O amigo delfonauta já perdeu alguém? Claro, todos nós eventualmente temos que lidar com a morte de pessoas queridas. Alguns deles são parte inevitável da vida. Por mais que gostemos de nossos avós, é natural que eles morram antes da gente. Dói, mas é algo esperado, a gente sabe que vai ter que suportar isso um dia.

O que dói muito mais é a perda de alguém em algo que costumo chamar de acidente de percurso. Alguém que tenha a sua idade ou seja até mais novo. Um irmão, um amigo. Um colega de escola. Alguém cuja causa da morte não possa ser atribuída à velhice propriamente dita. É bem mais difícil aceitar. Eu perdi a minha mãe em um desses acidentes. Eu tinha apenas 23 anos, e ela tinha só 55. Doeu muito. Ainda dói. Mesmo mais de uma década depois, foi um dos desafios mais difíceis que o destino colocou na minha frente.

Blackwood Crossing, como você já deve ter adivinhado, é uma história sobre perda, e como a morte afeta as pessoas ao redor daquele que foi levado, tanto entes queridos como pessoas nem tão próximas. Mais do que isso, é a história da relação entre dois irmãos. Scarlett é a protagonista, uma gentil adolescente que está sob o controle direto do jogador. Finn, o irmão, é mais jovem. É brincalhão e, sinceramente, um tanto irritante. Como todo caçula, aliás.

É clara a relação de afeto de Scarlett com Finn. Boa parte da curta duração de Blackwood Crossing, você passa correndo atrás dele. Ele foge, ele brinca, ele apronta. Ele é uma criança.

O visual cartunesco pode dar a impressão de que temos aqui uma história bonitinha e engraçada. Não é. Nem de perto. Não é a intenção, aliás. A intenção é fazer você sentir. E sentir você vai.

FECHA OS OLHOS E CONTA ATÉ MIL

O gameplay é bem simples, sendo pouco mais de um walking simulator. Os puzzles mais comuns envolvem pessoas com máscaras que soltam umas frases soltas. Você deve descobrir para qual personagem aquela frase foi falada, e fazer a combinação. Isso junta os dois e você pode ouvir um trecho da conversa, avançando assim a história. É um quebra-cabeça focado em diálogos.

Há outros puzzles, mas são menos intuitivos. Você pode ter que encaixar dobraduras em suas contrapartes reais, por exemplo, o que admito que me deixou empacado, já que o jogo não é muito claro ao mostrar com o que você pode interagir. E em determinado momento você também ganha o sopro da vida, o que é tão mágico quanto parece.

Felizmente, o visual colorido é tão bonito e a música é tão sossegada que torna toda a experiência muito agradável. Mesmo empacado, Blackwood Crossing passa uma serenidade marcante. A música que encerra o jogo, então, a única cantada da trilha sonora, é de tirar lágrimas.

Como jogo, mesmo como um walking simulator, Blackwood Crossing não é dos melhores ou mais elaborados. Ainda assim, sua história ressoou bastante comigo e acredito que vai ressoar com qualquer pessoa que perdeu alguém importante antes da hora. Não é um daqueles jogos espetáculo, um blockbuster cheio de explosões e ação, dos quais eu inclusive gosto muito. Como um bom filme indie, é uma experiência mais sensível e pessoal. E é daí que vem todo seu charme.

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nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
blackwood-crossingPlataformas: Xbox One, PS4 e PC<br> Versão analisada: Xbox One<br> Desenvolvedora: PaperSeven<br> Editora: Vision Games<br> Ano: 4 de abril de 2017<br> Gênero: Walking Simulator com puzzles leves