Afghan Whigs – Do to the Beast

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De todas as bandas alternativas dos anos 1990, o Afghan Whigs talvez seja a mais subestimada, prova de que o estouro do Grunge não roubou só os holofotes do Metal e Hard Rock que vigorava na época, mas também de bandas muito mais próximas em estilo, mas que não se encaixavam exatamente na sonoridade de Seattle.

Mesmo lançando seus primeiros discos pela Sub Pop, a lendária gravadora situada na capital do Grunge, e tendo guitarras sujas e aceleradas em comum com as bandas de lá, o Afghan Whigs se distanciava em influências. Até dividia gostos em comum, como o Punk e um pouco de Metal, mas também possuía referências próprias de Soul Music e Funk em seu DNA. Isso tornava sua sonoridade única e, combinada às letras altamente cafajestes do vocalista e guitarrista Greg Dulli, tornava a banda uma das mais lascivas de todo o Rock.

Era o equivalente guitarreiro a gente como Marvin Gaye, Isaac Hayes e Barry White. O resultado sonoro era tão sexual que, se você ouvisse um dos discos dos Whigs sem a devida proteção, especialmente a trinca Gentlemen (1993), Black Love (1996) e 1965 (1998), poderia muito bem engravidar espontaneamente, até mesmo se você for homem!

A banda acabou no começo da década de 2000, mas retornou alguns anos atrás para uma série de shows. A química entre os integrantes deve ter rolado legal, porque decidiram gravar um novo álbum de inéditas, o primeiro desde 1965, o qual, por acaso, é sua obra-prima, o exemplo perfeito do melhor de sua sonoridade em criatividade máxima.

Logo, a tarefa de sucedê-lo, especialmente após tanto tempo, com seus integrantes próximos dos 50 anos, era duríssima, para não dizer praticamente impossível. Não nego que a primeira vez que botei Do to the Beast, o novo álbum, para tocar, sofri uma pequena decepção.

Sabia que não seria a mesma coisa do seu auge, mas dois fatores saltaram aos ouvidos imediatamente. Primeiro, as guitarras rápidas, sujas e suingadas estão ausentes. Talvez pese nisso o fato do guitarrista Rick McCollum ter deixado a banda antes das gravações, sendo substituído em estúdio por músicos contratados.

Seja por isso ou não, as canções do novo disco são muito mais leves, sem a energia frenética de outrora. E segundo e até mais decepcionante que as guitarras mais controladas e com menos personalidade: a voz de Greg Dulli, antes dono de um vocal rasgado e um dos melhores uivos do Rock, está bem baleada, tendo perdido muita potência. Confira no vídeo abaixo o vocalista no seu auge:

Contudo, escutando mais algumas vezes, e mesmo com essas características que me desagradaram permanecendo, foi possível também notar as qualidades que o disco possui. Tudo bem, as guitarras não são tão empolgantes quanto outrora, mas ainda fazem um bom trabalho, com ótimos fraseados e há outros elementos e instrumentos nas canções para compensar. E mesmo que sua voz não seja mais a mesma, Dulli sabe trabalhar suas limitações nas novas músicas, adotando um estilo mais manhoso e rouco de cantar que ainda mantém o lado sexy das composições da banda, embora elas agora não sejam tão descaradamente libertinas.

Entre os bons momentos do disco estão a balada e primeira música de trabalho Algiers; a faixa de abertura Parked Outside, mais sincopada e climática; Matamoros, com um trabalho de guitarras o qual é o que mais remete ao que era a banda nos anos 90 e Royal Cream, sem dúvida a mais nervosa do disco.

Já as mais lentas, como It Kills, Lost in the Woods, Can Rova e These Sticks remetem muito mais ao projeto solo de Dulli, o Twilight Singers, com uma ambiência um tanto mais soturna. Não são ruins, mas me passaram a sensação de estarem deslocadas, de simplesmente não combinarem muito com a cara da banda.

The Lottery e I Am Fire, por outro lado, são mais bem sucedidas em mostrar uma faceta nova e muito mais interessante para o grupo em boas composições que realmente soam como canções inéditas e não como sobras de gravação de um projeto paralelo de um de seus integrantes.

Em 10 faixas, Do to the Beast mostra que o Afghan Whigs não tem mais o mesmo gás de outrora e dificilmente voltará a ter. Ainda assim, também mostra que ainda pode surpreender aqui e ali, desde que guardadas as devidas proporções. Se duas décadas atrás faziam uma verdadeira orgia sonora, agora o máximo que conseguem é uma rapidinha descompromissada. Mas se isso for o suficiente para fazer a banda (e seus ótimos discos dos anos 90) ganhar uma merecida redescoberta, já está bom demais.

REVER GERAL
Nota
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Carlos Cyrino
Formado em cinema (FAAP) e jornalismo (PUC-SP), também é escritor com um romance publicado (Espaços Desabitados, 2010) e muitos outros na gaveta esperando pela luz do dia. Além disso, trabalha com audiovisual. Adora filmes, HQs, livros e rock da vertente mais alternativa. Fez parte do DELFOS de 2005 a 2019.
afghan-whigs-do-to-the-beastAno: 2014<br> Gênero: Rock Alternativo<br> Duração: 40:49<br> Artista: Afghan Whigs<br> Número de Faixas: 10<br> Gravadora: Sub Pop<br>