Essa não é uma resenha simples de show, mas eu estive no Rock In Rio no dia do Rock pesado e pude presenciar o fim de um dos gigantes do Heavy Metal nacional. No dia 25 de setembro de 2011 – ao contrário do que os fãs e a própria banda teimam em negar – o Angra morreu, sim! Não de morte matada, mas de morte morrida.
O ANGRA E O DELFOS
Mas antes que entremos na nota de óbito oficial, vale uma historinha aqui que poucos delfonautas conhecem ou se lembram: o DELFOS teve uma baita dor de cabeça com o Angra por causa de uma resenha de um show de 2005, que eu mesmo escrevi.
Na época, a banda divulgava o bom Temple of Shadows e prometia um show com várias atrações e efeitos especiais. No fim das contas, o que tivemos foi uma apresentação regular, bastante prejudicada por problemas técnicos, decisões equivocadas sobre o setlist e um Edu Falaschi visivelmente esgotado, que não atingia as notas que deveria. Você já viu esse filme antes, ou melhor, depois, né?
Após escrever a resenha, mandamos o material também para publicação no site Whiplash!. Era uma das maneiras que encontramos de divulgar o DELFOS nos primórdios sem custos adicionais e para um público que – achávamos – era o nosso alvo: headbangers!
O fato é que a resenha caiu como uma bomba no quartel general do Angra, e a resposta veio através de diversas ofensas pessoais contra a minha pessoa disparadas por ninguém menos que Edu Falaschi no fórum do site oficial da banda. Infelizmente, aquela versão da página não existe mais e os registros históricos se perderam com o tempo, mas digamos que Dudu ficou magoado com a crítica e me xingou de nomes nada agradáveis, além de me chamar de incompetente, antiético e coisas do gênero.
Como não estava acostumado a lidar com esse tipo de coisa, também cometi o erro de retrucar as declarações de Falaschi (mas de maneira educada, sem jamais xingar o vocalista). O resultado foi uma troca de farpas que durou uma semana, envolvendo inclusive amigos jornalistas de outros veículos que escreveram matérias me defendendo e compartilhando a opinião sobre o tal show.
Alguns dias depois, a banda divulgou uma nota oficial defendendo a liberdade de imprensa, expressão e a opinião de cada um. Apesar de não mencionar meu nome, foram panos quentes para apaziguar a situação.
Um tempo depois, o próprio Edu Falaschi nos enviou um e-mail elogiando esta matéria. Foi um e-mail gentil, sem nenhum problema e respondemos agradecendo os elogios, mas até hoje não sabemos se ele se lembrava que tinha nos apedrejado publicamente antes ou então quis fazer um mea culpa. Desde então, não tive mais contato com a banda a não ser pelos meios “oficiais”, e lá se vão seis anos!
UMA FASE DIFÍCIL PARA O ANGRA
O fato é que depois do Temple Of Shadows, a banda entrou em uma decadência grotesca e lançou dois álbuns de estúdio fraquinhos: Aurora Consurgens e Aqua. Fora isso, é fato para qualquer um que acompanhou os shows da banda nos últimos cinco anos que a qualidade das apresentações também vinha caindo como um todo, muito em função do desempenho de Edu Falaschi, que claramente andava sem empolgação.
Mas não culpemos somente o vocalista: houve brigas feias com o ex-empresário, que entrou com um processo pelo direito do nome “Angra”, agressões físicas entre integrantes que culminaram com a saída do baterista Aquiles Priester, grupos de Axé plagiaram o riff de Nova Era e, quando a banda tentava se concentrar apenas na música, compreensivelmente e com tantas pressões, a coisa não fluía como esperado.
No meio do caminho, Edu Falaschi lançou seu projeto solo, Almah e, apesar de não ser nada de outro mundo, começou – claramente – a priorizar este trabalho em detrimento do Angra, especialmente a partir da gravação do segundo álbum. A partir daí, fortes boatos surgiram sobre a saída do vocalista.
ROCK IN RIO
Com shows cada vez mais escassos e entrevistas confusas sobre o futuro de todos os integrantes, que volta e meia mencionavam uma pausa para recarregar as baterias, o Angra foi escalado e fez um show horroroso no Rock In Rio. Horroroso perto do potencial que sabemos que eles têm e podem entregar aos fãs.
Edu Falaschi parecia totalmente fora de forma, sem voz, a parte técnica falhou seguidas vezes, enfim, foi uma daquelas noites onde tudo deu errado e, infelizmente, isso acontece na vida de todo mundo. A participação de Tarja fez tudo parecer ainda pior, pelo contraste da boa performance da moça e da fraca apresentação do moço.
Se você duvida, assista aí embaixo ao show na íntegra e tire suas próprias conclusões:
Claro que, se fosse um show normal de turnê, seria apenas um dia ruim para a banda, mas como estamos falando do Rock In Rio, com transmissão ao vivo para todo o país por canais do sistema Globo, o problema é mais embaixo e a repercussão, desastrosa!
A coisa chegou a tal ponto que muitos dos presentes especularam se Edu estava mesmo levando a apresentação a sério ou entrou no palco com uma postura “dane-se o mundo e esses colegas de banda malas”. Eu estava lá e posso afirmar que houve, sim, esse tipo de questionamento!
Sério, assista à performance de Edu Falaschi (vá para os 47 minutos do vídeo para ouvir um trecho particularmente desastroso de Rebirth) e me diga se não parece com isso aqui?
É possível que ele realmente estivesse se levando a sério? Sabe quando as pessoas respondem aquela frase feita “não gostou, faz melhor”? Esse é um caso raro em que realmente a maior parte dos fãs conseguiria fazer melhor.
A POLÊMICA COMEÇA
Logo após o fiasco, vi o mesmo filme que aconteceu comigo se repetir. A troca de xingamentos entre banda e site, mas desta vez, não comigo e com o DELFOS, mas com um amigo da imprensa, o Ricardo Seelig do Blog Collector’s Room e do Whiplash!.
Seelig, assim como eu e tantos outros, também achou o show da banda um desastre e, através de suas próprias fontes e informações (ele não tirou a informação de que o Kiko estava saindo do Brasil do nada, e revelou ao DELFOS suas fontes, acredite), concluiu que aquela era a última apresentação da banda, pelo menos com Edu nos vocais.
Seu texto saiu no Collector’s Room e também no Whiplash! e você pode lê-lo clicando aqui.
Ok, o Seelig pegou um pouco pesado, mas foi a opinião dele e – até onde eu sei – ele é livre para escrever e publicar o que bem entende em seu blog, desde que não xingue ou cometa algum tipo de discriminação. Não há nada ilegal ou irresponsável ali.
O que aconteceu depois foi um verdadeiro massacre no Twitter por parte da banda e seus integrantes contra o Ricardo Seelig, e aí faltou alguma orientação para a banda no mínimo esfriar os ânimos antes de sair escrevendo qualquer coisa e reagindo sem amadurecer as ideias.
O guitarrista Rafael Bittencourt disse “A banda não vai se pronunciar para se defender de rumores!!!! O Angra NÃO ACABOU!”.
Até aí, tudo bem, mas o baixista Felipe Andreoli disse, em tweet dirigido ao próprio Ricardo “Apresente ao menos UMA evidência pro monte de merda que vc escreveu no Whiplash. Defecou pela boca, seu mané…”. Esse não é o tipo de atitude que se espera de um músico como o Felipe Andreoli, com tantos fãs espalhados por aí. Você pode conferir imagens desses tweets lá embaixo, na nossa galeria de imagens.
Mesmo que ele não tenha concordado com o que o Seelig escreveu, o que é um direito dele, não deve partir para ofensas e xingamentos. Isso é muito errado e é o tipo de coisa que pode levar fãs trogloditas a fazer alguma besteira por aí, por tomar as dores dos seus ídolos.
Tentamos contato também com o Felipe Andreoli via Twitter e tivemos uma resposta bastante arrogante, do tipo “estou me lixando”. Interessante que eu fiz faculdade de Administração de Empresas junto com o dito cujo na PUC aqui de São Paulo, e ele sempre me pareceu um cara bastante acessível, bem diferente dessa imagem sisuda que está passando agora.
Na sequência, o Whiplash! tira a matéria original do ar e coloca uma nota dizendo que fez isso a pedidos da assessoria de imprensa e dos músicos da banda. Honestamente, me estranha o Whiplash! tomando este tipo de atitude para uma página que sempre publicou de tudo, mas também entendemos o lado deles e possivelmente faríamos a mesma coisa.
EDU FALASCHI SE PRONUNCIA
A banda divulgou algumas notas oficiais repudiando a qualidade do som no Rock In Rio, a falta de um retorno decente (as desculpas sempre são as mesmas, só faltou aquela alegando que o Edu Falaschi estava gripado) e agradecendo o carinho dos fãs, mas ninguém estava preparado para o anúncio que viria de Edu Falaschi.
E aí? Quem é que “defecou pela boca” agora, Sr. Felipe Andreoli? Para um bom entendedor, foi a despedida oficial de Edu Falaschi da banda ou você, amigo delfonauta, acredita que eles seguirão em frente sem tocar músicas dos três primeiros álbuns, que exigiam vocais extremamente agudos? Talvez façam como o Helloween e abaixem a afinação das músicas para se adequar mais aos vocais de Edu que é, sim, um ótimo vocalista, e quem o conheceu na fase Symbols sabe bem disso.
Isso prova apenas uma teoria que tenho há muito tempo: um dos principais motivos pelo fiasco em nossa cena musical, especialmente em se tratando de Heavy Metal, é o amadorismo no trabalho de marketing das bandas, tanto em termos de contato com a imprensa, quanto divulgações em geral. Foi esse amadorismo que fez, por exemplo, o Corrales se afastar dessa seção que foi um dos principais motivos para ele ter criado o DELFOS. Assim, se você quer saber porque não temos mais tantas Pensamentos Delfianos falando sobre música quanto tínhamos alguns anos atrás, agora já sabe.
O que não falta são assessorias de imprensa mandando releases de álbuns como se fossem resenhas prontas para publicação e, acredite, infelizmente existem páginas que divulgam os releases exatamente como foram enviados.
A atitude do Edu em soltar um comunicado como esse assumindo seu problema foi bastante corajosa e honesta, mas e todo o lixo revirado nos dias anteriores? Sabendo da possível repercussão que uma apresentação meia boca no Rio poderia causar, não seria mais digno ter cancelado a participação, então?
Aqui no DELFOS temos uma boa coletânea de histórias para vocês sobre o relacionamento banda e imprensa. Este e este, por exemplo. Inspirado por este caso, estou preparando também mais um texto especial contando os casos mais curiosos e esdrúxulos desta relação, com histórias surpreendentes. Mas isso fica para o futuro.
ALGUMAS COISAS QUE VOCÊ NÃO SABIA SOBRE O ANGRA
Ainda no embalo desta novela mexicana de mau gosto do Angra, seguem alguns fatos que você provavelmente não conhecia sobre a banda:
– O Angra não era e nunca foi uma banda com sua origem nas garagens de São Paulo. O mais correto seria dizer que eles começaram em uma sala de escritório, quando o empresário Antônio Pirani contratou diversos músicos talentosos do conservatório Souza Lima de São Paulo para formar um grupo com seu pupilo e então empresariado, Andre Matos. Portanto, não, os músicos originais não eram amigos de infância, nem começaram a tocar juntos na adolescência ou em barzinhos. A banda já nasceu com um alto potencial estudado e trabalhado (entenda-se $$$).
– Por causa do tópico anterior, bons anos atrás, o Corrales e eu concordamos em apelidar a banda de Backstreet Boys do metal, não por causa de sua qualidade musical, mas por terem sido uma banda “montada” por um empresário, na intenção de fazer dinheiro, não arte.
– Pirani foi empresário do Viper em sua fase áurea na segunda metade dos anos 80 e, sabendo do potencial de Andre após sua saída da banda em 1989, formou um grupo que se adequasse ao estilo do vocalista, pegando um gancho no Heavy Metal Melódico que explodia ao redor do mundo no início dos anos 90.
– Antônio Pirani conhecia os meandros do Heavy Metal porque, coincidentemente, também era (ainda é) o dono da revista Rock Brigade e do selo Rock Brigade Records. Por aí, você pode deduzir muitas coisas!
– Para ajudar ainda mais no processo de dedução, saiba que as resenhas dos álbuns e shows da banda para a revista eram, em sua maioria, escritas por Antônio Carlos Monteiro, o ACM, também assessor de imprensa do Angra e funcionário de Pirani. Hoje, ACM trabalha para a revista Roadie Crew. Isso deve responder para você várias questões sobre a imparcialidade da revista ou quanto à priorização que davam para um ou outro artista. Talvez até mesmo quanto ao merecimento de suas capas.
– Quando rolou o bafafá na imprensa de que o Angra tinha rompido com o empresário, era sobre a quebra de acordo entre Pirani e os integrantes da banda que estavam falando. Curiosamente, nenhum dos músicos integrantes da banda, nem mesmo os da primeira formação, citava o nome de Pirani nas entrevistas. Ele sempre era mencionado como “o antigo empresário”.
– Foi também por discordâncias com “o empresário” que Andre Matos, Luiz Mariutti e Ricardo Confessori saíram da banda em 1999 e acabaram fundando o Shaman.
Essas afirmações não devem ser confundidas com o talento dos músicos e não estou abrindo isso para mostrar que o Angra é uma farsa, muito pelo contrário. O Angra é responsável, sim, por alguns dos melhores trabalhos do Heavy Metal nacional e eu adoro a banda!
Pelo menos três álbuns deles são pedras fundamentais na história da música pesada nacional e a qualidade técnica dos músicos é indiscutível.
Isso sem contar o sucesso conseguido por eles em países distantes como França e Japão, coisa só conseguida pelo poderoso Sepultura de outrora.
FÃS NÃO PRECISAM ACEITAR DESRESPEITO
Mas o fato de gostar da banda não me impede de também ser crítico e reconhecer que “infelizmente, eles têm dias ruins!”. O Rock In Rio foi um deles, e tentar provar o contrário é apenas nadar contra a correnteza e insistir no erro. Por que não adotar uma postura “não fizemos o nosso melhor, mas vamos dar a volta por cima”? Humildade gera simpatia e respeito. Arrogância leva a antipatia. Ao invés de xingar um jornalista que deu sua opinião, deveriam se desculpar aos fãs pela performance fraca.
Se a banda vai continuar com Edu ou sem Edu, vai fazer uma pausa ou qualquer outro lance, é uma decisão única e exclusivamente deles, mas eu, além de fã, também sou redator do DELFOS e tenho a obrigação de vir aqui e falar “sim, o show foi péssimo”, e falo isso porque sei o potencial desses caras.
É indiscutível a relevância do nome Angra na história da música pesada nacional, servindo de inspiração para muitos jovens músicos. Justamente por respeito à própria história, e como exemplo para os fãs, a banda deveria se concentrar no que faz melhor (música) e aprender a encarar críticas como oportunidade de crescimento. Aliás, com seus 20 anos de carreira, era algo que já deveriam ter aprendido a essa altura. Pense quanto VOCÊ amadureceu nesse tempo.
Todos têm dias ruins e ninguém aqui está contra eles. Se um jornalista escolhe fazer um texto reflexivo sobre uma banda, ainda que esse texto seja ácido, não significa que ele odeia o grupo. Normalmente, como no caso do Ricardo Seelig, significa EXATAMENTE O CONTRÁRIO!
Para comparar, em termos de porrada, ninguém agüenta mais encheção de saco do que o Andreas Kisser do Sepultura. Em toda entrevista, ele tem de responder sobre uma reunião com a formação clássica, relacionamento com os Cavalera, depoimentos polêmicos do Max, o que achou do novo do Soulfly, mas NUNCA vi Andreas perdendo a linha em público ou xingando algum jornalista.
Muito pelo contrário, em todas as oportunidades, ele sempre foi educado e simpático com todos, inclusive comigo na entrevista que fiz com ele há sete anos, onde cutuquei a onça com vara curta em diversos momentos (e olha que sou um baita fã dos caras, com tatuagem do logo e tudo mais).
O raciocínio para o Angra é simples: ao ir contra jornalistas, eles estão também indo contra fãs, afinal, nós que escrevemos sobre música, também ouvimos música. Pior do que isso, estão desrespeitando e maltratando pessoas que ajudaram a banda a chegar no patamar que estão hoje. E esses jornalistas fizeram isso não por obrigação contratual com o dono de uma revista, mas por realmente acreditar na qualidade da banda.
Assim como em 1999, quando a formação original se separou, esperamos honestamente que a banda possa renascer em todo seu esplendor.