Chegou a hora. A hora que todos os jornalistas que conheço não sabiam o que fazer. Depois de todas as polêmicas envolvendo a escritora J.K. Rowling, todo mundo que escreve sobre jogos matutou se devia ou não escrever uma análise Hogwarts Legacy. Este é ao mesmo tempo um dos games mais vendidos em pré-venda de todos os tempos, mas também um dos mais polêmicos.
Bem, como você está neste texto, deve saber o que eu decidi para o DELFOS. Quem lê este site sabe o quanto minhas opiniões divergem das da autora. Porém, na medida do possível, não vou elaborar isso neste texto. Aqui vou especificamente falar de Hogwarts Legacy, pois se me estendesse na parte política, este review ficaria ainda maior – e já está bem longo. Então pegue sua varinha e se junte a mim em um delicioso Adava Kedavra!
ANÁLISE HOGWARTS LEGACY
Hogwarts Legacy é mais um RPG de mundo aberto, cheio de crafting, loot, atividades opcionais e todas as coisas que games de alto orçamento costumam colocar. Devo dizer que meu saco para games assim acabou anos atrás. Além disso, não sou um grande admirador de Harry Potter. Não fosse cobrir o game para o DELFOS, Hogwarts Legacy teria passado batido pela minha vida.
Dito isso, meu grande e preferido amigo, este é um daqueles dias em que eu fico muito feliz pelo DELFOS existir. Eu simplesmente amei Hogwarts Legacy. É de longe o maior prazer que tive em games de mundo aberto desde Red Dead Redemption 2. O tipo de experiência em que eu passava o dia jogando, daí quando chegava a hora de dormir, ia para a cama chateado, doido para chegar a manhã seguinte para jogar mais. Com isso, Hogwarts Legacy tem grande potencial de ser um dos meus games preferidos de 2023, mas certamente será a maior surpresa deste ano.
MOTIVOS PARA MUNDO ABERTO
Eu costumo dizer aqui que mundo aberto só é bacana quando tem uma movimentação especial, e sempre cito os games do Homem-Aranha para ilustrar esta opinião. Isso é verdade, mas Hogwarts Legacy me fez perceber que existe uma outra categoria que justifica mundo aberto – e especialmente RPGs: quando é um prazer simplesmente existir neste mundo. E esta é sem dúvida a fantasia que fez com que tanta gente que ama Harry Potter tenha comprado Hogwarts Legacy em pré-venda.
A movimentação aqui não é grande coisa. Você passa boa parte do jogo apenas correndo de um lado para o outro. Demora muito para liberar a vassoura, o que permite voar. Demora muito mais para liberar o hipogrifo, que é quase igual à vassoura. E usá-los é muito mais prático, por poder voar e se movimentar rápido, do que especialmente gostoso, como é se balançar nas teias do Homem-Aranha.
Porém, o prazer e a fantasia de Hogwarts Legacy não se limitam a isso. O jogo já é uma delícia antes mesmo de você liberar o voo. E mais, ele demora algumas várias horas para simplesmente deixar você sair de Hogwarts. E esta abertura já é deliciosa. Simplesmente porque…
O PRAZER DE EXISTIR E EXPLORAR
Hogwarts Legacy realiza uma fantasia prazerosa que é a mesma de um The Witcher 3, mas que só agora estou racionalizando para mim mesmo. É o prazer de existir e de explorar, não simplesmente de se movimentar.
É o prazer de ser um aluno de Hogwarts. De explorar a escola, solucionar seus muitos mistérios. Frequentar as aulas e conversar com os outros alunos. E, claro, aprender feitiços e usá-los em uma grande aventura do bem contra o mal. Tudo isso era a grande fantasia que os livros e filmes de Harry Potter prometiam realizar. Porém, Hogwarts Legacy deixa claro algo que já falei aqui inúmeras vezes.
VIDEOGAME É A MELHOR MÍDIA QUE EXISTE
Há uma certa realização de fantasia em literatura e cinema, claro. É legal imaginar o mundo de Hogwarts nos livros e ver a interpretação dos filmes. Porém, apenas os videogames nos permitem existir nesse mundo. Explorar para onde quisermos. Conversar com quem quisermos. Um bom videogame é muito mais do que uma boa história, ou um incentivo para usar a imaginação. Um bom videogame permite que a gente realmente se transporte para outra realidade. E tem muita gente que adoraria viver um pouquinho de suas vidas em Hogwarts.
Hogwarts Legacy não existiria sem os filmes. E os filmes não existiriam sem os livros. Porém, para fãs deste mundo, absolutamente nada é capaz de dar o mesmo prazer do que este game. É muito mais legal explorar Hogwarts no seu próprio tempo. Estar rodeado por segredos, poltergeists e quadros que se movimentam e poder olhar e ir para onde quiser.
Arrisco dizer até que, se o mundo aberto aqui fosse apenas Hogwarts, este game já seria maior legal. Mais ou menos como Dead Rising é maior legal sendo apenas em um shopping. E não dá para negar que Hogwarts é muito mais cheio de detalhes, segredos e coisas para fazer do que todo o resto do mapa do jogo. A escola é a protagonista, e isso é ótimo, e como deveria ser.
ANÁLISE HOGWARTS LEGACY E O GAMEPLAY
Por um lado, Hogwarts Legacy é o típico jogo de alto orçamento. Você vai conversar com um monte de personagens, que vão te pedir uma pá de coisas. Boa parte dessas coisas envolvem ir até tal lugar, vencer um grupo de inimigos, abrir um baú e voltar para o quest giver. O mapa também é repleto de ícones com diversas atividades que vão dos básicos acampamentos inimigos a pequenos minigames. Tem um monte de roupinha com estatísticas e uma pá de ingredientes a serem coletados para fazer poções e plantas (crafting).
Mas também tem o lado que o diferencia. Se você jogar Hogwarts Legacy como um game de missões, e não como um de “limpar mapa”, o prazer de jogá-lo será enorme. Isso porque boa parte das missões te coloca literalmente dentro de fases, dungeons mais lineares, com um excelente timing separando puzzles de combate.
ANÁLISE HOGWARTS LEGACY E O EXPELLIARMUS
Tudo isso é uma delícia, e o fato de boa parte das missões acontecer em fases torna o game ainda melhor. Faz com que a história seja melhor contada e o timing seja melhor dirigido. E o combate, meu caro amigo trouxa (no sentido de não saber usar mágica), é a principal surpresa do game.
Há mais de 20 feitiços, e todos eles têm usos estratégicos, que vão de desarmar inimigos até a pura entrega de danos. Usar levioso, por exemplo, faz com que inimigos flutuantes levem mais dano dos ataques diretos. Você também pode fazer combos criativos, como levitar o caboclo, trazê-lo pertinho, queimá-lo com um feitiço de fogo e então batê-lo no chão com toda a força. É sinceramente muito bom, um dos combates mais criativos e divertidos que tenho o prazer de jogar desde Star Wars The Force Unleashed. E olha que nem falei do prazer que dá usar Adava Kedavra!
Combinar feitiços é uma delícia. Hogwarts Legacy é daqueles games em que você já começa se sentindo poderoso, e fica cada vez mais poderoso a cada nova adição ao seu repertório. Inclusive, o excesso de feitiços e ataques, a grande força do combate, é também sua maior fraqueza. Explico.
ANÁLISE HOGWARTS LEGACY E O EXCESSO DE FEITIÇOS
Você começa podendo equipar quatro feitiços, e usá-los segurando o R2 e apertando um dos quatro botões da face. No começo, isso é bem eficiente. Mas em poucas horas você estará detonando com mais de uma dúzia de feitiços, e vai precisar escolher. Com alguns upgrades, dá para liberar até quatro grupos de feitiços. Você alterna entre eles segurando o R2 e apertando uma das direções do direcional digital. Ou seja, dá para ter 16, dos 20 e tantos feitiços, equipados a qualquer momento.
Isso faz com que seja difícil lembrar onde está cada feitiço ocupado. Além disso, tem alguns que você usa apenas em momentos bem pontuais, como os de decorar sua base ou alimentar bichinhos. Estes podiam ser automaticamente equipados quando você está na base, já que são inúteis fora dela, e todos os outros são inúteis dentro dela.
Penso que um UI no estilo de The Last Of Us seria mais interessante. Ou seja, direcional digital para esquerda escolhe entre os feitiços de ataque. À direita os de telecinese. E assim por diante. Isso deixaria mais fácil alternar entre eles e mais fácil de encontrar os feitiços que deseja naquele momento, pois saberia a direção cardeal em que cada um deles estaria. Mas sei lá, eu não sou profissional de UI, mas como usuário, posso dizer que a interface de seleção não é conveniente. Especialmente porque os inimigos têm escudos que só podem ser quebrados com feitiços específicos.
ANÁLISE HOGWARTS LEGACY E O HUD
Já que estou falando do que poderia ser melhor, temos o HUD. Olha só.
Tirando a vida dos inimigos e a “dica”, que aparecem contextualmente, todo o resto fica na tela o tempo todo. Sua vida e seus feitiços equipados estão sempre lá, mesmo quando você está só passeando pela escola. O minimapa está lá mesmo durante o combate. É muita informação desnecessária. Dá para desligar cada uma dessas coisas nas opções, mas isso apenas as desativa totalmente. Ou seja, se desativar a vida, ela some para sempre.
Hogwarts Legacy carece de uma opção dinâmica. Tudo some, a não ser que você precise. Vida, por exemplo, só tem utilidade durante o combate, até porque a barra se recupera sozinha fora da luta. Coisas como os feitiços equipados e objetivos poderiam aparecer sob demanda, quando você aperta um botão específico (normalmente no PS5 seria um toque na parte de touch). Mas isso não está no jogo. Pelo menos ainda não.
EXCESSO E QUALIDADES
Estes dois problemas (HUD intrusivo e UI ruim) são os motivos pelos quais Hogwarts Legacy não leva o Selo Delfiano Supremo. Pois, tirando isso, ele me parece o game perfeito para o que se propõe. Eu não sou um grande fã de Harry Potter. Não li os livros, apenas vi os filmes (e escrevi sobre eles), mas acho que depois que o Chris Columbus saiu da direção, eles perderam muito da mágica. Mágica, esta, que tem de sobra em Hogwarts Legacy.
Outro problema que incomoda bastante é que não dá para pausar durante cutscenes e conversas. Considerando o quanto tem de conversa aqui, isso se torna um incômodo bem grande, pois fatalmente alguém que mora com você vai querer falar algo enquanto estiver batendo papo no jogo.
As missões em si, inclusive, trazem muito daquela sensação de aventura tão importante para bons games. Você explora ruínas que parecem saídas de Uncharted. Castelos que parecem saídos de God of War da época grega. Em alguns casos, como os da imagem acima, a influência inclusive é clara.
E essas missões são todas especiais, e são combinadas de forma sensacional com o simples fato de existir e ser um aluno em Hogwarts, lidando com tudo que envolve a escola de magia: das escadas que se movem aos poltergeists que habitam o castelo. Só é uma pena que não tenhamos nenhum personagem conhecido. Alguns professores e funcionários da escola que estão nos livros e filmes poderiam aparecer aqui, mas se o fazem, admito que não reconheci.
UM POUQUINHO DE POLÍTICA, VAI!
Só pra não passar batido, uma coisa que me chamou a atenção no jogo é a existência de uma mulher trans entre os NPCs. A inclusão dessa personagem me pareceu altamente hipócrita. Parece que foi colocada apenas para “afastar” o jogo das opiniões emitidas pela J.K. Rowling e que fizeram este game virar uma grande polêmica.
Difícil dizer se ela realmente foi uma inclusão de última hora, mas acredito que a Rowling não gostaria de ter uma personagem assim no seu jogo. Além disso, como você pode escolher jogar com um homem ou mulher, todo mundo se refere ao seu personagem com pronomes neutros. Outra coisa que deve incomodar a Rowling e seus minions, mas neste caso acho que deve ter sido feito para simplificar, e não precisar gravar os diálogos para um personagem masculino e um feminino.
Seria interessante também que seu personagem tivesse um nome pré-estabelecido que servisse para qualquer gênero, como a Shepard de Mass Effect. Você pode escolher um nome para o seu personagem (o meu chama Carlonius Corralius), mas se ninguém usa este nome, é como se não existisse.
O LEGADO DE HOGWARTS NA ANÁLISE HOGWARTS LEGACY
E este é todo o tempo que tínhamos para hoje. Talvez eu volte a falar sobre Hogwarts Legacy no futuro, especialmente do seu lado político. Porém, por outro lado, não acho que tenha muito a acrescentar a essa discussão já bastante discutida.
O que importa para hoje, no entanto, é que Hogwarts Legacy me entregou algo que eu sinceramente esperava que não fosse mais acontecer: um RPG de mundo aberto que me dá vontade não só de jogar até o fim, mas mesmo de fazer todas as missões secundárias. A história é um prazer, os gráficos são lindos, a trilha sonora é fantástica… e o combate é uma delicinha e diferente de absolutamente tudo que conheço.
Como game, é muito fácil recomendar Hogwarts Legacy, tanto para fãs de Harry Potter quanto para fãs de bons videogames. A parte política, se você quer ou não dar dinheiro para a autora, é algo que você deve decidir por conta própria. Mas pelo menos se resolver fazer isso, vai receber de volta um game que é simplesmente o maior legal!