Esta análise God of War Ragnarok é um dos textos que eu mais queria fazer este ano. E agora, que sento para escrever na manhã do meu aniversário, não sei bem o que dizer. Sim, tenho muito a contar, comentar e opinar. Porém, algumas delas não cabem a um review sem spoilers publicado antes do lançamento. Voltarei a este assunto daqui a algumas semanas, para falar livremente, com spoilers.
Por enquanto, quero dar minhas impressões e opiniões sem estragar surpresas. Passei mais de 50 horas com God of War Ragnarok, fazendo toda a história, todas as sidemissions que afetam a narrativa, e só não fiz mesmo coisas como encontrar todos os corvos, receitas e outras coisas mais voltadas a colecionáveis. O que achei disso tudo? Bom… antes de entrar em opiniões mais aprofundadas, vamos começar com o básico.
ANÁLISE GOD OF WAR RAGNAROK
Se você jogou God of War (2018), Ragnarok é muito familiar. As opiniões espalhadas pela internet de que ele parece um DLC certamente procedem. Não espere aqui o salto em fidelidade gráfica que a série teve entre God of War II (PS2) e God of War III (PS3). E muito menos o salto entre God of War Ascension (PS3) e God of War (PS4).
Isso não significa que o jogo não seja lindo. Já há alguns anos, gráficos estão mais limitados por dinheiro e tempo de produção do que por máquinas capazes de renderizá-los. Então a semelhança deste com o anterior é muito mais artística. Os personagens são os mesmos, roupas são parecidas, mesmos baús, mesmo mundo. Provavelmente se houver um novo God of War, na mitologia egípcia, ou onde seja, haverá uma nova roupagem gráfica. Mas aqui, apesar do salto entre PS4 e PS5, o visual é muito parecido (até porque também está disponível para PS4). Acredito que a diferença entre as máquinas seja muito mais limitada a resoluções e framerates do que a fidelidade propriamente dita, mas deixo isso para os colegas da Digital Foundry baterem o martelo.
A boa notícia é que God of War (2018) certamente não faz feio, mesmo entre jogos de PS5. Então o mesmo vale aqui. É um jogo lindo, apenas muito familiar. Especialmente nas primeiras horas, antes de as novidades começarem a aparecer.
COMBATE DELICINHA!
A série God of War sempre se destacou por um dos combates mais gostosos dos games. E isso continua sendo verdade. Você começa apenas com o machado, mas logo no início já pega as Blades of Chaos (uma das coisas mais difíceis de resenhar o jogo de 2018 foi manter essas armas em segredo).
Há uma terceira arma que aparece depois de um bom tempo de jogo, e ela é tão legal quanto as outras. O design de combate desse jogo é simplesmente espetacular, pois traz três armas totalmente diferentes entre si, mas todas úteis e divertidas de usar.
O combate é familiar, com muitos dos mesmo combos e golpes especiais retornando. Alguns não voltaram, como a possibilidade de “chamar” o machado de volta no timing certo. Por outro lado, o escudo é muito mais útil, mesmo como arma de ataque. Ele também vem em tipos, alguns focados em defletir, outros em defesa no estilo tanque. Há até um que permite correr enquanto defende, bem no estilo “this is Sparta“.
ANÁLISE GOD OF WAR RAGNAROK E A EXPLORAÇÃO
A principal diferença entre a versão nórdica e a grega de God of War é a exploração. Agora o jogo é mais aberto, com possibilidade de revisitar áreas anteriores e abrir caminhos com novos equipamentos. Este é um aspecto que mudou bastante de 2018 para cá. Em God of War de PS4, você deve se lembrar que havia apenas uma área aberta, na qual você passava várias vezes, e que se alterava a cada nova visita. O foco em exploração continua, mas agora de um novo jeito.
God of War Ragnarok é um game com história completamente linear. Porém, depois de cada capítulo, algum personagem pode falar algo tipo “ou então a gente pode sair para explorar”. Esta é sua dica de que você está em uma área aberta. Há várias delas ao longo da campanha. Em geral, dá para pegar o portal para avançar direto, ou ficar ali mais um tempo, em busca de recursos e sidemissions.
CONTEÚDO SECUNDÁRIO
Este é o ponto mais fraco do jogo, e o que o impede de levar nota máxima. No anterior, as sidemissions costumavam levar para missões lineares opcionais, tão boas quanto a história principal. Aqui elas são mais “estilo Ubisoft”, missões padrão de mundo aberto. Tipo o fim do mundo se aproxima e decidir como reagir é urgente, mas peraí, vamos ajudar aquele fantasma a encontrar as duas metades do seu broche antes. E sim, este é um exemplo real de uma das sidemissions do game.
É fácil ignorar, desde que você não tenha TOC. Mas eu tenho, então me via obrigado a limpar o mapa sempre que chegava num desses pontos da história. Assim, cada vez que aparecia um veículo (barco, trenó, etc), meu coração já disparava, pensando no tempo que eu perderia antes de ver o que aconteceria a seguir. Mundo aberto simplesmente não faz sentido em um game tão narrativo quanto God of War Ragnarok.
Um bom exemplo é a última área aberta da campanha. Ela provavelmente é a melhor do jogo, e traz muito do que torna Elden Ring tão especial. O mundo é fantástico – lindo e atmosférico – e é um grande prazer estar inserido nele e explorá-lo com calma. O gameplay, assim como Elden Ring, combina pequenas áreas mais lineares com outras abertas, NPCs e mistérios a serem solucionados. A diferença é que a dificuldade é customizável e parte dos seus objetivos – não todos – aparecem no mapa.
PERDENDO TEMPO
Particularmente, e sei que isso é pessoal, estou empapuçado de mundo aberto. Talvez lá na época do The Evil Within 2, tivesse achado legal. Mas hoje isso está me dando nos nervos. O que me fez pensar… Por que eu gostei de explorar o mundo aberto do Elden Ring?
Acho que tem a ver com o fato de que games da From Software pra mim nao têm historia (tá, pode me mandar ouvir pagode). Eu os encaro como jogos de puro gameplay, quase sem cutscenes ou qualquer coisa clara acontecendo. God of War é um character action game. A história e o contexto da porrada são importantíssimos. então parar a missão de impedir Ragnarok ou de resgatar um amigo raptado para viajar de um mundo a outro procurando uma flor de cada mundo (exemplo real!) não faz sentido.
ANÁLISE GOD OF WAR RAGNAROK E O ELDEN RING
Eu quero ver a continuação da história, e meu TOC me obriga a parar para explorar essas áreas abertas quando elas aparecem. Daí a história fica em pausa pra eu ficar simplesmente explorando a esmo. E aí entra na minha principal crítica: o excesso. A última área aberta, que citei como a melhor de todas, levou sete horas de jogo para limpar o mapa. Dá para jogar vários games, assistir a séries de TV completas ou vários filmes, com este tempo. Mas eu fiquei aqui pegando florzinhas e atirando meu machado nos corvos de Odin.
Isso para mim foi um dia inteiro de jogo, e mais boa parte da manhã seguinte. Agora imagina uma pessoa normal, que só joga de final de semana ou à noite… O cara vai parar a história por vários dias e quando voltar nao vai nem mais lembrar onde estava.
Uma coisa é fazer aquele estilo Dead Space 3. No meio da história, você pode seguir um caminho alternativo com um objetivo opcional, e logo que cumprir, volta para o principal. Outra é encher o jogo de pequenos mundos abertos, cada um deles exigindo mais tempo do que para fazer 100% no Far Cry Blood Dragon.
UM DIA INTEIRO PARA LIMPAR CADA MAPA
Sei que a indústria de games faz isso porque tempo de engajamento hoje em dia é muito importante, e colocar um monte de ícones em um mapa é mais fácil e gera mais investimento de tempo do jogador do que criar conteúdo relevante, este muito mais caro e trabalhoso. Mas é preciso saber dosar e pensar no que colocar onde. Mais nem sempre é melhor. E os fãs de God of War, em geral, estão mais a fim de algo na linha de Devil May Cry do que de Horizon Forbidden West ou os games de mapa da Ubisoft (claro que muita gente gosta dos dois estilos, mas eles não precisam se misturar).
A campanha de God of War já seria consideravelmente longa sem estes interlúdios, e o jogo funcionaria bem melhor sem eles. Podiam até seguir o estilo metroidvania de um Darksiders, e limitar o retorno a upgrades, não a um milhão de missões irrelevantes.
E sim, tem algumas sidequests legais e importantes. Mas você nunca sabe quais serão até já ter começado os trabalhos. Uma das melhores, em Svartalfheim, por exemplo, só mostra a que veio depois de te mostrar uma porta trancada, dizer para procurar a chave e, depois de encontrar, voltar até lá e abrir a porta. Assim, mesmo as boas missões parecem trabalho antes de revelarem que são boas, e isso não é legal.
ANÁLISE GOD OF WAR RAGNAROK: SEU JOGO, SUAS REGRAS!
Apesar das minhas críticas ao excesso de gordura, também quero elogiar com força o fato de que a Santa Monica Studio permitiu que tudo isso fosse opcional. Tanto com a possibilidade de simplesmente seguir o caminho, como com opções – de acessibilidade ou não – no menu.
Quase tudo que pode ser considerado chato no jogo pode ser desligado. Dá para ativar checkpoints opcionais no meio dos chefes, dá para desligar a quebra do lock (uma das coisas mais chatinhas que costuma acontecer em games com esse tipo de combate soulslike) e muito mais.
Por exemplo, se você não gosta do lado RPG que os games AAA insistem em enfiar em tudo que é jogo, boa notícia. Dá para evitar isso, com um sistema de auto-equip para a loot (que já é bem menos proeminente e abundante do que, por exemplo, em Borderlands).
Outras coisas mais específicas, como runas, amuletos, relíquias e outras coisas que afetam as estatísticas, são mais difíceis de ignorar. Porém, dá para diminuir consideravelmente o quanto elas afetam o jogo diminuindo a dificuldade.
CUSTOMIZANDO O CARECA
Eu joguei a experiência completa, inclusive customizando meu careca e trocando de equipamento sempre que necessário. Mas fico feliz de ter a possibilidade de ignorar essas coisas e focar no combate e história em uma futura jogada.
O que eu fiz agora, e fico feliz que o jogo me permitiu, é evitar totalmente uma das coisas mais preguiçosas do game design atual. Sabe quando você encontra um inimigo que é alguns níveis mais altos que você, e isso torna impossível vencê-lo? É uma forma preguiçosa de aumentar o tempo de engajamento, obrigando completistas a voltar lá depois para matar um único inimigo.
God of War Ragnarok faz isso, especialmente nos berserkers, que aparecem para substituir as valquírias do anterior. Felizmente, diminuir a dificuldade possibilitava minimizar as vantagens de nível, e assim conseguir vencer as lutas quando eu queria. Algumas ainda eram bem difíceis, mesmo no “modo história”, mas não teve nada que eu encontrei que não tenha conseguido vencer desta forma. Nada, claro, a não ser o último berserker. Isso mantém a tradição. Eu nunca consegui vencer a rainha valquíria no game anterior, e também não consegui vencer o rei berserker aqui.
E aí chegamos a um problema técnico, que acredito que deve ser resolvido eventualmente. Ao mudar de dificuldade, o game pede para reiniciar o checkpoint. Porém, após o carregamento, ele não muda a dificuldade, exigindo repetir o processo várias vezes. Em alguns casos, perdi mais de dez minutos tentando voltar do modo história para o equilibrado até a mudança finalmente vingar.
RESQUÍCIOS DO PS4
E já que falei dos carregamentos, gostaria de abordar isso também. Quando o Mark Cerny apresentou o PS5, disse que não existiriam mais telas de carregamento. Nem mesmo os escondidos, como elevadores e túneis. Infelizmente, tão cedo na vida do console, já vemos que isso não é realidade. God of War Ragnarok traz carregamentos consideráveis ao iniciar o game, checkpoint ou fazer fast travel, mesmo na versão de PS5. Rodar o jogo da dashboard envolve ter que esperar uma sequência enorme de logotipos seguida ainda de uma tela de carregamento normal, antes de aparecer a tela título. Não é nada que vai te encher o saco de esperar, mas o tempo de carregamento aqui é mais ou menos o mesmo do que víamos no Ghost of Tsushima de PS4 carregando de um HD externo. É rápido, mas existe e é perceptível.
Estou falando de telas de loading mesmo, com dicas escritas e tudo, não daqueles carregamentos escondidos, como os túneis e elevadores. Estes não dava para evitar mesmo, uma vez que o jogo também sairia para PS4, então precisaria ter paridade entre as plataformas. E eles incomodam menos também já que, pelo menos quando você está passando pela primeira vez, costumam vir com diálogos bacanas, que desenvolvem os personagens. Então é hora de falar exatamente disso.
A HISTÓRIA DE GOD OF WAR RAGNAROK
Este é o grande filé do game, e não se preocupe que não darei spoilers. A narrativa é muito diferente do anterior. God of War (2018) era low stakes e pessoal. Basicamente, pai e filho queriam levar as cinzas da patroa ao ponto mais alto dos reinos, para atender ao último desejo dela. No caminho, eles se viam envolvidos em coisas que não entendiam porque estavam acontecendo. Pelo menos não até o final, quando tudo fica mais claro.
Aqui é o follow up direto disso. Não diria que você não consegue jogar Ragnarok sem ter jogado o anterior, mas certamente ter ou não este repertório vai afetar seu entendimento e aproveitamento da história. Personagens secundários do anterior se tornam importantes aqui. Até mesmo sidequests de coleção, como o das valquírias, afetam consideravelmente a narrativa que temos aqui. God of War Ragnarok não apenas assume que você jogou o anterior, ele assume que você fez 100% nele. Ou, claro, assistiu a vídeos de lore no tubão, ou leu esta minha matéria que recapitula tudo.
ANÁLISE GOD OF WAR RAGNAROK: DESENVOLVIMENTO DE PERSONAGENS
Uma coisa que Ragnarok mandou muito bem foi no desenvolvimento dos personagens. Já falei como gostei do visual de Thor, mas a coisa vai bem além disso. God of War Ragnarok fez um excelente trabalho em criar personagens marcantes e interessantes, ao mesmo tempo que se distanciou completamente das versões mais mainstream popularizadas pela Marvel.
Novos personagens como Tyr, Thor e Odin estão muito legais, não só no visual, mas também nas excelentes atuações de seus atores, e especialmente no roteiro. God of War (2018) apresentou os Aesir como grandes babacas, e Ragnarok coloca muito mais profundidade nisso. O primeiro encontro com Thor e Odin, por exemplo, que vem logo no início da campanha (e portanto não é spoiler), traz a dupla de Asgard propondo paz. E é nosso herói careca e marrento que nega a proposta, iniciando as animosidades que se estendem pelo resto do game.
A próprio Kratos teve um desenvolvimento absurdo entre o game anterior e este. Ele foi da personificação da raiva na época do PS2 e PS3, um personagem unidimensional e vilanesco, para alguém que passa todo o game evitando se envolver na guerra. Ele chega até a demonstrar afeto e fazer piadas com seus amigos Brok, Sindri e Mimir (que continua um dos companheiros mais carismáticos da história dos games). Acredito que em nenhuma outra obra da cultura pop vimos um personagem passar por tamanho crescimento, de forma tão crível, quanto aqui. E isso é o maior elogio que posso fazer aos roteiristas de Ragnarok.
CRÍTICAS?
Sim, eu tenho algumas críticas. Tem algumas sementes que foram plantadas neste jogo e no anterior que não dão frutos. Ou, pelo menos, não encontrei os frutos. Não é o caso de falar delas agora, antes do lançamento, quando a maior parte dos meus leitores ainda não jogou. Mas provavelmente vou desenvolver isso no futuro, para a gente trocar ideias e teorias.
Ainda falando sobre o Kratos, o tratamento aos antagonistas é totalmente diferente do passado. Em games como God of War II e III, todo mundo que cruzava o caminho do herói o fazia para morrer. Muitas vezes em cutscenes não interativas, como Hera e Prometeu. Outras tantas vezes em uma batalha de chefe. O resultado final era o mesmo. Encontrou Kratos, morreu. Aqui, os vilões Odin e Thor são bem desenvolvidos, aparecendo em várias cenas que não terminam em briga ou morte. E isso se estende também a outros antagonistas.
Por um lado, narrativamente isso é legal e um grande amadurecimento da franquia. Por outro, é um tanto decepcionante que vários personagens famosos, que dariam chefes excelentes, não tenham uma batalha para chamar de sua.
ROTEIRO DE GAMEPLAY
Também quero elogiar o excelente roteiro e timing de gameplay. Sim, eu achei as áreas abertas exageradas e cansativas. Mas muita coisa me surpreendeu mesmo nelas. Por exemplo, na primeira visita a Svartalfheim, ficaram alguns caminhos fechados, lá no meio da fase linear. Ou seja, um lugar sem fast travel próximo, meio que no meio do nada.
Eu resolvi ir até lá para ver o que me esperava, e o caminho para aquela área foi muito mais fácil e agradável do que esperava. Teve novas áreas abertas, chefes opcionais que não estavam lá da primeira vez e, depois de ter tirado os ícones do mapa, um novo portal de fast travel apareceu perto de mim para poder voltar à narrativa imediatamente, sem backtracking. Eu fiquei sinceramente impressionado com o cuidado que os desenvolvedores tiveram com qualidade de vida.
RAGNAROK
E isso nos leva ao Ragnarok propriamente dito. Eu sinceramente esperava mais dele. Não do jogo em si, mas do evento, sabe? Assim como a titanomaquia prometida em God of War III, Ragnarok é um pedaço pequeno do jogo, resolvido relativamente rápido e com pouco desenvolvimento. Falarei mais sobre isso no futuro, quando puder falar spoilers, mas cabe dizer que a maior parte do jogo envolve entender e tentar evitar Ragnarok e o acontecimento deste ocupa um pedaço minúsculo da campanha, especialmente considerando que dá nome ao jogo.
Particularmente, eu teria feito o evento começar mais ou menos na metade da campanha, e assim mostrar os eventos narrativos e dificuldades dos personagens lidando com a destruição da guerra, ao invés de ficar segurando tudo para um clímax desenvolvido com pressa. Isso sem falar no personagem Ragnarok em si que, assim como em Thor Ragnarok, aparece tão pouco que nem faz diferença.
Ainda tenho muito a dizer, muito mesmo. Até de coisas como mecânicas, level design e tal. Mas esta análise God of War Ragnarok já passou das 3000 palavras e muita gente tem preguiça de ler quando o texto é longo. Então voltamos a God of War Ragnarok no futuro. Por hoje é só, pessoal!