Durante todo o desenvolvimento de Anamorphine, ele foi divulgado como um jogo em VR. Daí chegou o código de review, e com ele a mensagem: “VR não estará disponível no lançamento”. Esta pequena anedota é bem representativa da obra final.
Temos aqui uma experiência ambiciosa e cheia de boas intenções. Uma viagem em VR lidando com assuntos sérios, como depressão e suas repercussões. No entanto, em algum lugar de sua criação, a coisa deu errado.
Para fazer um paralelo com algo mais concreto, é como se você contratasse um arquiteto para criar um projeto bacana para sua casa. Na hora de realizar, no entanto, você pegasse pedreiros que não tinham capacidade de construir aquilo. O resultado final é uma casa que desaba assim que você resolve morar nela.
ESTE É ANAMORPHINE
Anamorphine é um walking simulator que conta a história do casal Elena e Tyler. Você controla Tyler e vai, ao longo de duas horas, reviver a vida dos dois juntos, passando por momentos felizes e outros deprimentes, em uma apresentação quase totalmente não-verbal. Especulo que a intenção da Artifact 5 foi recriar em formato de jogo as emoções causadas por aquele clipe que rola no início de Up – Altas Aventuras.
A proposta é ótima. Eu gosto muito de jogos mais emocionais, e walking simulators são a melhor forma de realizar isso.
O gameplay em si lembra bastante Layers of Fear. Basicamente, você anda por um corredor, daí chega a um ponto sem saída, gira 180 graus e percebe que o cenário atrás de você mudou, e um novo caminho se abriu. Em Layers of Fear, a ideia disso era causar medo. Aqui, é causar confusão, sentimento bem comum em quem está vivenciando as coisas que acontecem na história.
Da parte criativa, uma coisa que me incomodou é algo comum quando a cultura pop aborda a depressão: o gatilho. Eles dão a entender que sempre tem algo perfeitamente claro que separa a vida pré e pós-depressão, seja ela uma morte, um acidente ou o que quer que seja. Infelizmente, a vida real não é tão clara, e a maioria das pessoas que sofrem de depressão não são capazes de estabelecer uma data e horário definitivos para o início de sua condição.
Este, porém, é um problema pequeno no conjunto da obra que é Anamorphine.
ANAMORPHINE SIMPLESMENTE NÃO FUNCIONA
Lembra a analogia dos pedreiros lá no início do texto? Pois é. Aqui chegamos nela. Anamorphine não funciona como deveria. O jogo tem um visual bem simples, típico de jogos em VR – mas que fica consideravelmente mais feio em 2D tradicional e pouquíssima animação. Tirando Elena, que é mais detalhada, todos os outros seres humanos que aparecem no jogo são manequins.
E mesmo com um visual tão simples, e rodando no PS4 Pro, acredito que o framerate não passe a nenhum momento de 15 fps. Boa parte do tempo, o jogo rola em câmera lenta não intencional, ou então você vê os frames pulando de um para o outro, como se ele estivesse dando a maior canseira no processador do console.
Isso fica ainda pior em um dos vários segmentos em que você anda de bicicleta. Nestas cenas, a velocidade é naturalmente maior, mas o framerate baixo me causou enjoo, típico do que acontece em jogos muito rápidos de VR.
E isso é quando o jogo está, teoricamente, funcionando como deveria. Digo isso porque ele travou duas vezes para mim. Uma delas eu precisei reiniciar o jogo, e na outra o próprio PS4.
A crueza técnica é tamanha que, em determinada cena, uma porta aparece do nada no meio da cozinha, e eu fiquei em dúvida se era um glitch ou se era intencional. Ao jogar mais um pouco, vi que era intencional, e até tinha um motivo narrativo bem interessante, mas não é o tipo de coisa que deveria ser questionada pelo jogador.
Isso tudo torna terminar Anamorphine – algo que deveria ter o mesmo desafio de assistir a um filme (ou seja, nenhum) – um verdadeiro teste de paciência. Senti-me ao tempo todo brigando com o jogo para poder continuar avançando, enquanto ele fazia tudo que podia para travar meu PS4 e parar minha aventura.
ANAMORPHINE TEM ALGO MUITO BOM
Para não ficar totalmente no lado negativo, tem algo que Anamorphine faz muito bem: o som. A protagonista, Elena, é musicista, e isso significa que é comum ela aparecer tocando. E as músicas são lindas, e realmente emotivas. Os efeitos sonoros e a mixagem surround também são excelentes, dignos de jogos AAA.
É uma pena que, em um projeto com tanto potencial, eu possa falar bem de forma tão limitada. Não cabe a mim dizer se o problema de Anamorphine foi falta de tempo, de dinheiro, ou de talento mesmo. Mas o fato é que ele está tão cru que não parece pronto para ser vendido. Ah, se o fato de ele não ter VR no lançamento fosse o maior de seus problemas…