A abertura de Animais Noturnos é muito forte. Nela, vemos várias mulheres totalmente nuas dançando, mas o efeito não é o que você espera. As moças em questão não são exatamente bonitas. Na verdade, elas são todas bem obesas, com cicatrizes e mostradas da forma mais distante possível dos padrões de beleza da sociedade atual.
Particularmente, eu não vejo a nudez humana como algo proibido ou polêmico – a não ser, é claro, mamilos – mas admito que fiquei chocado com a abertura. Simplesmente não sabia o que pensar. Seria isso totalmente gratuito? Seria uma demonstração do filme chocante que estaria por vir? Estaria de alguma forma conectado à história de Animais Noturnos? Seria este um filme que encararia de frente os padrões de beleza perpetrados por Hollywood, gritando com vontade “ei, padrões de beleza perpetrados por Hollywood, vá ouvir um pagodão suado!”?
Infelizmente, não é o caso. Seu elenco é composto por algumas das pessoas mais bonitas da atualidade (incluindo uma trinca de ruivas que pelamordedeus), sem falar que são todos magros, padronizados, belos, recatados e do lar. Até para os padrões hollywoodianos, o elenco de Animais Noturnos é um tanto bonito demais (até séries como Mad Men limitam a quantidade de ruivas absurdas a apenas uma).
E passando a abertura, admito que o filme chega a incomodar por outros motivos, parecendo que será um daqueles dramas dos ricos, bonitos e famosos. Quando a personagem da Amy Adams reclama em uma galeria de arte do seu casamento com o galã Armie Hammer (hammer time!), acredito que a maioria das mulheres vai começar a jogar suas calcinhas na tela tentando roubar o lugar dela.
Felizmente, as coisas mudam quando a descendente da família Adams recebe um livro escrito pelo seu ex-marido. Neste ponto, a narrativa se fragmenta e se transforma em três histórias. Há a do presente, mostrando a moça lendo o livro e há a história do livro em si, dando à coisa toda um ar de História Sem Fim. A trinca se completa com flashbacks mostrando momentos importantes do relacionamento da ruivinha com seu novo escritor preferido.
O foco, e sem dúvida alguma os melhores momentos, estão na parte dentro do livro. Se o filme em si, após sua abertura, cai em um assustador mormaço, a história do livro já começa com tudo. Nela, acompanhamos uma família que, ao fazer uma viagem noturna por uma estrada no meio do nada acaba se envolvendo em uma briga de trânsito que sai do controle.
Achei que a tensão na abertura dessa história daria a levada da coisa, mas até que ela é resolvida de forma relativamente rápida e a partir daí vemos o pai de família interpretado pelo Donnie Darko em busca de justiça, auxiliado pelo policial Michael Shannon.
Apesar da tensão diminuir consideravelmente após a cena inicial, esta história ainda responde pelos melhores momentos, sendo a mais desenvolvida e mesmo a mais tensa da trinca. Chega ao ponto de, quando a cena corta para a Amy lendo o livro, dar uma desanimada geral.
As três histórias, no entanto, têm alguns paralelos interessantes e a coisa vai ficando um tanto mais incômoda conforme os fatos da vida real vão ficando mais claros. Ainda assim, as duas histórias da vida real não são suficientemente desenvolvidas para que você realmente se importe com o que está acontecendo nelas. O grosso da qualidade e da tensão é mesmo o que acontece no livro, mostrando que, veja só, o ex da senhora Adams é de fato um talentoso escritor de suspense.
Admito, ao sair da sala de cinema, estava me sentindo incomodado. De alguma forma, a história que tinha acabado de ver tinha, sim, me tirado da minha zona de conforto. É uma pena que não tenha conseguido fazer isso de forma tão forte quanto a sua abertura, que sem dúvida será o que realmente vai vir à mente quando eu pensar em Animais Noturnos.