Sabe, pra mim já deu. Com tantos soulslikes saindo quase diariamente, eu simplemente não tenho mais saco para suportar a dificuldade extrema que costuma vir com o gênero. Então me habituei a sempre checar se ele dá opções de ajuste de desafio e acessibilidade antes de aceitar o review. E veja só, nesta análise No Place For Bravery você vai conhecer este que é o primeiro jogo brasileiro do gênero a não usar de gatekeeping para se sentir de alguma elite imaginária.
ANÁLISE NO PLACE FOR BRAVERY: PELO FIM DO GATEKEEPING
Eu tenho muito a falar de No Place For Bravery. Mas o mais importante para mim no gênero no momento é a acessibilidade. E olha que lindo!
Dá para tunar vários aspectos do desafio. Não dá para ficar de fato invencível, como em Steelrising. Mas dá para tunar bem vários aspectos, muito além do tradicional “fácil, normal e difícil”. Dá para deixar uma característica mais difícil, outras mais fácil. E dá para mudar a qualquer momento pelo menu, sem nem precisar reiniciar checkpoint. Coisa linda. E o fato de eu ter jogado este imediatamente depois de Steelrising me faz querer acreditar que esta é a tendência do gênero. E, cara, eu quero acreditar!
No Place For Bravery não é totalmente “não babaca”, no entanto. Por algum motivo, inventaram por desligar a pausa deste jogo totalmente offline. Já falei muito dessa modinha por aqui e continuo sem entender o apelo de desligar uma função básica dos games. Um dia ainda viverei para ver os serviços de streaming desligar a função rewind “em favor da imersão”.
ANÁLISE NO PLACE FOR BRAVERY: UM SOULSLIKE ZELDALIKE
Hoje a gente costuma chamar os games que seguem a fórmula imortalizada por Dark Souls como soulslike, soulsborne, etc. Porém, como a maior parte dos lançamentos independentes do gênero, No Place For Bravery tem visão de cima. Então, dependendo da sua idade, é capaz de você considerá-lo um Zeldalike.
Claro, você, como um delfonauta antenado, sabe que este tipo de game focado em exploração foi popularizado por Zelda lá na época de outrora. O que Dark Souls fez foi acrescentar outras regras, como gameplay de combate com barra de stamina, o frasco de cura, e o funcionamento dos checkpoints. E é por ter tudo isso que eu classifico No Place For Bravery como um soulslike e não como um zeldalike. A única característica “padrão” do gênero que ele não usa é perder XP/dinheiro ao morrer. Graças ao olho furado de Odin!
UMA HISTÓRIA DRAMÁTICA E BEM HUMORADA
Outro diferencial de No Place For Bravery é a importância de sua história. Você controla Thorn, um guerreiro aposentado que teve sua filhinha raptada anos atrás. Ao encontrar um amigo do passado, ele percebe pistas que podem ajudar a encontrar a pimpolha. Daí vai ele e seu filho adotivo atrás da menina.
É uma história dramática, e Thorn é um daqueles “babacas atormentados” estilo Kratos. Porém, ao contrário de God of War III, o game te dá várias opções para voltar atrás e não continuar com as coisas horríveis que está fazendo.
Escolher desistir no meio do caminho literalmente encerra a história. Você vê um final refletindo sua decisão, seguido dos créditos e retorno para a tela título. De lá, dá para recarregar seu save de onde parou e continuar a aventura. É uma opção curiosa. Afinal, se você quer jogar até o fim, não pode desistir. Mas ao mesmo tempo você sempre tem opção de parar antes de fazer mais coisas horríveis.
“CORRALES, VOCÊ FALOU BEM HUMORADA?”
Falei, voz da minha cabeça! A história em si é bem séria, mas o jogo não se leva tão a sério. Ele faz várias referências a obras da cultura pop e ocasionalmente algum personagem até arrisca uma piadinha. Isso sem falar da ultraviolência. Sei lá, tem algo muito crocante em ver pixel art se cortando em pedacinhos.
Aliás, o visual de No Place For Bravery é muito legal. Totalmente pixelado, do tipo de você nem consegue entender direito alguns personagens. Porém, com uma animação elaborada e precisa que dá o peso necessário para o combate ou mesmo para coisas banais como andar de um lado para o outro. No Place For Bravery é o tipo de pixel art que realmente me agrada, pois não se limita apenas a imitar jogos antigos, mas também a pensar como ir além do que era possível na época.
FAMILIAR, MAS BOM
Não dá para negar que estamos vivendo uma supersafra de soulslikes. Isso faz com que No Place For Bravery seja bastante familiar. Você já jogou um monte de coisas assim como, por exemplo, Death’s Door. Mas o combate e o audiovisual são legais o suficiente para valer a experiência. É como comer um X-Salada. Você sabe qual vai ser o gosto, mas ainda é gostoso se for bem feito, manja?
A Glitch Factory também acerta em simplificar o fator RPG. Há apenas três armas, e você pode alternar entre elas à vontade depois que as encontra. Tem upgrades, mas são golpes e não equipamentos. Sem dúvida há espaço para todos os tipos de evolução de personagem, mas particularmente, prefiro assim, mais focado na ação e na exploração do que em estatísticas.
ANÁLISE NO PLACE FOR BRAVERY E OS PROBLEMAS GRAVES DE PERFORMANCE
O que realmente arrasta No Place For Bravery, infelizmente, é sua performance técnica. Ele usa o estilo tradicional de metroidvania, com telas independentes com várias saídas, ao invés de um mapa contínuo. E isso faz com que haja telas de carregamento em abundância. Elas não são tão demoradas, mas enche o saco ter que esperar um load de 10/15 segundos quando não faz 30 segundos que você passou pelo último.
Além disso, a taxa de quadros é absurdamente inconstante. É super comum o jogo começar a se movimentar como um slideshow por vários segundos seguidos – às vezes até mudar de tela. Isso quando ele não trava completamente. Os personagens continuam se mexendo, música tocando, mas os controles não registram nada a não ser que você reinicie o jogo. Isso aconteceu comigo cerca de 20 vezes durante a campanha, então chegou a incomodar MUITO.
É curioso pensar porque ele é tão pesado, e o que tanto ele carrega, considerando que A Link To The Past tinha um mapa no mesmo estilo e com loads instantâneos. E claro, No Place For Bravery é visualmente bem mais complexo. Ele não rodaria em um Super Nes. Mas, ao mesmo tempo, o Switch é um console MUITO mais poderoso do que o Super Nintendo. E se ele roda Super Mario Odyssey perfeitamente, é difícil entender porque ele não roda No Place For Bravery.
FALTA CUIDADO EM PARTES
Isso são problemas de otimização, que provavelmente podem ser resolvidos com os desenvolvedores trabalhando em cima. Porém, a gente nunca sabe se isso vai de fato acontecer, especialmente em games independentes, como este. É bem provável que o dinheiro seja limitado e eles aceitem que o jogo está “bom o suficiente”. E No Place For Bravery certamente é bom. Mas poderia ser ótimo com mais esmero técnico.
Tem um problema com trabalho de pessoas brasileiras que normalmente me faz evitar a língua portuguesa em games. Erros de digitação, concordância, pontuação. Às vezes traduções que não fazem sentido. Eu só deixo um jogo em português quando não tem como fugir da tradução (tipo Yakuza, escrito e falado em japonês) ou quando ele é originalmente escrito em português, como é o caso deste.
Mas No Place For Bravery claramente carece de uma revisão mais cuidadosa. Na imagem acima, por exemplo, está escrito Floresta Maldita (Flo. Maldita, na verdade, mas é óbvio que foi abreviado por espaço) e o personagem lê como Floresta Amaldiçoada. É o trabalho de um revisor pegar esse tipo de coisa.
Em várias outras cenas, se estiver em inglês pode aparecer um NPC chamado “Guardinha” ou, em português, um outro chamado “Legionary“. Isso acontece várias vezes mesmo estes termos tendo sua tradução correta em outros textos. Dá impressão que No Place For Bravery confunde os idiomas inglês e português. Talvez aconteça também com as outras línguas, mas apenas essas eu testei.
ANÁLISE NO PLACE FOR BRAVERY NÃO DÁ ESPAÇO PARA CORAGEM
Então em muitos aspectos, No Place For Bravery deixa sim a desejar. É bastante claro que ele foi criado por uma turminha com pouca experiência, mas lutando com força para realizar seu sonho de criar um jogo legal. E fico feliz de dizer que eles conseguiram. No Place For Bravery é um tanto mal passado, mas é um bom soulslike.
Sem dúvida vou ficar ligado nos trabalhos futuros dessa turma da Glitch Factory. Com um pouco mais de experiência e cuidado, eles podem nos trazer criações realmente excelentes no futuro. Mas, caros colegas, por favor desistam de desligar a pausa em seus jogos. Isso é um antagonismo desnecessário e totalmente sem sentido.