Caros delfonautas, confesso que essa resenha saiu do forno bem atrasada, especialmente se compararmos com outros veículos que publicaram a crítica do Temple Of Shadows menos de um mês após seu lançamento e eu estou, pelo menos, uns 6 meses atrás. Mas quero me desculpar esclarecendo que o último trabalho do Angra não é algo de fácil audição, portanto esperei a poeira abaixar para escrever com calma, sem me deixar influenciar pelas opiniões que alardeavam este CD como o melhor trabalho dos paulistanos. Afinal, o DELFOS não se diferencia dos outros veículos pela rapidez com que publica as matérias (embora quando cobrimos um show, somos sempre os primeiros a publicar), mas pela quantidade de detalhes que tratamos em nossos textos.
Antes de falar da música em si, peguemos o conceito, idealizado pelo guitarrista Rafael Bittencourt. E aqui entra um parágrafo escrito pelo nosso amigo, Carlos Eduardo Corrales, que você lê a seguir: “Extremamente alardeada pela grande mídia como sendo um conceito inédito, nós que entendemos do babado, dizemos que de inédito não tem nada, já que muitos já enveredaram pelo lado psicológico de um guerreiro medieval e um número de bandas ainda maior já fez músicas que criticavam a igreja. Além disso, um dos grandes baratos do Metal é o fato de as bandas escreverem sobre os heróis da literatura romântica de seu país de origem em suas músicas. Ou seja, não é certo dizer que o Metal em geral, fala de elfos, espadas, guerreiros medievais e trovões. Isso acontece porque esses eram os assuntos abordados por esse movimento literário na Europa, lugar de origem da maior parte das grandes bandas. Os estadunidenses do Manowar, por exemplo, sempre se enveredaram mais pelo lado místico dos americanos nativos, vide Defender e Black Wind Fire and Steel. Já o Angra sempre entendeu isso e seguiu pelo lado dos nossos heróis e temas românticos, como o descobrimento da América, considerada Terra Santa (Holy Land) pelos descobridores. Com a nova formação, a banda se aproximou do Metal europeu com Rebirth e agora segue nesse caminho com o conceito de Temple of Shadows”.
Ainda assim, a história parte de uma premissa interessante: durante as cruzadas pela conquista de Jerusalém no século XII, um dos cavaleiros invasores (chamado Shadow Hunter – eita nomezinho clichê) é ferido e socorrido pelos “infiéis” muçulmanos, justamente aqueles que ele combatia. Perturbado pelas contradições encontradas na religião católica e hospitalidade dos “inimigos”, o cavaleiro desiste de suas antigas crenças e passa a morar no oriente médio, chegando a se casar com uma mulher islâmica.
Para complementar a experiência, o encarte é bem completo com alguns dados históricos relevantes e uma contextualização antes de cada música para situar o ouvinte. Algumas frases em latim também aparecem distribuídas nas folhas mas, infelizmente, a fonte escolhida e o seu tamanho dificultam a leitura, mesmo para os fluentes no idioma. No geral, tirando esse vacilo, a parte gráfica é excelente
O Angra atual já não é mais novidade então não irei me ater na técnica e no histórico dos integrantes. Só gostaria de destacar uma coisa: a evolução de Edu Falaschi. O cara tinha uma voz bem característica nos tempos do Symbols, mas para a gravação do Rebirth eu o senti um pouco travado, sem desenvolver seu potencial (ouça a música Eyes In Flames do Symbols para entender onde quero chegar) o que é compreensível, já que a banda vinha de uma troca drástica de formação e precisava provar que não herdou apenas o nome dos velhos tempos. No Temple Of Shadows, já consolidado, Edu se soltou e mostra seu valor.
O instrumental está mais progressivo do que nunca. Se você achava o Holy Land um álbum com influências de Dream Theater e congêneres, espere até ouvir o Temple of Shadows. As quebradas nos ritmos, riffs esparsos aqui e ali, mudanças bruscas no tempo de cada composição, viradas na bateria, tudo isso se faz presente mas com um custo alto: a musicalidade com influências brasileiras.
O Angra sempre se destacou por misturar Metal com MPB, Bossa Nova e até alguma coisa do Samba raiz. Infelizmente, essa variedade não deu as caras desta vez a não ser pela participação de Milton Nascimento. Para os fãs antigos, essa característica fez falta e não é pra menos, afinal uma das principais identidades da banda era essa mistura.
Talvez como uma grande jogada de marketing para chamar a atenção da imprensa internacional (que não recebeu o Rebirth com os mesmos olhos que tinha para a formação antiga), o novo trabalho do Angra também trouxe várias participações especiais, entre elas Kai Hansen (Gamma Ray), Hansi Kürsch (Blind Guardian), Sabine Edelsbascher (Edenbridge) e o já citado Miltão. De todas as participações, com certeza a de Kai e a de Milton são as que mais se destacam e vou explicar o porquê na descrição das músicas abaixo.
As primeiras quatro faixas: a instrumental Deus Le Volt, Spread Your Fire, Angels and Demons e Waiting Silence são absurdamente legais e superam o começo de quase todos os álbuns da banda, com destaque para Waiting Silence, em minha opinião a melhor música do Angra desde Wings of Reality do Fireworks. Daí para frente, contudo, temos uma alternância entre altos e baixos.
Wishing Well é uma baladinha mamão com açúcar e lembra Fairy Tale do Shaman (agora Shaaman). Ainda não decidi se isso é bom. Depois temos a boa Temple of Hate, com a participação do mestre Kai Hansen. Esse também tira até leite de pedra, é o Midas do Metal (ouça a maravilhosa Time Machine do Heavenly) e com Temple of Hate não é diferente. É a faixa mais pesada e divertida do álbum, aquela para cantar junto nos shows nos próximos anos.
The Shadow Hunter conta a história do cavaleiro de mesmo nome (aquele do clichê). É uma música calma, mas com uma parte belíssima em sua metade cantada por um pequeno coro de vozes lembrando bastante o Rock Progressivo do Yes nos anos 70.
Mais uma baladinha morna com No Pain For The Dead. A música em si não é ruim, mas o excesso de baladas faz com que o Temple of Shadows se torne um trabalho preguiçoso a partir deste momento (o mesmo problema dos shows atuais dos caras). Na seqüência temos Winds of Destination, a faixa que conta com a participação especial de Hansi Kürsch, do Blind Guardian. Infelizmente, essa aparição é um grande desperdício pois a música, apesar de pesada, é fraca e parece estar lá apenas para tapar buraco.
Continuando com a seqüência irregular, temos mais uma balada com momentos pesados em Sprouts of Time. Outra composição genérica que não deve aparecer nos shows e será esquecida com o tempo. Seu único pedaço interessante é uma virada em sua metade que mistura alguns ritmos latinos e mostra que o Heavy Metal pode ser muito versátil, como o próprio Angra já demonstrou nos trabalhos anteriores.
Na seqüência temos Morning Star com sua levada irregular, mas bons momentos, especialmente no clímax orquestrado em seu final. Sinto que essa faixa não foi tão bem trabalhada como poderia pois ela tem muito potencial. Infelizmente, é mais uma fadada ao ostracismo.
Late Redemption é a curiosa participação de Milton Nascimento. Bem ao seu estilo, o cantor faz um dueto com Edu Falaschi onde interpreta suas linhas em português enquanto o vocalista do Angra responde em inglês. A idéia é bem interessante e mesmo os mais céticos hão de concordar que a música caiu como uma luva para a voz do mestre da MPB. Milton provavelmente mandaria absurdamente bem em uma música pesada, já que técnica o cara tem. Contudo, a banda decidiu não arriscar e fez o óbvio: uma balada bem feitinha. Gostaria muito de ver Milton subindo aos palcos com o Angra em algum show, seria um evento histórico (e, segundo as fontes delfianas, deveria ter acontecido no show do último sábado, cuja resenha você lê aqui ainda essa semana, onde a banda gravou outro DVD – provavelmente para competir com o DVD cheio de convidados do Shaman). O CD encerra com uma novidade, mais uma música instrumental: Gate XIII, que retrata a morte de Shadow Hunter em um clima sombrio e diferente do Angra alegre dos outros álbuns.
Tudo é muito bem produzido (responsabilidade do experiente Dennis Ward – baixista da banda Pink Cream 69) mas tenha uma coisa na cabeça: empolgações à parte, Temple of Shadows não é o melhor álbum do Angra como algumas publicações falaram exaustivamente. Esse título, na minha opinião, segue firme com o debut Angels Cry, mas o novo trabalho traz sim algumas novidades ao som dos paulistanos e vale o seu preço. De 0 a 10 eu dou 7,5.
Para finalizar, acredito que essa resenha e o álbum em si podem ser resumidos em uma pergunta: você reparou quantas vezes eu utilizei a palavra “balada”?