Ronnie James Dio – A Voz do Metal: Entre Magos e Egos!

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Se o Heaven and Hell já estava ou não escrito quando Ronnie entrou na banda, talvez nunca saibamos, mas o que importa é que o primeiro álbum do Black Sabbath que todo mundo tem certeza que foi 100% escrito com a colaboração de Ronnie James Dio foi o Mob Rules.

MOB RULES

Os trabalhos de composição começaram em abril de 1981 e seria também a primeira vez que a banda entraria em estúdio com outro baterista no lugar de Bill Ward. Desta vez quem não estava satisfeito com a troca de um integrante era Geezer. Sentindo falta do velho amigo das baquetas, ele chegou a declarar em entrevistas que Vinny tinha um estilo muito “funkeado”, mas era uma pessoa com quem ele gostava de tocar também, apesar do estranhamento.

Todo o trabalho foi conduzido no famoso Record Plant em Los Angeles, sob a batuta, mais uma vez, do mestre Martin Birch, que – ao mesmo tempo em que produzia o The Mob Rules – tomava conta de outro grande futuro disco, um tal The Number Of The Beast. Pouca responsabilidade na mão do cara de uma cacetada só, hein?

Para o novo álbum, Ronnie continuava evitando tocar em seus assuntos preferidos, tais como reis, magos e dragões, e seguiria compondo na linha que se espera do Sabbath, ou seja, reflexões filosóficas sobre a vida.

O principal trabalho criativo continuava a cargo de Tony Iommi elaborando riffs e Dio criando uma letra ou tendo alguma idéia a partir da sensação que aquele trecho lhe causava. Geezer e Vinny tinham voz ativa apenas na aprovação ou não dos riffs que seriam utilizados em cada música, mas todas as letras foram escritas pelo vocalista, incluindo a estranha Country Girl, que depois acabou “inspirando” um clássico do Twisted Sister. Tente adivinhar qual é assistindo ao vídeo abaixo.

O álbum também tinha a misteriosa música instrumental E5150, feita toda com sintetizadores e com a guitarra de Tony, no melhor estilo dos filmes futuristas que pipocavam naqueles idos dos saudosos anos 80. Se você não sabe o que significa o “código” do nome da composição, chegou a hora de ter este problema resolvido: é apenas a palavra “Evil” (malvado), a partir do E e considerando que as letras seguintes são números romanos e traduzindo-os para os números do nosso dia a dia. A idéia foi de Geezer Butler para criar uma aura de mistério e despertar a curiosidade em você, caro leitor. O que o baixista não previa era que teríamos a internet em alguns anos para resolver esses mistérios. Ainda me lembro quando debatia o significado disso com alguns amigos nos anos 90.

Oficialmente, Mob Rules chega às lojas em quatro de novembro de 1981, cercado de grandes expectativas, mas sem conseguir repetir o feito fantástico do Heaven and Hell no ano anterior. O Black Sabbath seguia como uma banda grande e influente; A diferença é que agora enfrentava concorrência pesada de nomes como Iron Maiden e Judas Priest, além de outros emergentes da NWOBHM (New Wave Of British Heavy Metal), que se encontrava no auge.

O álbum conseguiu ganhar o disco de prata no Reino Unido e ouro nos EUA e Canadá, mas foi só (o Heaven and Hell conquista prêmios até hoje). Hoje em dia, apesar de contar com grandes composições, não é lembrado com unanimidade pelos fãs, mas tem seu charme e importância ao ouvirmos Falling Off The Edge Of The World, The Mob Rules e The Sign Of The Southern Cross.

TURNÊ E IMPREVISTOS

A turnê de divulgação começa uma semana depois do lançamento no Canadá e passa na sequência por EUA, Inglaterra e volta aos EUA e Canadá no ano seguinte para mais uma batelada de apresentações em um ritmo pesado de quase um show por dia entre novembro de 1981 e agosto de 1982.

Apesar da boa repercussão das apresentações, o clima interno já não era o mesmo e uma divisão bastante clara estava se formando nos bastidores dos shows: de um lado, os fundadores do Black Sabbath, Tony Iommi e Geezer Butler, comemorando o retorno às paradas de sucesso, mas firmes em manter a identidade da banda.

Do outro lado, Ronnie James Dio e o seu agora grande amigo (e futuro parceiro musical em muitas oportunidades), Vinny Appice, comprometidos em manter a tradição Sabbathiana, mas também tentando trazer suas próprias influências das bandas por onde passaram, até mesmo para fazer frente à concorrência que levava o Heavy Metal a outros níveis.

A rotina pesada de shows e alguns problemas envolvendo cancelamentos de datas em cima da hora por conta de fortes tempestades de neves que assolaram os EUA em janeiro de 1982, ajudaram a criar um buraco entre as duas duplas. Eles mal se falavam, andavam em ônibus separados e sempre estavam mais preocupados com as decisões comerciais do que em saber se o outro estava bem.

Durante a turnê, muitas outras coisas aconteceram além da neve: Vinny se queimou com gelo seco, Tony Iommi teve um sério problema de intoxicação alimentar e desmaiou no meio de uma apresentação e, ainda dentro do azar envolvendo a banda, o teto de uma arena em Cardiff aonde eles iriam se apresentar desabou pouco antes do início, mas – por sorte – sem deixar feridos.

Além disso, com a volta ao topo no ano anterior, todos os fantasmas das tentações que cercam uma grande banda de Rock voltaram a incomodar os integrantes: drogas, bebidas e festas. Segundo Dio, esse foi o fator que começou a minar as confianças alheias e acabou se tornando o início do fim conforme veremos a seguir.

LIVE EVIL

No começo de 1982, durante a turnê do Mob Rules, mesmo com o racha entre antigos e novos integrantes, a banda já estava bastante entrosada nos palcos. Por isso, os caras achavam que era um bom momento para lançamento de um primeiro álbum ao vivo oficial do Black Sabbath, até para apagar a péssima impressão deixada pelo picareta Live At Last, que vendeu muito bem, mesmo usando toda uma campanha de marketing enganosa vinda de terceiros. Sem contar que o desempenho excepcional de Ronnie James Dio ao vivo não tinha comparação com o que Ozzy vinha fazendo nos últimos anos.

Oficialmente, a banda gravou quatro apresentações nos EUA de maneira profissional, entre abril e maio, nas cidades de Seattle, Dallas e San Antonio, de onde sairiam as músicas que entrariam no disco. Em uma entrevista alguns anos depois, Dio disse que o show realizado em 18 de abril em Fresno, também foi utilizado na edição final como um complemento para partes que não estavam legais aqui e ali.

Ao contrário do ocorrido com o Rainbow, uma apresentação normal do Black Sabbath não tinha tantas firulas e solos individuais longos, o que facilitou a compilação das músicas exatamente na ordem em que foram tocadas, sem edições, com exceção de algumas pausas para regulagem de equipamentos e intervalos pro bis.

A turnê acaba oficialmente em 31 de agosto com um show em Hoffman, e a banda imediatamente foi ao estúdio em Los Angeles para produção e mixagem do material ao vivo gravado meses atrás.

Aí os problemas de relacionamento entre a velha e a nova guarda começaram a aparecer com maior intensidade e o barril de pólvora explodiu. O que de fato aconteceu é que Tony Iommi e Geezer Butler trabalhavam na mixagem do álbum durante o dia com um engenheiro de som, enquanto Dio e Vinny só apareciam no estúdio à noite para trabalhar com o mesmo engenheiro. Ambos os lados não se falavam e começou uma clara falta de comunicação entre as partes, enlouquecendo o pobre engenheiro que durante o dia tinha que configurar os programas de uma maneira para atender 50% da banda, mas mudava tudo à noite para atender os outros 50%.

Tony tinha certeza que Dio estava sabotando a mixagem das gravações da guitarra e do baixo, abaixando o volume dos instrumentos para dar destaque à sua voz, enquanto o vocalista tinha certeza que estava sendo sacaneado com a guitarra encobrindo os seus momentos.

O que hoje parece algo absolutamente bobo, que uma simples conversa de bar pode resolver em 10 minutos, acabou decretando o fim de uma das maiores formações da história do Heavy Metal, pelo menos por alguns anos.

Nas palavras de Tony em uma entrevista para a Spinner, “Ainda por cima, o engenheiro que estava trabalhando conosco estava bebendo mais e mais durante essas sessões de gravação e ficando cada vez mais irritado. Um dia, Geezer e eu dissemos, ‘Está soando diferente de como deixamos ontem à noite’ – e isso continuou por semanas – e o engenheiro disse, ‘Não aguento mais isso! Ronnie veio e ajustou tudo e então vêm vocês e ajustam do seu modo e daí ele vem e ajusta de novo e eu não sei o que fazer!’. E então nós dissemos, ‘está brincando?’ e a banda se separou por causa disso! Claro, tudo era boato e não acredito realmente agora mas nós acreditamos na época”.

Cansado, Ronnie repudiava veementemente as acusações de Tony Iommi e culpa o engenheiro de som e seus problemas alcoólicos por fazer declarações infundadas. Sem chegarem a um consenso, Dio anuncia o desligamento da banda, levando Vinny Appice consigo, em outubro de 1982.

Recentemente, Vinny deu a opinião mais inteligente possível sobre toda a situação vivida naquele ano: “Se todo mundo aparecesse no estúdio ao mesmo tempo, tudo poderia ter sido resolvido facilmente”. Sábias palavras! Outra coisa que precisa ser levada em consideração foi dita por Tony na mesma entrevista: a banda vinha do final de uma turnê longa e cansativa direto para o estúdio mixar mais um álbum. Todos estavam cansados e com os nervos à flor da pele, então não tinha como a coisa funcionar mesmo.

No final das contas, o Live Evil terminou de ser produzido por Tony Iommi e Geezer Butler sozinhos e foi lançado oficialmente em 18 de janeiro de 1983, quando Ronnie e Vinny já se preparavam para outro grandioso projeto. Como retaliação pela saída da banda, o nome dos dois aparece apenas como “convidados especiais” no encarte, sem maiores destaques. E ainda cortaram o James, de Ronnie James Dio.

Uma história interessante envolve o título, que pode ser lido de trás para frente, e ainda assim continuar exatamente igual. Experimente: Live Evil.

O álbum foi lançado sem alarde, afinal, a banda acabava de perder dois integrantes importantes (bom, pelo menos um era fundamental) e todos sabiam que o que estava registrado ali já não era mais o que os fãs poderiam encontrar em apresentações futuras. Analisando friamente hoje, é um bom álbum ao vivo, mas a produção – de fato – deixa a desejar com sons abafados demais, curiosamente na guitarra e baixo que puderam ser mexidas e remexidas após a saída de Dio da banda. A capa era o que mais chamava a atenção, com desenhos lembrando os nomes de todas as músicas representadas ali dentro.

O FANTASMA DE OZZY

Uma pessoa nada feliz com o lançamento do primeiro álbum ao vivo do Black Sabbath era um certo senhor Ozzy Osbourne que, praticamente ao mesmo tempo, colocava no mercado outro trabalho ao vivo tocando apenas músicas da sua ex-banda, o hoje cult, Speak Of The Devil.

Coincidência? Talvez, mas Ozzy não deixou barato nas declarações para a imprensa no final de 1982: “aqueles bundões esperam 15 anos para lançar um álbum ao vivo e então eles lançam exatamente ao mesmo tempo em que lanço o meu”. Tony rebatia dizendo que quem ganhava com toda a história era o público que teria dois grandes álbuns ao vivo para comprar, mas Ozzy não sossegava: “Eu não tenho dúvidas sobre quem vai terminar no topo! Aqueles idiotas! Eu vou admitir que Dio é um vocalista melhor do que eu, mas ninguém pode negar que sou um melhor frontman”.

No fim das contas – quem diria? – Ozzy ganhou mesmo a briga e seu álbum é lembrado como um dos melhores trabalhos ao vivo de todos os tempos.

Como se já não bastassem os problemas com o primeiro vocalista, o segundo do Black Sabbath, agora ex, também não ficou nada feliz com sua saída e as acusações de sabotagem. Nos anos seguintes, Tony Iommi e Dio viveram trocando farpas através da imprensa sobre a mixagem do Live Evil. Ronnie chegou a declarar que sua saída da banda também teve a ver com o fato do guitarrista não atender bem os fãs após os shows e toda parte de relacionamento com a imprensa ter ficado em suas costas.

Com o tempo, as declarações foram ganhando um ar mais conciliador (ah, o mundo capitalista!) e ambas as partes eventualmente voltaram a trabalhar juntas, mas este é um assunto para um futuro capítulo. Por ora, o que nos importa é que Ronnie James Dio, finalmente, preparava a estréia de sua carreira solo e, mais uma vez, estava prestes a mudar a maneira como o mundo via o Heavy Metal. E tudo isso levaria apenas cinco meses… Ou, em tempo delfiano, apenas alguns dias. =]

PS: Leia as demais partes desta biografia clicando em “Especial Dio” aí embaixo.

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