Ronnie James Dio – A Voz do Metal: Fase Rainbow

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Logo que foi anunciado o nome do novo projeto: Ritchie Blackmore´s Rainbow, Craig Gruber, Gary Driscoll e Mickey Lee torceram o nariz pelo fato do guitarrista estar destacado dos demais. Ronnie explicou que, até aquele momento, o nome de Blackmore era o único conhecido no mercado e isso serviria para chamar a atenção do público nas lojas e shows.

RITCHIE BLACKMORE´S RAINBOW

Todos os antigos músicos do Elf que participariam do novo projeto se mudam da Costa Leste para a Oeste dos EUA e os trabalhos seguem a todo vapor na composição do novo material.

Para a produção deste primeiro álbum, Ritchie Blackmore chama Martin Birch, que já havia trabalhado em todos os álbuns clássicos do Deep Purple como engenheiro de som e faria ainda mais história na década de 80 produzindo tudo que o Iron Maiden lançou entre o Killers e o Fear of the Dark.

Em estúdio, Ritchie parecia um cara simples e amigável. De cara, marcou uma reunião entre todos e conversou como gostaria que eles trabalhassem normalmente, com a interação dos tempos de Elf e ele se encarregava de levar sua veia Deep Purple à banda, com uma ou outra influência. A idéia que todos os músicos tinham, inclusive Dio, é que gravariam um novo álbum com a participação especial de Blackmore. Se o negócio fizesse sucesso, pensariam no que fazer. Se não tivesse repercussão, ambas as partes seguiriam suas vidas normalmente.

A primeira música criada em conjunto por Ronnie e Ritchie foi Sixteenth Century Greensleeves, uma típica composição dos tempos de Elf, com solos alucinados de Blackmore se destacando aqui e ali.

O repertório escolhido para o disco incluía ainda dois covers: a já falada na parte anterior, Black Sheep Of The Family do Quartermass e a versão instrumental de Still I´m Sad, dos Yardbirds.

O álbum foi gravado em apenas um mês, entre fevereiro e março de 1975, chegando às lojas em julho. A repercussão foi mediana, mas esperada para um disco de Ritchie Blackmore com vários músicos mundialmente desconhecidos. Man On The Silver Mountain foi a única composição que ganhou certa projeção nas rádios dos EUA.

Foi neste álbum que Ronnie passou a assinar seu nome como Ronnie James Dio a pedido de Blackmore. O guitarrista achava que Ronnie Dio não soava legal e perguntou por que o vocalista não adotava também o “James” de seu segundo nome. A sugestão foi aceita e não mudou mais.

Com o primeiro álbum do Rainbow, Dio também começou uma tradição que se perpetuaria por toda sua carreira: contar historinhas! O Rainbow foi a primeira banda onde ele pôde desenvolver seu trabalho de compor letras baseadas em fantasias medievais que influenciaram tanta gente no futuro, especialmente no Heavy Metal. E o mais legal: sem ser ridicularizado, afinal Blackmore também adorava esta temática. Até meados dos anos 70, as bandas falavam sobre amor, guerra, sentimentos, mas poucos musicos desenvolveram esse lado de “contador de histórias” e Ronnie se mostrava um mestre no assunto ao analisarmos músicas como Stargazer, Rainbow Eyes e Light In The Black que viriam nos próximos álbuns.

BLACKMORE: O PODEROSO CHEFÃO

Logo após a gravação, quando se preparavam para uma sequência de shows, Ritchie Blackmore toma a primeira das muitas atitudes que irritariam Ronnie nos anos seguintes. Sem maiores explicações, ele demite toda a banda (todos os ex-Elf), com exceção do vocalista, alegando falta de qualidade técnica dos músicos e incompatibilidade com a sua visão para o futuro do Rainbow.

Inicialmente, a banda seria apenas um projeto, mas quando ele viu que o negócio tinha futuro e os shows começaram a ser marcados, o guitarrista tomou as rédeas para si e, como já era um nome conhecido no meio, adotou a postura de chefe. Ronnie, vindo de um grupo menor e ainda sem grande reputação, aceitou – por ora – aquela situação e concordou que procurassem músicos do nível “exigido” para o próximo álbum que gravariam.

Logo Ritchie se lembrou de um bom baterista que conhecera no show do Jeff Beck Group em 1972 chamado Cozy Powell, e também do baixista Jimmy Bain, da banda Harlot, que conheceram após um concerto em Londres. Para fechar a nova formação, Blackmore oficializou Tony Carey, com quem já estava trabalhando há alguns meses no novo material do Rainbow e em outubro, tínhamos uma nova formação com músicos realmente gabaritados.

Com a nova banda, Blackmore esperava, finalmente, seguir um sonho que perseguia há muito tempo: a união perfeita entre o Rock ‘n’ Roll e a música clássica, com influências de Mozart e Bach. Ronnie e os demais músicos compartilhavam a mesma admiração e o projeto grandioso do Rainbow começava a sair do papel.

O primeiro show do Rainbow aconteceu em Montreal, no Canadá, em 10 de novembro de 1975 com um público de aproximadamente 1.500 sortudos. Até o final do ano, a banda faria 20 shows apenas na América do Norte. Infelizmente, esses primeiros concertos tiveram vários problemas com a estrutura de palco montada e alguns efeitos especiais. Originalmente, a banda teria um arco íris enorme indo de um extremo ao outro do palco e com diversos efeitos controlados por computador. O problema é que se os computadores atuais vivem dando pau, imagine os de 35 anos atrás. Fora que o tamanho do apetrecho era incompatível com a maioria dos palcos e a idéia acabou deixada de lado após poucas apresentações.

Na virada para 1976, Ritchie Blackmore ganhou o prêmio de melhor guitarrista do ano passado pela revista Sounds da Inglaterra e o Rainbow se destacou como a “nova banda com maior potencial”.

RAINBOW RISING

Aproveitando o começo de certa popularidade, os caras entraram em estúdio já em janeiro para começar a trabalhar no material para o segundo álbum. De cara, uma grande mudança: atendendo a um velho sonho de Blackmore, o Rainbow, pela primeira vez, utilizaria uma orquestra completa nas gravações. Foi apenas em uma música: o épico Stargazer, uma das melhores composições da história do Rock e unanimidade entre os músicos das bandas de Metal que surgiriam nas décadas seguintes.

Em termos de virtuosismo, nada podia ser comparado a Stargazer até então. Na letra, Dio nos conta a história de um mago que queria construir uma torre infinita para o céu, mas a ousadia acabou custando a vida dos trabalhadores que eram forçados a ajudá-lo. Originalmente, a música tinha uma introdução de teclado de 6 minutos, além dos 8 e pouco de duração, com várias viradas. A intro não foi para o álbum por falta de espaço no vinil, mas acabou aparecendo nas versões ao vivo.

Para facilitar com os custos da orquestra de Munique, a banda se fixou na cidade alemã para a gravação do álbum, que foi finalizado em apenas um mês, produzido novamente por Martin Birch.

O nome Rising foi escolhido por Blackmore, além da alusão ao arco-íris, para mostrar a ascensão da banda e a empolgação com os trabalhos e a nova formação. Em comum acordo, a banda passou a se chamar apenas Rainbow, sem o destaque para o guitarrista.

Este também foi o começo da história de amor envolvendo o Rainbow e a Alemanha, bastante receptiva ao som com influência de música clássica e temática medieval. Além do álbum de estúdio, a banda registrou diversos concertos ao vivo no país, que foram lançados ao longo dos anos em CDs e DVDs. Não é raro lermos entrevistas de – hoje – músicos alemães famosos de nomes como Helloween, Accept, Gamma Ray e Primal Fear declarando que as apresentações do Rainbow marcaram suas vidas e os levaram a montar suas primeiras bandas no colégio. Por essas e outras, você percebe a importância de Ronnie e Blackmore para a cena como um todo.

Oficialmente, o Rising chega às lojas em 17 de maio de 1976 e supera todas as expectativas com um som complexo, intrincado, mas ainda pesado. O álbum chegou ao 48º lugar no ranking da Billboard e hoje é reconhecido como uma das maiores obras do Rock ‘n’ Roll. Na época, no entanto, foi visto como fruto da prepotência de Blackmore e não ganhou grandes destaques nas revistas especializadas. Por essas e outras que eu sempre falo que um álbum tem de sobreviver ao teste do tempo para se definir como “clássico” e não necessariamente confiar em notas e matérias lançadas pela imprensa. A mídia de 1976 não estava preparada para entender a importância e a influência que este disco teria com futuros músicos.

Satisfeitos com os resultados das primeiras vendas, a banda sai para sua primeira turnê mundial, envolvendo América do Norte, Europa, Japão e Austrália, com 71 datas entre março e dezembro de 1976 e estabelece seu nome, definitivamente, na lista dos gigantes do Hard Rock.

LONG LIVE ROCK ´N´ ROLL

Em janeiro, Jimmy Bain foi substituído por Mark Clarke e a banda tirou férias até maio de 1977. Nesse mês, o Rainbow viaja a Paris, França, para gravar seu próximo álbum de estúdio, que se tornaria o clássico Long Live Rock ‘n’ Roll. Apesar do clima harmonioso entre Ronnie e Ritchie, o ambiente com os demais integrantes não estava nada bom e Blackmore demite o tecladista Tony Carey e o baixista Mark Clarke durante as gravações por “falta de inspiração”. Frustrado com a decisão, novamente unilateral, Dio volta aos EUA, onde tira folga por mais alguns meses enquanto o guitarrista escolhe os novos músicos.

A demissão de Carey, no entanto, tem outra história muito mais curiosa: conta-se que, enquanto eles estavam na França para a gravação do terceiro álbum, Ritchie Blackmore se envolveu intensamente com o ocultismo e costumava varar as madrugadas em rituais que não agradavam os vizinhos do chalé que a banda tinha alugado. Em uma dessas noites, Ritchie entoava cânticos quando algum francês mal humorado atirou um tijolo pela janela do chalé, estilhaçando o vidro e assustando todos os presentes. Após o incidente, Carey pediu demissão alegando que já tinha visto o suficiente.

Com um novo tecladista escolhido, David Stone, mas ainda sem baixista, a banda volta ao estúdio francês apenas em agosto para seguir com as gravações e Ritchie finaliza sozinho as linhas de baixo que faltavam. Para a produção do álbum, chamam novamente Martin Birch, pela primeira vez dividindo os créditos com Ritchie e Ronnie, que começavam a tomar gosto pelo lado mais técnico da produção musical e sempre procuravam palpitar sobre a equalização ideal de cada instrumento. Logo, o Rainbow encontrou um baixista, Bob Daisley, que entrou em agosto de 1977.

Temendo não conseguir cumprir o contrato com a gravadora para o lançamento de um novo álbum ainda em 1977, a banda lança às pressas em julho o ao vivo On Stage, gravado em vários shows no Japão e na Alemanha durante a turnê de 1976. A ordem das músicas foi totalmente alterada e muita coisa ficou de fora para que o material coubesse em dois vinis. Além disso, foram emendados trechos de shows diferentes, conforme a escolha perfeccionista de Ritchie. O responsável pelo árduo trabalho foi novamente Martin Birch.

Fica difícil entender porque a banda não colocou nada de seu segundo e mais importante álbum, Rising (tirando um pequeno trecho de Starstruck no medley com Man On The Silver Mountain), no ao vivo, sendo que tocavam suas músicas nos shows. A explicação, porém, é mais simples do que parece: a versão de Stargazer apresentada nos shows, por exemplo, tinha mais de 15 minutos e seria impossível conseguir emendá-la a uma música curta para fechar algum lado do vinil.

As gravações de Long Live Rock ‘n’ Roll terminam em dezembro de 1977, mas o álbum só foi lançado oficialmente em nove de abril do ano seguinte, chegando ao número 89 do ranking dos mais vendidos da América do Norte. Uma boa posição, mas ainda longe do potencial que se esperava. Novamente, o teste do tempo acabou transformando o disco em clássico obrigatório para os fãs do bom Rock.

Analisando hoje, ele realmente perde forças na comparação com o Rising, por exemplo. Apesar de contar com o hino Long Live Rock ‘n’ Roll, Gates Of Babylon e a conhecida Kill The King (que já era tocada nos shows da banda há alguns anos e até apareceu no On Stage, mas só agora ganhava sua versão de estúdio), mas ainda assim é um excelente trabalho.

O FIM DA TIRANIA

Já em 1978, após mais de um ano sem parar em turnê, com 107 shows ao redor do globo, todos estavam satisfeitos com o desempenho crescente do Rainbow, menos, para variar, Blackmore. Apesar de contar com excelentes músicos, a banda nunca chegou a repetir o sucesso que a ex, Deep Purple, aproveitou no auge, e o guitarrista não se conformava em não estar no topo.

Aí entramos nos já famosos problemas de ego de Ritchie Blackmore. Desde que saiu do Deep Purple, a idéia do músico era criar uma banda que mostrasse a Ian Paice & Cia que sua música era vanguardista, revolucionária e eles nunca conseguiriam repetir o sucesso sem sua ilustre presença. Em parte ele estava certo, o Purple nunca repetiu o mesmo sucesso da fase Machine Head e parou as atividades em 1976, para voltar apenas oito anos depois em uma primeira reunião da formação clássica.

O que Ritchie talvez não tenha percebido é que os tempos também eram outros e solos instrumentais de oito minutos já não chamavam a atenção da nova geração de adolescentes, que preferia algo mais rápido e direto, especialmente na Inglaterra com a explosão do movimento Punk a partir da segunda metade da década de 70. Nos EUA, a banda também conseguia um bom destaque, tocando em grandes festivais e ao lado dos principais nomes do Hard Rock, mas também não tinha tanta fama quanto Blackmore gostaria.

Ainda insistindo em retomar os anos de glória e sem o consentimento dos demais integrantes, Blackmore contratou seu antigo baixista do Purple, Roger Glover (nessas alturas, dedicando-se apenas à carreira de produtor e consultor musical), no final de 1978, como letrista e criador de “hits” para que o Rainbow finalmente decolasse.

O direcionamento de Glover era claro: esqueça temas sobre fantasia medieval e escreva sobre o amor e solidão, um retrocesso se pensarmos no que a banda estava fazendo até então.

Outro ponto também ajudava essa linha de raciocínio de Glover e Blackmore: o single de Long Live Rock ‘n ‘ Roll, lançado em 30 de março de 1978, vendia muito bem tanto nos EUA quanto na Inglaterra, e convenhamos que o estilo da música, uma simples ode ao estilo, sem elfos e dragões, talvez tenha chamado mesmo mais a atenção.

Neste meio tempo, por coincidência ou não, Bob Daisley alega problemas pessoais e sai da banda. Para seu lugar, Blackmore convence Roger Glover a retomar a carreira como baixista, além de acumular as outras funções já mencionadas.

Ao tomar conhecimento da jogada de Ritchie no início de dezembro de 1978, quando a banda se preparava para entrar em estúdio novamente, Dio ficou extremamente decepcionado e resolve pedir demissão. O problema definitivamente não era Roger Glover, pois ambos eram amigos próximos desde a produção do primeiro álbum do Elf. O problema era o fato de Ritchie delegar a Glover a tarefa de escritor das letras. Isso enfureceu o baixinho que, a essa altura, já tinha bagagem suficiente para não engolir esse desrespeito.

Outra contradição chamava a atenção em toda a história: Dio sabia que, em 1973, Ritchie Blackmore tentou demitir Roger Glover do Deep Purple por ter tentado tornar o som dos ingleses mais acessível e agora queria contratá-lo justamente para isso?

Anos mais tarde, outros ex-integrantes do Rainbow afirmaram que também rolou um problema financeiro na época, com Ritchie não dividindo de forma justa entre todos os músicos da banda o pagamento dos cachês das turnês, o que gerou um descontentamento geral.

Picuinhas à parte, Ronnie sempre declarou que seu guitarrista favorito de todos os tempos nunca deixou de ser Ritchie Blackmore e era extremamente grato pela oportunidade de tocar ao lado de um de seus grandes ídolos. Além disso, os anos de Rainbow abriram de vez as portas do mundo para Ronnie James Dio e mais uma grande mudança na carreira do cantor estava prestes a acontecer. Mantenha-se delfonado para saber qual é (como se você já não soubesse)!

PS: Leia as demais partes desta biografia clicando em “Especial Dio” aí embaixo.

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