Olha que curioso. Só quando eu terminei Eternity: The Last Unicorn eu descobri que ele era brasileiro, graças aos nomes tupiniquins dos desenvolvedores. Durante os meses que antecederam seu lançamento, eu recebi vários releases do jogo em inglês, vindo de duas assessorias de imprensa gringas. E em nenhum deles falava que se tratava de algo made in Brazil.
Isso não mudou a minha opinião sobre o jogo, mas devo dizer que me deu uma certa pena. Eu sei bem como é difícil fazer trabalho criativo aqui no Brasil, e a galera da Void Studios deve ter penado para conseguir colocar seu jogo nos consoles. Mas o fato é que jogar Eternity: The Last Unicorn foi um suplício. Eu cheguei ao ponto de procurar por vídeos de gameplay, encontrar uma playlist e somar o tempo dos vídeos para ver o quanto ainda precisaria suportar. E eu não estaria sendo honesto nem comigo, nem com a Void, nem sobretudo com você, amigo leitor, se não passasse minha opinião sincera nesta análise Eternity: The Last Unicorn.
ANÁLISE ETERNITY: THE LAST UNICORN
Eternity: The Last Unicorn é vendido como um RPG de ação, mas após jogá-lo, digo que não é o caso. Matar inimigos dá XP e acumular XP faz você subir de nível. Também dá para usar o dinheiro do jogo para upar suas armas. Mas a coisa para por aí. Não há peças de armadura com estatísticas individuais nem uma infinidade de armas para você passar as tardes comparando. Aqui, quanto mais você joga, mais poderoso fica, sem precisar ficar equipando nada. Eternity é tão RPG quanto o primeiro God of War. E com isso quero dizer que ele é basicamente um hack and slash. E isso é ótimo. O mundo precisa de mais hack and slashes, RPGs já tem de montão.
A comparação com o primeiro God of War é bem-vinda, aliás. Além de ser um jogo de ação com armas cortantes, The Last Unicorn opta por usar câmeras fixas. E esta é outra característica que eu gosto muito. No entanto, a qualidade do trabalho de câmera aqui está mais para o primeiro Resident Evil do que para God of War. Com isso, quero dizer que há quebras de eixo adoidado, e você constantemente é atacado por inimigos que estão fora do campo visual.
DARK SOULS
Eternity: The Last Unicorn tem uma influência clara de Dark Souls, embora o ato de jogar seja mais semelhante a um God of War. A campanha coloca você para matar três chefes que são mais importantes do que os outros chefes, e daí tocar um sino. É basicamente a mesma história do primeiro Dark Souls, mas situada na mitologia nórdica. E assim como a série Souls, a história aqui fica em segundo plano, com poucas cutscenes, e 95% delas servem apenas para mostrar os chefes.
Outra semelhança é que você salva em fogueiras, e as fogueiras são escassas. Além disso, Eternity: The Last Unicorn é um jogo difícil paca. Mas obviamente não foi Dark Souls quem inventou a dificuldade em games.
E eu sinceramente não estava preparado para que Eternity fosse um jogo tão hardcore. Nenhum dos muitos releases dele que eu recebi, ou mesmo a descrição na loja, passa esta ideia. A coisa aqui é para poucos. Para você ter uma ideia, no momento que escrevo isso, apenas 2% das pessoas que o jogaram chegaram ao fim. Eu já vi troféus de platina mais comuns.
RESPEITE MEU TEMPO
Apesar da fragilidade do seu personagem e da escassez de saves, o combate é bacana e o jogo seria capaz de se sustentar apenas nele. Porém, além da dificuldade, o que provavelmente fez com que tão poucas pessoas chegassem ao fim é o quanto ele desrespeita o tempo do jogador. E você sabe que isso, para mim, é o pior pecado que qualquer obra de entretenimento pode cometer. Eternity: The Last Unicorn é um jogo de três horas esticado para durar 12. Deixa eu contar uma história para ilustrar.
Há dois personagens jogáveis que se alternam na campanha. A principal é uma elfa, mas normalmente você tem que passar pelos mesmos cenários também com um guerreiro viking, capaz de abrir novos caminhos que devem ser então explorados pela elfa.
Pois lá estava eu, todo pimpão, explorando um templo que já tinha visitado quase inteiro com a elfa. Com o guerreiro viking, consegui entrar em uma área anteriormente inacessível. Ali, encontrei uma porta fechada, ao lado de uma receita para criar uma chave via crafting. Porém, apenas um NPC é capaz de fazer crafting, e ele está sempre no mesmo lugar.
Perto da receita, tinha um teleporte direto para este NPC. Legal, né? Pois é, mas esta é uma via de mão única. Ou seja, você tem que voltar até a porta a pé. Usei o teleporte e entreguei a receita para o NPC, e só então o jogo mostrou os ingredientes necessários para criar a chave. Tinha um que eu não possuía, e precisava de dois dele. Assim, fui abrir o diário, onde fala os itens que cada inimigo pode dropar. Apenas um inimigo dropava o que eu precisava. Eu sabia que tinha dois deles no caminho de volta para o templo. Então o que eu precisei fazer?
Adivinhou: ir até o templo, matar os dois bichos e torcer para eles darem os itens que precisava. Daí usar o teleporte, mandar o NPC criar a chave e fazer todo o caminho de volta até a porta uma terceira vez. Desta forma, Eternity conseguiu transformar algo que na maioria dos jogos é feito através do menu de pausa, em uma pentelhação de mais de uma hora. Te parece aceitável algo assim em um jogo de 2019?
ISSO NÃO É A EXCEÇÃO
Esta foi a primeira vez que isso aconteceu, mas não foi a última. A cada nova fase, Eternity obriga o jogador a fazer mais uma tour pelo seu mundo inteiro. Por exemplo, ao longo do jogo, você encontra cinzas de guerreiros espalhadas pelo mapa. Não dá para fazer nada com elas além de apertar X para um comentário do personagem. Porém, em determinado momento, você vai precisar voltar e pegar todas elas para progredir a história. Em outro, você precisa fazer a mesma coisa com os presuntos dos guardiões da floresta.
No primeiro terço do jogo, você pode ver pelo mapa que já visitou a maior parte das fases. Porém, nos dois terços finais, será obrigado a ficar indo e voltando pelos mesmos lugares para pegar colecionáveis obrigatórios ou, na tradição metroidvania, usar novas habilidades para abrir outras áreas.
As fases são legais e variadas, mas este vai e volta, somado às frequentes telas de loading e à dificuldade absurda, tiram toda a alegria que você poderia extrair de Eternity: The Last Unicorn.
AUDIOVISUAL
A gente sabe que Eternity foi feito de forma independente, e até que ele é ambicioso. Porém, sua estética lembra um jogo de PS2.
Não é o caso de ele optar por uma estética retrô, como Mulaka, mas talvez deveria ter sido. A coisa aqui parece mais uma combinação de falta de capacidade e de orçamento. Até há alguns cenários interessantes e efeitos de luz mais modernos, mas Eternity já pareceria um jogo de baixo orçamento no PS2.
A música, por outro lado, é sutil, mas muito boa. Ainda no aspecto sonoro, o jogo não tem voz alguma além de um ou outro grunhido. Considerando quão pouca história ele tem, penso que contratar uma atriz por uma ou duas horas já resolveria isso, e melhoraria bastante a apresentação.
TECNICAMENTE
O jogo também tem alguns problemas técnicos, embora sejam em sua maioria secundários. O mais grave que encontrei foi no primeiro chefe. As batalhas de chefes são fechadas por barreiras coloridas para você não poder fugir, estilo Dark Souls. Mas no primeiro que encontrei, após a cutscene a elfa ficou do lado de fora dessa barreira. Tive que recarregar o save para poder continuar o jogo.
Outro problema técnico que aconteceu em dois outros chefes é que eles simplesmente pararam de me atacar. Assim, eu consegui vencer estas batalhas sem resistência alguma. Em outro jogo, provavelmente teria ficado chateado, mas a esta altura já estava tão de saco cheio, tão me sentindo jogando tempo fora, que dei graças a Tyr, e ainda torci para que isso acontecesse nos chefes seguintes.
Ainda falando dos chefes, e mais imperdoável do que um bug: o jogo só faz checkpoints automáticos antes de um boss. O que é, convenhamos, o mínimo necessário. Porém, toda batalha contra um chefe tem uma cutscene apresentando o monstrão. E esta cutscene não é pulável. Então a cada nova tentativa, você vai ter que assistir à apresentação de novo, e ler todos os diálogos relacionados. E isso é outra coisa que até era comum na época do PS2, mas em 2019 é imperdoável. O próprio Dark Souls mostra as cutscenes dos chefes só na primeira vez em que você os encontra.
Isso é mais uma característica que está no jogo para esticar a sua duração e, consequentemente, desrespeitar ainda mais o seu tempo.
DE BOAS INTENÇÕES…
O pior é que Eternity: The Last Unicorn tinha muito potencial. Se fosse um jogo de ação em fases, uma depois da outra, como Devil May Cry 5, por exemplo, não duvido nada que ele estaria na minha lista de melhores do ano.
Porém, ele é tão cheio de truquinhos artificiais para estender a sua duração que transforma o que poderia ser um excelente jogo independente em algo que parece uma pegadinha do Mallandro.
Eu gastei 12 horas jogando Eternity: The Last Unicorn para que você não precise fazê-lo. E me senti trollado em 90% da sua duração.