Pantera em São Paulo (24/3/1995)

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Em 1995, eu estava com 16 anos. Naquela época, as coisas eram bem diferentes no cenário musical. As pessoas ainda compravam discos de vinil ou o mega-tecnológico compact disc. Criava-se uma expectativa acerca do lançamento de um álbum. Para a primeira audição de alguns deles, reunia-se até um grupo de amigos. A MTV Brasil tinha moral. E não era raro ver no top 20 bandas como Dr. Sin, Pantera, Angra ou Sepultura. Não tínhamos no Brasil tantos shows como hoje, mas aquele ano prometia, pois em setembro aconteceria o Philips Monsters of Rock com Ozzy Osbourne, Alice Cooper, Faith No More, Megadeth, entre outros. Nos shows de heavy metal, tínhamos a “ilustre” presença dos carecas ou skinheads. Nunca vi nenhum deles realmente curtirem a música nos shows. Na maioria das vezes, eles ficavam andando calmamente em alguma roda que se formava e se alguém encostasse em algum deles era espancado. Quando se encontravam com os punks também não era algo bonito de se ver.

O show foi numa terça feira. Nem liguei. Eu não trabalhava ainda! O Pantera estava na turnê do álbum Far Beyond Driven que tinha alcançado o 1º lugar na Billboard! Estavam no auge. Cheguei ao show ansioso. Não esperava nada mais do que o fantástico. E assim me adentrei no finado Olympia.

Fazer uma resenha de um show de quase 20 anos atrás não é fácil. A memória muitas vezes nos trai. É a visão de um adolescente deslumbrado com uma das suas bandas preferidas. Provavelmente muito do que eu escrever possa estar distorcido. E mesmo se alguém disser que foi diferente do que relatei, vou discordar até a morte, pois é assim que me lembro!

Assim que o show começou, deu para perceber que as coisas não seriam muito calmas. Fui ao show com meu irmão e mais um amigo. Trinta segundos após o primeiro acorde de Strength Beyond Strength já não sabíamos onde cada um estava. Mal sabíamos onde nós mesmos estávamos! Foi brutal! Ninguém conseguia ficar parado. Alguns nem em pé! E o melhor: não existia smartphone! Não tinha ninguém gravando o show inteiro e atrapalhando aqueles que preferem assistir ao espetáculo ao vivo.

De todas as memórias que levo desse show, a mais marcante foi do Dimebag tocando. Eu estava começando a tocar guitarra e fiquei abismado em vê-lo no palco. Com o Dime não se tratava apenas de uma técnica apurada, mas também de um feeling absurdo. Ele dominava o palco. Fazia seu show à parte. Nunca tinha visto algo parecido até então.

O show por inteiro foi memorável. O único descanso foi na This Love. Acho que hoje em um show dessa intensidade provavelmente eu seria acometido por um AVC. Becoming, 5 Minutes Alone, A New Level, Fucking Hostile e Domination foram alguns dos petardos executados naquele dia. Lembro também que o Andreas Kisser fez uma participação especial na Walk. Foi aclamado. Sepultura também estava no seu auge.

Phil Anselmo era um monstro. Um dos melhores frontmen que já vi em minha vida. Pouco importava se a voz dele estava perfeita. Ele pulava que nem um louco. Batia cabeça, corria, gritava, xingava, agradecia. O cara era um turbilhão. Uma força da natureza. Não foi uma surpresa ele ter tido uma lesão na coluna anos depois. Vinnie Paul e o Rex também não ficavam atrás. Eles formavam uma cozinha poderosa e competente. Ninguém sentia falta de uma guitarra base na hora dos solos. Mas nem tudo foi perfeito. Lembra dos carecas que eu mencionei lá no começo do texto? Pois é.

Este show foi repleto de estupidez por parte dos “fãs”. Eu sinceramente acho muito legal quando se formam as rodas de mosh. É possível você extravasar respeitando o próximo. Vi isso em muitos shows. Faz parte da cultura do heavy metal. Até aí, tudo bem. Mas o que aconteceu nesse show foi lamentável.

Não lembro em que ponto do show uma grande roda se abriu. Aí os carecas começaram a andar tranquilamente no meio da roda. Até que um azarado esbarrou em um dos skinheads. Este garoto foi espancado pelo pretenso nazista até ficar estirado no chão. Não satisfeitos ao ver o rapaz no chão, outro skinhead pisou na cabeça da vítima com um coturno. E nenhum segurança fez nada, além de retirar o menino inconsciente do chão. E tudo voltou ao normal como se nada tivesse acontecido. Fiquei sabendo através da MTV que a vítima ficou hospitalizada por uns dias. Sinceramente não sei se ele sobreviveu.

Outro momento que me marcou foi na hora que o Dimebag jogou umas palhetas ao público. Algumas caíram perto de mim. Mas como juntou uma galera, eu desisti de tentar pegar alguma. Ainda bem. O cara do meu lado esticou o braço para alcançar o mimo e alguém pisou com tudo no cotovelo dele. E para fechar alguém jogou algum objeto cortante no Phil Anselmo. Acabou que essa estupidez resultou num corte no braço do vocalista. Na hora, Phil colocou uma fita isolante na ferida (true?) e continuou o show. Infelizmente, ele teve que terminar o show antes e se eu não me engano eles deixaram de tocar Mouth For War.

Para mim foi um show histórico por vários motivos. A banda estava no auge, era uma das minhas preferidas, nunca mais eles voltaram ao Brasil, eles acabaram, o guitarrista foi assassinado. Nem a estupidez de alguns imbecis conseguiu apagar a força daquele show. Afinal de contas, não tem como a banda controlar a estupidez humana. Infelizmente, esse fato se confirmou anos depois.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
pantera-em-sao-paulo-2431995Data: 24 de março de 1995<br> Local: Olympia<br> Cidade: São Paulo<br>