As mazelas da Justiça

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Nota: A coluna Pensamentos Delfonautas é o espaço para o público do DELFOS manifestar suas opiniões e pensamentos sobre os mais variados assuntos. Apesar de os textos passarem pela mesma edição que qualquer texto delfiano, as opiniões apresentadas aqui não precisam necessariamente representar a opinião de ninguém da equipe oficial. Qualquer delfonauta tem total liberdade para usar este espaço para desenvolver sua própria reflexão e, como não são necessariamente jornalistas, os textos podem conter informações erradas ou não confirmadas. Se você quer escrever um ou mais números para essa coluna, basta ler este manual e, se você concordar com os termos e tiver algo interessante a dizer, pode mandar ver. Inclusive, textos fazendo um contraponto a este ou a qualquer outro publicado no site são muito bem-vindos.

É impressionante como o povo brasileiro gosta de falar dos “seus direitos” sem nem ao menos pensar no que está pedindo! Sério, quem trabalha em qualquer área jurídica vê as coisas mais improváveis acontecendo devido à falta de informação. E isso acontece nos dois opostos: pessoas almejando direitos que não possuem e pessoas “desperdiçando” direitos que possuem.

Mas, meu objetivo com esse texto não será fazer uma explicação sobre os nossos direitos individuais. Não, a idéia aqui é falar sobre um direito coletivo, colocado como fundamento do Estado Democrático de Direito, no Preâmbulo da Constituição Federal. Para quem não conhece nem a Constituição e muito menos ouviu falar nesse “tal de Preâmbulo”, coloco-o abaixo:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos…” e blá blá blá.

Bonito não é? Palavras deveras bem escolhidas. Até parece discurso de político. Mas já estamos de saco cheio de ladainhas sobre justiça, mostrando como o povo brasileiro é injustiçado, como somos oprimidos e tudo o mais, etc e tal. Porém, como o DELFOS quer que você saia do senso comum, o objetivo do texto também não é esse. É apenas fazer pensar. E, por onde começar? Pelas perguntas mais primitivas, oras: Justiça? O que é Justiça? Ou melhor, o que é justo? O que é injusto?

Como eu falei no começo, pedir sem refletir é uma marca comum da nossa “brava gente brasileira”. Mas, como clamar por Justiça sem analisar o que isso envolve? Não pense que é possível uma resposta categórica e definitiva a alguma das perguntas levantadas. Isso são discussões que atravessam as eras em todas as sociedades ditas civilizadas (eita, frase clichê). O que foi justo no Brasil de 1630 pode não ser no Brasil de 2011. Ou, ainda, o que é justo em aldeias aborígenes da Austrália não é necessariamente justo numa metrópole como São Paulo.

Então, pensar a justiça é algo realmente complexo. Tem uma série de fatores arraigados à questão. Não é simplesmente determinar: isso é bom, isso é mau; isso é justo e isso é injusto.

Matar é justo? Usar a violência é justo? Com certeza imediatamente a palavra que vem à cabeça é NÃO! E, de fato, não é. Em hipótese alguma? E quando isso afeta diretamente aquilo que é mais valioso para você? Não estou falando patrimonialmente, mas emocionalmente.

O que seria justo para um homem que violenta uma criança, a agride em todos os sentidos e ainda a expõe a humilhação pública? E o teu julgamento seria igual caso a criança fosse uma desconhecida e caso fosse tua filha ou filho? Por mais racional que tentemos ser, por mais positivistas que possamos ser, entra em ação a máxima do “dois pesos, duas medidas”.

Não adianta, isso é próprio do ser humano. E que atire a primeira pedra quem for capaz de afirmar que não causaria dano a alguém, mesmo exposto às mais adversas condições.

Agora, para vermos como é complicado estabelecer o que é justo, e, ainda mais complicado sancionar a injustiça, pensemos outro exemplo. Roubar algumas batatas para não morrer de fome é crime? Sim. E ser preso por ter cometido um crime, é justo? Sem dúvida. Mas então, por que diabos jogar fora o que sobra não é crime também? Foi isso que aconteceu, por exemplo, na minha cidade (Guarapuava), onde toneladas de batatas (em bom estado, diga-se de passagem) foram jogadas no aterro sanitário da cidade. Isso não é crime, mas também não é nem um pouco justo, concorda?

Assim sendo, concluímos que atitudes criminalizadas nem sempre são injustiças e vice-versa. O porquê disso é assunto para outra divagação. Basta dizer que é o mesmo princípio de responsabilidade que “força” restaurantes a jogarem fora todos os restos de comida (mesmo que sejam alimentos crus), que poderiam alimentar muita gente. Que belo contra-senso, não?!

Com a evolução dos direitos individuais, nossa sociedade está cada vez mais preocupada em obter “justiça”. Para qualquer lado que você olhe, verá advogados “sedentos por fazer justiça” (sem interesses por trás, obviamente!). É uma palavra que simplesmente não sai da boca das pessoas.

Para a filosofia do direito, Justiça é, toscamente falando, a virtude central da vida do ser humano. É a forma pela qual é possível se encontrar harmonia e equilíbrio social. Não quero dizer aqui que isso está errado. Mas, essa busca por um ideal desconhecido vem, ultimamente, gerando inúmeras iniqüidades.

As pessoas têm constantemente extrapolado o limite do bom senso e procurado meios de benefício próprio em nome da bendita justiça. Isso é pensar que, se eu estou bem, a situação é justa. E isso acontece em todo lugar. No emprego, na escola ou faculdade. Vemos isso até mesmo na religião, onde o que motiva as pessoas, em grande parte das vezes, não é a fé (que todos têm até mesmo os ateus), mas sim os resultados oferecidos. Se o que eu receber em troca estiver bom para mim, então o negócio é justo!

O que me motivou a escrever essa pequena reflexão foi a leitura do mega-tremendão livro O Poderoso Chefão. O personagem principal da trama (impossível não pensar no Marlon Brando), Don Vito Corleone, tem um senso de justiça simplesmente primoroso. O senso de igualdade, eqüidade, devolver o que é devido. Nada mais, nada menos. Simplesmente o que é certo.

A justiça do Don era, em muito, superior à justiça da sua época (a corrupção era marca registrada da justiça estatal). Sua palavra realmente tinha valor. Lógico que não podemos exaltar aqui um personagem que construiu sua vida com o sangue de muita gente. Mas, apesar de implacável com seus interesses, seus valores se refletiam em todas as decisões que tomava. Todos os favores que fazia, e que lhe renderam o título de Don, eram embasados na justiça.

Se formos capazes de ter um senso de eqüidade assim, sem dúvida seremos justos no nosso dia-a-dia. Não estou falando aqui em mudar o mundo. Vamos pôr os pés no chão e deixar de utopia. Mas, não é porque o mundo é injusto que também precisamos ser. Por que não cobrar apenas o que é devido? Por que não cumprir a nossa parte em um acordo na medida exata do que foi combinado?

Mude sua casa antes de tentar mudar o mundo!