A Zona Morta

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Eu havia dito na resenha da biografia de Stephen King que, após lê-la, havia ficado com vontade de voltar a ler seus romances. Isso depois de um hiato de alguns bons anos após uma grande decepção envolvendo a série A Torre Negra (não se preocupe, você vai saber exatamente o que aconteceu em uma matéria especial já escrita sobre a saga em questão). Dito e feito, retomei o contato com a obra do mestre do terror justamente com um de seus primeiros livros, o quarto para ser mais exato.

A Zona Morta, contudo, é seu primeiro romance que se distancia do terror, embora mantenha os elementos fantásticos tão caros ao escritor. Ou pelo menos eu não considerei em nenhum momento este como um livro de terror, embora reconheça alguns momentos que outros possam considerar como tal.

Esta é a singela história de John Smith, outrora um simples professor de cidadezinha pequena. Mas o cara sofre um terrível acidente de carro e, após passar quase cinco anos em coma, desperta com a habilidade de prever o futuro tocando em pessoas ou objetos.

A princípio, tudo que deseja é apenas retomar sua vida o mais normalmente possível, embora eventualmente se sinta compelido a interferir em alguns casos específicos. A coisa se complica quando ele cumprimenta um político num comício e tem uma visão estarrecedora do futuro: o cara vai se tornar presidente e irá mergulhar o mundo numa guerra devastadora.

A partir daí o romance desenvolve aquele clássico dilema sobre Hitler: se você soubesse o que ele se tornaria e o que faria, mataria o führer quando ele ainda era uma criança? Contudo, o dilema de John Smith só acontece bem no final do livro, e com uma resolução bastante apressada, o que é algo bem estranho, pois não só essa é a sinopse básica do romance, como King passou páginas e páginas preparando esse momento, apenas para resolvê-lo de forma um tanto abrupta.

Eu dei um desconto, pois este ainda é o escritor em começo de carreira (embora já fosse famoso à época) e não o King totalmente consagrado. Aqui, além desse problema, ele comete alguns outros pequenos pecados, como insistir em elementos inverossímeis, e não me refiro aos fatores fantásticos da história, mas sim a coisas até mais triviais, como o próprio nome do protagonista, embora ele tente incorporar esses absurdos de forma natural à trama. Contudo, simplesmente alterá-los teria sido menos trabalhoso e mais eficaz.

No entanto, como construção e desenvolvimento de personagens, algo que sempre foi uma das melhores qualidades do autor, funciona muito bem. É aquela coisa: na maior parte do tempo, nada realmente acontece. Mas é uma leitura que prende a atenção e, enquanto você lê, quase consegue acreditar que aqueles personagens possam existir, mesmo que um deles se chame João Silva (sem nome do meio ou outro sobrenome). E é daí que vem a diversão da leitura, mais do que a própria trama em si, e, sobretudo, mais do que sua resolução falha e até mesmo previsível.

A Zona Morta não está no mesmo nível de outros dos primeiros romances de King, como Carrie, a Estranha ou O Iluminado, por exemplo, mas ainda assim é uma leitura bastante divertida. Se você gosta do autor e já leu seus livros mais conhecidos e/ou mais bem avaliados, é uma boa pedida.

CURIOSIDADES:

– O romance foi publicado quatro vezes no Brasil. Em 1985, pela Abril Cultural; em 1988, pelo Círculo do Livro; em 2008, pela Objetiva e em 2009, em formato pocket, pela Ponto de Leitura, que foi a versão analisada nesta resenha.

– Como quase tudo que King publicou, este livro também foi adaptado para as telas. A primeira vez foi no filme de 1983 que aqui ficou conhecido como A Hora da Zona Morta. Ele foi dirigido pelo tremendão David Cronenberg e estrelado por Christopher Walken, Tom Skerritt e Martin Sheen.

– Além do longa-metragem, o livro também deu origem a uma série de TV. The Dead Zone ou O Vidente, como também foi chamada por aqui, foi produzida entre 2002 e 2007, teve 81 episódios e foi protagonizada por Anthony Michael Hall.