O preço do silêncio

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Nas últimas semanas temos ouvido falar muito sobre um, até então, suicídio ocorrido em São Paulo, na região do Morumbi. Viviane Alves Guimarães Wahbe tinha 21 anos, estudava direito na PUC-SP e, assim como você e eu, lutava pelo seu lugar no mercado de trabalho.

Ela começou bem, conseguiu um estágio em um dos maiores escritórios de advocacia do país, chamado Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Segundo seus familiares, ela era uma moça equilibrada e realizada profissionalmente. Então o que levaria Viviane a pular do sétimo andar do seu prédio?

Tudo começou no dia 24 de novembro de 2011, quando aconteceu a festa de final de ano da empresa. Essa mesma que acontece todo ano e é especialista em formar histórias vergonhosas a serem contadas durante todo o próximo ano, até que este ano tenha a própria festa e novos casos para alimentar os boateiros de plantão sejam criados.

Viviane foi à festa. Tomou duas taças de espumante. E apagou.

Nove dias após ter voltado da festa de táxi junto com um colega de trabalho, 21 anos e um futuro promissor foram atirados sacada abaixo.

O suicídio aconteceu em três de dezembro de 2011. Se você não conhece o caso, deve estar se perguntando por que só semana passada, semanas após o ocorrido, isso se tornou assunto em todos os jornais, não é? E se a garota te contasse que naquela festa ela foi dopada, estuprada e que na segunda-feira após a festa o estuprador espalhou para todo o escritório que os dois tiveram relações sexuais?

Humilhação, medo de perder o emprego, sentimento de culpa e confusão com o que realmente aconteceu. Viviane não suportou tamanha pressão e, segundo sua mãe, mudou bruscamente o humor após aquela segunda-feira de trabalho. Quando sua memória começou a mostrar partes do que aconteceu na noite da festa, ela teve ataques psicóticos e precisou ser levada ao hospital e iniciar um tratamento com remédios tarja preta. Agora estão dizendo que o suicídio foi causado por alucinações provocadas pelo remédio e que talvez a história do próprio estupro seja uma delas.

Interessante. Como é fácil chamar a morta de louca! Certamente tão fácil quanto dizer que, se houve estupro, a causadora foi ela por usar uma roupa curta demais, por ser bonita demais, por ser vaidosa, por estar atraente, por ter bebido ou por ter sido “fácil”. Claro, em um país onde o estupro só pode acontecer porque a mulher pediu, essa baboseira toda realmente faz muito sentido!

Vamos deixar uma coisa bem clara. Ninguém fora de seu estado normal tem condições de tomar decisão alguma. Se realmente houve algum ato sexual enquanto Viviane estava sob o efeito de algum tipo de droga, foi estupro sim.

O que leva um homem a crer que pode se impor sexualmente a uma mulher? A saia curta? O batom vermelho? O decote? A maneira como uma mulher se veste não dá a ninguém o direito de invasão do seu espaço e isto inclui as “cantadas” tão defendidas na nossa sociedade como “apenas elogios”. A juventude, a beleza, o sorriso ou o jeito de andar de Viviane, nada disso era convite para estupro. Nada.

Há rumores de que os colegas de trabalho dela fizeram uma aposta para ver quem transaria com a estagiária primeiro. Isso ainda não é um fato concretizado pela polícia, mas a simples ideia de que algo tão podre, vil e sem escrúpulos tenha acontecido é suficiente para causar nessa que vos escreve as sensações mais primitivas que um ser humano é capaz de ter.

Troféu. Se a tal aposta for verdade, foi nisso que a vida de uma pessoa se transformou. Claro, a intenção dos coitadinhos nunca foi matar a moça, não diretamente. A intenção era matar a consciência, o amor próprio, o respeito. A intenção era quebrar, violar, rasgar, invadir e depois colher os louros da glória espalhando no ambiente de trabalho que já transou com a estagiária, sem esquecer de contar ou inventar os detalhes mais sórdidos na tentativa clara de desmoralizar e humilhar. Isso por si só já é uma morte.

Viviane não estava viva quando saltou daquela sacada.

A mãe revelou à polícia recentemente que a filha havia lhe contado que o chefe a assediava sexualmente. Pergunto-me se os familiares sabiam do assédio e a vítima mencionou o estupro ainda em vida, por que somente semanas depois, quando uma carta mencionando novamente o estupro foi encontrada entre as coisas de Viviane, a polícia mudou o rumo das investigações? Por que ninguém falou nada antes?

Quem ou o que causou esse silêncio?

O crime já aconteceu há mais de um mês e as provas de um estupro ainda não foram encontradas, porque nunca foram procuradas antes. Não houve a denúncia em tempo hábil. As cartas, a roupa da festa, o notebook e o celular já estão nas mãos da perícia. Aguardemos então pela justiça, aquela pela qual Viviane estudou e trabalhou para um dia defender. E vamos ver se ela acontece desta vez.