E o decepcionante diretor M. Night Shyamalan volta com seu primeiro filme não-continuação desde A Visita (2015). E nossa crítica Tempo tem um twist digno do sujeito. Mas, ao contrário da obra dele, não vou deixar isso para o final, e vou fazer a revelação aqui mesmo, no primeiro parágrafo. Tempo é o primeiro filme de M. Night Shyamalan do qual eu gostei muito desde O Sexto Sentido (1999).

CRÍTICA TEMPO

Tempo é aquele tipo de filme que funciona muito bem no Netflix. Sabe quando você está zapeando, a fim de ver um suspense ou algo do tipo, encontra algo que parece interessante e manda ver sem muitas expectativas? Por mais que eu tenha gostado do filme, acredito que ele teria sido ainda mais especial num caso como esse. E isso é obviamente impossível para um longa de um diretor famoso estreando no cinema. Mais ainda quando o filme tem um título tão claro quanto este.

Crítica Tempo, M. Night Shyamalan, Gael Garcia Bernal, Delfos
Um pássaro voou com meu hot dog!

Então vamos lá, eu vou falar da sinopse, embora ela até fique bem clara tanto pelo título original (Old) quanto pelo brasileiro. Em Tempo conhecemos um grupo de pessoas de férias. O gerente do hotel oferece levá-los para uma praia secreta e linda. Eles topam. Chegando lá, papo vai, papo vem, eles eventualmente descobrem que não dá mais para sair. E pior, nessa praia, cada 30 minutos faz seus corpos envelhecerem um ano.

Crítica Tempo, M. Night Shyamalan, Gael Garcia Bernal, DelfosTENSO E DRAMÁTICO

É o tipo de história que realmente me atrai. Prenda um grupo de pessoas diferentes em um espaço relativamente pequeno, e veja o drama se desenvolver. Nesse caso, há também um aspecto místico na coisa toda, no tempo que passa mais rápido para quem está dentro da praia. Isso aproxima a história do terror, mas a narrativa em si está mais próxima de um drama. É um terror dramático, digamos assim.

O que o roteiro faz com essa premissa é fantástico. Ele realmente faz render o drama que cada um dos personagens sofreria nessa situação. Não vou dar exemplos muito específicos, mas um caso que fica claro desde o início envolve as crianças. Já pensou ir do corpo de uma criança de seis anos para o de um adulto totalmente desenvolvido em poucas horas? E mantendo a cabeça de uma criança? Isso é só um dos casos que Tempo elabora.

CRÍTICA TEMPO: TIME IS MONEY! OH, YEAH!

Tempo me deixou realmente tenso durante toda sua duração. Isso porque a passagem do tempo é um assunto sensível para mim, particularmente. Minha vida toda senti uma pressão enorme da sociedade, família, amigos e até de mim mesmo para seguir o tempo estabelecido pelos outros como correto. Há uma exigência generalizada para as coisas acontecerem em momentos específicos da vida, sem possibilidade de variação.

Em geral, as pessoas esperam que você faça uma graduação, uma pós, arranje um bom emprego, case, tenha filhos e fique milionário. Mais ou menos nessa ordem e de preferência antes dos 30. E eu nunca fui bom em seguir esses modelos. Como diria o grande filósofo Scatman John, “I wanna be a human being, not a human doing“.

Me machuca muito sentir que a vida, a sociedade e eu mesmo, simplesmente não dão o tempo necessário para eu guiar minha vida e meu crescimento da forma que gostaria, para poder evoluir espiritualmente. Mas isso talvez seja um tema melhor elaborado em um número da coluna “Pensamentos Delfianos“. Vamos até fazer um joguinho: se esta crítica tiver pelo menos cinco comentários, eu me comprometo com meus queridos leitores a fazer este texto. Alternativamente, se alguém assinar o DELFOS hoje no Padrim, eu faço esse texto e cito o novo assinante como o patrocinador direto dele!

Voltando ao filme, mesmo ignorando o aspecto filosófico, tem uma enorme quantidade de cenas e situações aflitivas por aqui. O filme em si é PG nos EUA (equivalente ao nosso “censura livre”), pois não tem cenas explícitas de violência ou de sexo. Porém, teve vários pontos em que eu literalmente ficava com o coração na garganta, com dificuldade até de olhar para a tela, mesmo a tela não mostrando nada de mais. E já que falamos nisso…

A DIREÇÃO DE M. NIGHT SHYAMALAN

Sempre que assisto a um filme do M. Night Shyamalan, eu me lembro desse texto do Carlos Cyrino, um dos meus preferidos dos muitos que ele escreveu para o DELFOS.

Cinco motivos que provam que M. Night Shyamalan é um baita diretor

Em especial, lembro do tópico “ELE TEM ESTILO, E DOS BONS“. Eu concordo com meu amigo Cyrilove: Shyamalan tem um estilo marcante. Porém, ao contrário do meu xará, eu não acho isso legal o tempo todo. Em especial, Shyamalan tem uma tendência a filmar de forma indireta. Tipo, ele filma a ação através de um reflexo, ou mostra atores que não estão falando. Pior, ele oculta 85% da tela focando em uma pedra, e o espectador tem que se virar para descobrir o que está acontecendo no pedacinho em que está acontecendo algo. Tem muitas coisas visuais que ele faz que eu acho ótimas. Porém, essa “filmagem indireta” enche o saco. E Tempo é assim em pelo menos metade das suas cenas.

Outra limitação do cara como contador de histórias – e aí é mais um problema dele como roteirista do que como diretor – é que ele é incapaz de criar algo que não tenha uma revelação ou um twist.

COME ON, DO THE TWIST!

Crítica Tempo, M. Night Shyamalan, Gael Garcia Bernal, Delfos
Volta aqui, pássaro! Devolve meu cachorro quente!

O tipo de história que Tempo conta tem muito a ver com um filme do George A. Romero. “Coloque pessoas em uma situação inesperada e assustadora e veja como elas lidam com isso”. E isso costuma ser o suficiente para um bom filme de terror. No gênero, quanto mais você explica, menos assustadora a obra fica.

Através de várias sementinhas plantadas ao longo da projeção, fica claro que Shyamalan vai querer “revelar” algo. E isso me deixou mais tenso que o filme. Ficava lembrando de A Vila, aquela porcaria que parece só existir para apresentar uma revelação sem graça no final. E temia que Tempo, que estava ótimo sem precisar disso, seguisse por esse caminho.

Felizmente, a revelação aqui é até satisfatória, e eu gostei da forma que o longa acaba. Não é como eu teria feito. Particularmente, eu terminaria de forma mais aberta e menos mastigadinha, de preferência com alguma metáfora metafísica. Mas o caminho que ele segue também foi legal e bem feito, encerrando a história sem deixar um gosto amargo na boca de quem assiste.

The game is on: quem vai ser o primeiro a comentar de onde saiu a frase do título desta crítica? E as outras referências? Quantas você consegue encontrar?

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