Mafia II

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Se alguém de bom senso criasse uma lista com os jogos mais importantes da primeira década do século XXI, certamente Mafia, lançado em 2002 e também resenhado por mim, ocuparia lugar de destaque ao lado de Diablo II, Resident Evil 4, GTA IV e outros petardos.

Apesar de não revolucionar o gênero criado por Driver (mundo aberto em 3D) ainda no primeiro Playstation e aperfeiçoado em GTA III alguns anos depois, Mafia trazia uma parte técnica impecável aliada à trama fantástica ambientada na época da grande depressão (anos 20 e 30 do século passado). Nele, acompanhávamos a vida de Tommy Angelo, de um taxista comum até se tornar um mafioso respeitado e braço direito de Don Salieri, o chefão mais temido dos EUA.

Mafia foi um marco e, quando bons anos depois, anunciaram uma continuação, fiquei com a pulga atrás da orelha: aquela história não deixava margens para uma sequência, a não ser que focasse acontecimentos paralelos.

Mas não, Mafia II chegou – finalmente – oito anos depois, e muita coisa aconteceu de lá para cá, só esqueceram de contar para o pessoal da 2K que não estamos mais em 2002.

MAFIA II

A nova história acompanha a vida do imigrante italiano Vito Scaletta, de 1943 a 1955. Fugindo do regime fascista de Mussolini, a família Scaletta (Vito, sua irmã Francesca e seus pais, Antonio e Maria) desembarca nos EUA em Empire Bay (cópia de Nova Iorque) nos anos 30 em busca de melhor qualidade de vida.

Mas nos EUA, o pai de Vito nunca conseguiu dar a tal qualidade de vida desejada para a família, e ficou relegado a trabalhar em subempregos braçais no porto de Empire Bay. Por conta do esforço físico excessivo, problemas com álcool e muita frustração, morreu cedo, deixando todos com uma série de dívidas.

Vito não pretende seguir os passos frustrados do pai, apesar dos conselhos e inseguranças de Maria. Desde jovem, o italiano mostra ambição para “atalhos financeiros” e isso significa entrar para o lado negro da força ao lado do amigo falastrão, Joe Barbaro.

Em um pequeno roubo na adolescência, Vito é pego pela polícia. Para não ter de cumprir pena na cadeia, se alista como pára-quedista do exército norte-americano e vai lutar ao lado das forças aliadas na 2ª Guerra Mundial, justamente na Sicília (Itália), onde tem o primeiro contato com alguns chefões locais (você joga tudo isso que acabei de mencionar como uma espécie de tutorial).

Ferido em batalha e de volta para casa, nosso protagonista pretende retornar ao mundo do crime ao lado de Joe, como auxiliar dos novos mafiosos que estão surgindo em Empire Bay.

Essa é a premissa principal da história e, como você deve imaginar, vai seguir toda a escalada de Vito no mundo do crime organizado, com as reviravoltas e tragédias comuns ao gênero. Enquanto o primeiro Mafia teria como principal inspiração o clássico O Poderoso Chefão, o segundo exemplar pega várias referências de Os Bons Companheiros.

LIGAÇÕES COM O PRIMEIRO JOGO

Até aí tudo bem, mas cadê a ligação com primeiro e maravilhoso jogo, pô?

As únicas citações que temos a Lost Heaven, Tommy Angelo ou Salieri aparecem nas freqüentes e longas telas de loading do jogo, com depoimentos dados no julgamento do “chefão dos anos 30”.

A verdade é que Mafia II poderia ter qualquer nome, já que não herda nada de seu antecessor. Você não vê os mesmos personagens, a mesma cidade, nem a continuação de uma história. É um jogo totalmente novo, cheio de problemas antigos, que pega o nome emprestado de um clássico e tenta se vender como uma continuação fajuta.

Sendo justo, numa das últimas missões, o jogo coloca uma forte conexão com o primeiro. Se você terminou o Mafia, sabe que o final ocorre praticamente nos anos 50, justamente a época do ápice de Mafia II e, bom, já contei demais. Mas é meio por acaso também, quase uma desculpa para justificar o nome.

Claro que você pode argumentar que os GTAs da vida também seguem essa dinâmica de ter uma história e personagens diferentes em cada jogo. Mas mesmo assim, ainda tem ligações entre eles. A famosa Liberty City já foi usada em alguns dos exemplares e, de qualquer forma, aquela série tem personagens bem desenvolvidos e resolvidos, ao contrário de Mafia II.

COISAS PARA FAZER

Sem contar que a própria Liberty City de GTA IV é uma cidade viva, cheia de coisas bacanas para fazer, mesmo que você não queira seguir a história principal. Além disso, sempre temos a opção de causar o caos, explodir coisas e fugir da polícia, sendo que nos níveis mais avançados de perseguição, os agentes da lei contam com helicópteros e blindados.

Já em Mafia II, se você não quiser seguir a história principal, pode… ahn… comprar roupas? Interessante pra caramba, né? Claro que existe a opção de matar transeuntes na rua e colocar a polícia no pé, mas mesmo isso é muito mais chato de fazer do que em GTA. Se você estiver com o nível máximo de “procurado”, por exemplo, a única diferença está na arma que os policiais utilizarão contra você (ao invés das pistolas simples, usarão escopetas e metralhadoras thompson), já que as viaturas são sempre as mesmas e também não aparecem em maior número.

Uma vez que se acaba a boa história principal, não existem sidequests ou maiores atrativos, e isso também torna o título enjoativo. Sim, você pode roubar carros e vendê-los no porto ao sul, mas qual a utilidade se o dinheiro é praticamente inútil (a não ser que você realmente goste de comprar roupas) e tudo o que você precisa para encher seu estoque de armas já vem das missões principais?

MULHER PELADA

Ah sim, existem revistas Playboys clássicas escondidas pelo cenário para você procurar, mas elas são tão úteis quanto as bandeiras do primeiro Assassin’s Creed. Se você se interessa por troféus, vai perder tempo com isso, caso contrário, não vai dar a mínima, como foi o meu caso. Antes que você ofenda minha masculinidade, saiba que as tais Playboys só mostram imagens normalmente comportadas, embora contenham nudez.

Falando em atributos femininos, outro fator que pesa na comparação com o primeiro Mafia é a falta de personagens deste sexo. No jogo inteiro, não temos nada, apenas prostitutas, a mãe do protagonista que morre logo no começo e a irmã que some depois de um tempo. O envolvimento com Tommy no primeiro jogo seria complicado se não tivéssemos uma namorada e futura família para proteger. Já Vito é quase um personagem assexuado e raso como um pires. Em nenhum momento eu me importei com o que poderia acontecer com ele ou senti vontade de cometer uma vendetta.

MISSÕES

E as missões? Ah, as missões são exatamente aquilo que você já está cansado de jogar nos outros exemplares do gênero: entre silenciosamente em um armazém? Desovar um corpo fora da cidade? Dê uma “lição” em alguns jovens rebeldes que invadiram seu território por imaturidade? Vá atrás de um gangster traidor? Tudo isso apareceu no primeiro Mafia e volta aqui também.

Apesar de se vender como um clone de GTA IV, Mafia II é bastante linear por esta falta de opções na cidade e, recriando o pior dos jogos antigos do gênero (GTA III mesmo), também temos a chatice de dirigir longas distâncias até o local aonde sua missão vai efetivamente começar. Os produtores acham que isso realmente é uma boa idéia, porque quase todas as missões ocorrem exatamente do lado oposto da cidade onde você está. Isso significa que, se por algum azar do destino, você morrer pelo caminho, terá de recomeçar de novo lá de trás. Os saves são todos automáticos, só quando rola algum avanço na história, nos populares checkpoints, então é comum você roubar umas lojas para juntar dinheiro, morrer no caminho pra missão e ter que começar de novo.

UM JOGO QUE PARECE SER DE OITO ANOS ATRÁS

Sobre a engine que mencionei acima, é isso mesmo, o jogo pega emprestado um sistema gráfico muito parecido com o do primeiro Mafia, de oito anos atrás. Arrisco que Lost Heaven tinha um cenário mais diversificado do que Empire Bay (autódromo, aeroporto, campo, etc). Isso fica bastante claro quando você tenta se localizar na cidade sem ter de recorrer ao mapa (e aguardar um pequeno loading) e começa a reparar que já passou por ali antes ou viu aquele mesmo prédio em outro lugar. O interior dos locais também não é muito inspirado, passando uma impressão de naftalina.

A jogabilidade também sofre com a falta de inspiração. Temos dois modos distintos: a luta desarmada e a armada. O jogo com armas funciona como em GTA IV, exatamente a mesma coisa. Já a luta desarmada é mais focada em esquivas e contra-ataques, mas os golpes são forçados e o jogo não parece muito desenvolvido neste aspecto.

CHOQUE CULTURAL

O modelo dos personagens principais é bem feito e diferenciado, mas os NPCs que você encontra pela rua são bastante genéricos e muito parecidos entre si. O mesmo acontece com os carros. O jogo não traz muitos modelos diferentes (são mais ou menos 20 em cada época), mas foi competente ao reproduzir as mudanças apresentadas entre os anos 40 e 50, de quase calhambeques a automóveis mais próximos aos nossos dias. Mesmo assim, a quantidade é pequena, com grandes variações apenas nas cores disponíveis.

O choque cultural entre os anos 40 e 50 também está presente nas rádios. As fases ambientadas nos anos 40 têm muito Jazz, Country e Blues. Já nos anos 50, pegamos o nascimento do Rock ‘n’ Roll, com clássicos do Bo Diddley, Little Richard e Chuck Berry, por exemplo. Uma coisa legal é quando completamos alguma missão e na rádio aparece uma chamada do tipo “interrompemos nossa programação para um boletim urgente sobre um tiroteio ocorrido em (nome do lugar onde você estava)”. Isso foi uma idéia inteligente dos produtores, embora não seja muito original. Pena que não é aplicada em outros trechos.

A parte sonora, aliás, está muito boa. As dublagens são ótimas e os sons na cidade bastante convincentes, ao contrário dos gráficos sem criatividade.

Pois é, amiguinhos, lendo até aqui você deve achar que este jogo é uma bomba grande, gorda e fedida, mas também não é assim. Mafia II tem – sim – o seu charme e algumas missões interessantes, apenas falha em repetir a combinação de sucesso do exemplar de onde herdou o nome. Não temos personagens interessantes ou mesmo uma história que te prenda. Tudo é genérico e já foi feito antes maior e melhor.

Ao invés da bela evolução de gênero apresentada por Mafia em 2002, temos apenas mais um jogo esquecível em mundo aberto.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
mafia-iiAno: 2010<br> Gênero: Mundo aberto<br> Plataforma: PS3; Xbox 360 e PC<br> Fabricante: 2K Czech<br> Versao: PS3<br> Distribuidor: 2K Games<br>