uma piada interna de que sabia construir um hit pop.

Surpreendentemente, os demais membros do Dio gostaram do material e começaram a trabalhar em cima para torná-lo mais pesado contra a vontade do vocalista. Quando percebeu que algo interessante poderia pintar ali, Ronnie escreveu meio às pressas uma letra sobre a frustração de ter saído do Black Sabbath e, talvez, um desejo inconsciente de voltar a fazer parte do Rainbow, daí o título da canção. Aliás, nota-se ao longo da carreira que Ronnie tem certa fixação por arco-íris e o termo aparece em vários trabalhos de várias fases de sua carreira. Voltando ao assunto, é fato: Ronnie James Dio nunca gostou de Rainbow In The Dark, mas entendeu sua importância com o passar do tempo. Uma história bastante parecida aconteceu com o clássico Paranoid, do Black Sabbath.

Outra música que tem uma história curiosa é Don´t Talk To Strangers. Como já mencionei, foi a única composição onde Jake E. Lee deu a sua contribuição em sua curta estadia pela banda, mas Vivian Campbell jura que esta faixa veio de um trabalho não utilizado pelo Sweet Savage muitos anos antes, o que é um pouco contraditório. Ficamos, por enquanto, com a versão oficial da participação de Jake, confirmada por Ronnie em algumas entrevistas.

Sobre a música Holy Diver, que acabou se tornando o maior clássico do grupo ao lado de Rainbow In The Dark, a letra é bastante enigmática, mas alguns dizem se tratar de uma fantasia sobre a história do capeta caindo dos céus para o inferno como se “libertando de uma escravidão”, ou apenas um conto sobre uma criatura mitológica que aparece em defesa dos oprimidos e que simbolizaria o Heavy Metal, como o Electric Eye ou o Painkiller do Judas Priest.

O álbum Holy Diver foi lançado em 25 de maio de 1983, pouco mais de meio ano apenas após a saída de Ronnie do Black Sabbath, e superou todas as expectativas dos fãs.

A capa mostra pela primeira vez o mascote Murray, o Eddie do Dio, que apareceria também nos álbuns The Last In Line e Dream Evil. Murray aparece acorrentando ou afogando um pobre padre católico que encara o monstrengo com um ar perplexo e isso nos leva ao próximo tópico.

A RELIGIÃO DE DIO

Um ponto bastante polêmico sempre chamou a atenção dos curiosos sobre a vida de Ronnie James Dio: ao analisarmos as letras de músicas mais focadas na fantasia, não é possível tirar grandes conclusões sobre qual a religião adotada pelo músico, se é que ela existia. Afinal, em que Dio acreditava?

Como já mencionei no primeiro capítulo deste especial, Ronnie cresceu em uma família estritamente católica, mas parece ter deixado esta fé de lado em algum momento de sua vida, por isso o grande símbolo do padre envolvido em correntes na capa do Holy Diver. Era um marco daquela religião ultrapassada sendo superada por algo maior.

Em entrevistas dadas nem tanto tempo atrás, na época do lançamento do Magica, ele questiona a veracidade da Bíblia, por exemplo. Segundo Ronnie: “Eu te conto uma história, você conta para 15 outras pessoas e, no fim do dia, ela já se tornou outra coisa. Eu não acredito nisso!” e finaliza citando o exemplo da lenda do Rei Arthur “é uma história muito bonita e cheia de lições de vida, mas quem pode realmente garantir que aquilo aconteceu?”.

Dio continua apontando sua metralhadora para o cristianismo quando perguntado sobre os evangelhos supostamente escritos pelos apóstolos de Jesus Cristo: “Quem pode garantir que as coisas escritas atribuídas a Cristo foram realmente ditas por ele? Quero dizer, algum cara sentou ao lado dele com um gravador ou um caderno dizendo ‘Com licença, Jesus, a fita acabou, deixa eu trocar o lado’”. Ronnie aponta o mesmo tipo de problema em outras religiões, como o Budismo por exemplo, e finaliza dizendo que o que o irrita profundamente são as condições impostas por esse tipo de pensamento “isso é a verdade e é melhor você acreditar senão vai para o inferno”.

Até mesmo pela divulgação do uso dos chifrinhos nos shows de Rock, Ronnie sempre foi muito perseguido pela ala radical das igrejas, especialmente evangélicas. Manifestações de mau gosto por parte desse povo xiita foram vistas até mesmo em seu velório e, claro, como uma pessoa que adotou um estilo de vida bastante liberal e sem se prender a dogmas, Dio com certeza se sentia incomodado com esse preconceito e sempre manteve a postura de que o céu e o inferno estão aqui mesmo na Terra, em como você vive sua vida e nas escolhas que faz.

Em várias declarações, Dio sempre mostrou acreditar em poderes místicos, energias positivas e negativas, mas não em uma religião, vida após a morte, juízo final e coisas assim. Curiosamente, já próximo ao seu falecimento, na noite anterior, seus familiares (com a aprovação de Wendy) chamaram um padre para uma última oração ao redor da cama onde o músico estava. Um famoso ritual católico conhecido como “unção”, dado aos enfermos pouco antes de suas mortes. Se o pedido foi feito com o consentimento de Ronnie, já são outros quinhentos, mas não deixa de ser um fato irônico que, justo em seu momento de morte, tenha recebido uma “benção” de uma religião que tanto criticou ao longo dos anos.

NOVAMENTE NA ESTRADA

Após o lançamento do álbum, a banda ensaiou em estúdio alguns meses antes de sair em turnê. O setlist contava com o Holy Diver quase na íntegra, além de material do Black Sabbath e do Rainbow. Ronnie desenhou pessoalmente o palco que usariam nos shows.

O palco contava com desenhos de montanhas, além de um túnel de luz que seria projetado apenas em alguns momentos. Ainda era modesto, mas começava uma tradição (e competição saudável com outras bandas) que Dio seguiria pelo resto dos anos 80: criar uma atmosfera ideal para a apresentação dos músicos, como se levasse o público a uma viagem.

Para a primeira parte da turnê, o Dio contaria com seus queridinhos empresariados do Rough Cutt (mas que coisa, não?) como banda de abertura, e pegou emprestado o seu tecladista, Claude Schnell, para ajudá-los com algumas músicas. Detalhe: Claude não aparecia no palco durante os shows e tocava os teclados de uma plataforma escondida atrás da cortina.

Se você achou isso um absurdo, saiba que outras bandas faziam o mesmo com pobres tecladistas, e algumas fazem até hoje, entre elas o Iron Maiden. Talvez naqueles loucos anos 80, eles pensassem que não era “true” o suficiente ter um tecladista no palco com os outros músicos.

A turnê do Holy Diver passou por EUA, Canadá, Reino Unido, Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, França, voltou para mais shows nos EUA e Canadá e finalizou, finalmente, em janeiro de 1984 com uma apresentação em Hollywood. Nada mal para o primeiro projeto liderado por um certo baixinho, hein?

Mas é no segundo álbum que as boas bandas mostram se são apenas projetos ou conseguem se manter e este será o pontapé inicial do nosso próximo capítulo.

PS: Leia as demais partes desta biografia clicando em “Especial Dio” aí embaixo.

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