Asterix – O Dia em que o Céu Caiu

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Que Tutatis seja louvado! Passados quatro anos desde o último número, Asterix e Latraviata, finalmente Albert Uderzo nos brinda com mais uma aventura dos gauleses mais famosos e divertidos do mundo. Mas contenham a alegria, pois O Dia em que o Céu Caiu é muito diferente do que estamos acostumados a ver nos quadrinhos de Uderzo. Mas vamos por partes.

A arte continua espetacular. Uderzo como sempre dá um show de expressividade em cada um dos personagens que, embora estejam parados têm mais movimento do que muito filme por aí. Outra boa notícia é que a mequetrefe Editora Record, que lançou todos os Asterix em nosso país parece finalmente ter se dado conta da qualidade do material que tinha em mãos e decidiu dar uma impressão decente para este número e, pela primeira vez nas aventuras gaulesas, o que é para ser azul é sempre azul, o que é para ser amarelo é sempre amarelo e assim por diante. Também não temos mais aquele problema de alinhamento nas tintas que fazia parecer que os desenhos estavam tremendo. Uma medida bem-vinda, mas um pouco tarde para o meu gosto, já que a obra-prima de Uderzo e Goscinny merecia ter recebido esse tratamento desde o primeiro número. E, considerando que a Record sempre cobrou pelos Asterix o dobro ou, em alguns casos, até o triplo do preço de um gibi tradicional que normalmente têm uma qualidade técnica muito superior, convenhamos: não fez mais que a obrigação dessa vez.

Agora vamos à história: a aldeia gaulesa é invadida por alienígenas da estrela Walneydist (um óbvio anagrama para Walt Disney), que vieram confiscar a poderosa arma secreta da aldeia (a poção mágica) para ser usada em sua guerra contra os habitantes do planeta Gnama (outro óbvio anagrama, desta vez para Mangá).

Não precisa ser nenhum gênio para sacar onde Uderzo queria chegar com isso. Com a atual popularização da cultura Pop japonesa, até mesmo os desenhos e quadrinhos estadunidenses estão sofrendo influência dos nossos amigos nipônicos. Os invasores representam os dois grandes impérios atuais da cultura Pop, invadindo um pacato território, ou seja, a cultura Pop francesa, representada pelos súditos de Abracurcix.

É curioso ver também a representação de Uderzo para os invasores. Tuncar, o primeiro a aparecer, é pequeno, fofinho e tem orelhas redondas semelhantes ao Mickey. Quando ele chega à aldeia, até consegue se comunicar com o druida Panoramix. Pouco depois, aparecem os superclones (referência a Homem-Aranha?), os xerifes da polícia de seu planeta. E vejam só, é um grandalhão que usa cuecas para fora da calça, roupa azul e capa vermelha. Logo, Tuncar explica que podem transformá-los em superclones morcego e superclones aranha. Com a chegada dos clones, o diálogo já fica bem mais complicado para os gauleses, pois Tuncar começa a falar em deslocamentos antigravitacionais e outros termos comuns nos quadrinhos de super-heróis estadunidenses deixando até mesmo o sábio Panoramix confuso. Isso, é claro, retrata a complicação dos quadrinhos estadunidenses, passando de um inocente personagem de Walt Disney para tramas confusas onde os heróis são clonados, personagens mortos há 30 anos retornam e muitas outras maluquices.

Quando vemos os habitantes de Gnama, é ainda mais engraçado. No lugar dos clones, temos robôs gigantes. O personagem, ao invés de ser redondo e fofinho, é grande e cheio de pose, além de utilizar os mais intrincados movimentos de batalha. Só faltou a câmera-lenta para completar todos os clichês nipônicos.

Uma outra influência dos quadrinhos atuais também atingiu a obra e, dessa vez, negativamente: a diagramação confusa. Admito, quando estou lendo meus gibis do Homem-Aranha, é bem comum eu me perder em meio à terrível e confusa diagramação utilizada pela Marvel. Em O Dia em que o Céu Caiu, não chega a ponto de deixar o leitor perdido, mas está bem mais variado e confuso do que era antes.

Não deixa de ser curioso vermos todas essas referências à cultura Pop no gibi, principalmente se considerarmos que foi justamente por causa delas que Uderzo não gostou da última adaptação cinematográfica dos gauleses (Asterix e Cleópatra, aquele com a Monica Belucci – e que nariz!). E, porque ele não gostou desse filme, é que estamos demorando tanto a ver lançada a próxima adaptação, que será Asterix nos Jogos Olímpicos. Vai entender esse velhinho.

Uma outra coisa que me incomodou um pouco é que os habitantes de Gnama são os vilões da história. Acredito que teria sido mais prudente colocar os Gnamianos e os Walneydistianos no mesmo patamar, sejam como vilões ou heróis. Tudo bem que o livro é dedicado a Walt Disney, um dos maiores tremendões do século passado, mas mesmo assim, isso não ficou legal.

A história é engraçada, mas não tanto quanto os melhores momentos da série. Dá para se divertir bastante, mas não espere rir tanto como nos clássicos. Talvez realmente a obra de Goscinny e Uderzo não combine com referências Pop. Vamos esperar o próximo filme para conferir como vai sair. E torcer juntos para que Uderzo não demore mais quatro anos para nos presentear com uma nova aventura.

Uma curiosidade: A capa desta edição é uma referência direta à capa da primeira aventura dos gauleses, Asterix, o Gaulês. Compare as duas e confira.