Eu não esperava gostar de Days Gone. Tipo, eu nunca achei que seria ruim. Mas me parecia tão absurdamente comum que eu achava difícil que se destacasse de alguma forma. O jogo final tem problemas. Muitos até. Mas eu tenho um grande fraco por jogos single player com boas histórias. E foi neste aspecto que ele me conquistou. Esta é nossa análise Days Gone.
ANÁLISE DAYS GONE
Aqui você controla Deacon St. John, um motoqueiro do clube chamado Mongrels. Quando o apocalipse zumbi acontece, ele é separado de sua esposa e passa os próximos dois anos motocando pelos EUA com seu brother from another mother Boozer.
O visual de Boozer, com sua cabeça raspada e coberta de tatuagens, chamou minha atenção de imediato. Foi o momento que Days Gone me pareceu ser diferente. Afinal, não estamos acostumados a ver motoqueiros como os heróis de games. O único caso que me lembro é do tremendão Full Throttle.
Infelizmente, o herói Deacon é um protagonista muito insosso. Ele é um galã genérico e nada o separa da massa. Sua personalidade “lobo solitário” o torna o típico protagonista de videogame, e sua voz rouca, a cargo de Sam Witwer, é tão genérica quanto, a ponto de eu ter passado o jogo inteiro achando que o dublador era o arroz de festa Troy Baker.
Deacon é tão genérico que jogar um jogo estrelado por ele é quase como assistir a um filme de ação dos anos 80/90 estrelado pelo Harrison Ford. Você já viu este personagem antes.
Embora a história, como um todo, funcione, ela não reinventa a roda e dá para adivinhar seus twists com horas de antecedência.
HEAVY METAL THUNDER
Boozer logo no início fica seriamente machucado. Então o grosso do primeiro ato da história envolve Deacon dividindo seu tempo entre descobrir o que aconteceu com sua esposa Sarah, e cuidar do seu amigo.
Este é o ponto que eu gostei. Videogames e cultura pop em geral estão cheios de protagonistas que têm que cuidar de uma criança ou de uma mulher. Mas Days Gone é o primeiro caso que vejo em que o indivíduo cuidado é um marmanjo. E um motoqueiro machão ainda por cima.
Isso é muito bem refletido na história. Boozer não quer ser cuidado. Ele fica repetindo que está bem e vai relutantemente aceitando que seu machucado é realmente mais grave do que ele inicialmente pensava.
Muito mais acontece na história. Há vários acampamentos, cada um seguindo uma filosofia própria com a qual você pode ou não concordar. São dezenas de personagens importantes, com histórias divididas por linhas narrativas no menu de progresso. Então bastante coisa acontece por aqui.
LOOKIN’ FOR ADVENTURE
Days Gone se dá muito, muito bem, quando o foco de seu gameplay é na história. Em suas melhores missões, você explora áreas interessantes ao lado de um NPC e ambos ficam conversando e fazendo planos o tempo inteiro. A semelhança com The Last of Us não é mera coincidência, fazendo com que este sirva até como um aperitivo para a continuação da história de Ellie, que vai sair sabe lá Deus quando.
O problema é que ele acontece em um mundo aberto. E neste aspecto, ele vai do absurdamente genérico ao simplesmente ruim.
AND WHATEVER COMES YOUR WAY
Após a sequência de missões introdutórias, eu fui liberado no mundo aberto. A primeira atividade secundária que eu encontrei e resolvi fazer era um acampamento inimigo. O objetivo? Matar todo mundo. Exatamente como em Far Cry.
Eu tinha poucas armas e pouca munição. Fui tentando vencê-los no stealth. Porém, eventualmente eu sempre era avistado, e o tiroteio começava. Com pouca munição, eu tentava vencer os brucutus no corpo a corpo. Mas os tiros deles sempre atraíam não alguns, mas CENTENAS de zumbis.
Eu estava muito indefeso, a ponto de que três ou quatro inimigos humanos me matavam rapidamente. Que dirá então de centenas de zumbis? Morri dezenas de vezes, sentindo que o jogo era absurdamente injusto. Mudei a dificuldade para o easy, e ainda assim morri mais algumas vezes até conseguir limpar o acampamento em silêncio, sem atrair os zumbis. Eventualmente, quando consegui me armar devidamente, o jogo se tornou muito fácil. Exceto nestes casos em que centenas de zumbis apareciam. Daí ele ficava muito difícil, mesmo ajustado para o easy. Esta irregularidade, e a falta de cuidado em colocar um acampamento ao lado de uma horda tão no início do jogo mostra os problemas de design que permeiam toda a experiência.
Mas antes de entrar neste aspecto, vamos falar um pouco mais das outras atividades secundárias. Além de limpar acampamentos inimigos, a outra principal atividade é queimar ninhos de zumbis. E se o primeiro ainda é divertido, ainda que repetitivo, esta segunda é sofrível de tão ruim.
I NEVER WANNA DIE
Eu já falei um pouco dela no meu primeiras impressões. Funciona assim: uma área grande do mapa é marcada em vermelho, mostrada como “infecção”. Você é avisado quantos ninhos tem naquela área. Normalmente são seis. Mas o local dos ninhos não aparece no mapa. Então você deve ficar correndo de um lado para o outro na área vermelha até achar os ninhos, o que leva muito mais tempo do que o recomendável.
Só que os ninhos só podem ser destruídos com molotovs, e só dá para carregar três por vez. Não dá para comprar molotovs, você precisa usar o crafting para criá-los, mas nem sempre os ingredientes necessários estão perto dos ninhos. Então além de ser chato pra burro achar os ninhos, é comum você ficar sem meios de cumprir o objetivo no meio do objetivo, e ter que voltar depois.
Ter que procurar seu objetivo também é um problema nos acampamentos. É super comum você matar todos os inimigos, mas faltar um. E o sujeito estar bastante distante dos outros, necessitando uma entediante busca para o último assassinato.
Estas são as duas principais atividades secundárias, mas tem também outras que são mais próximas de colecionáveis. Checkpoints da Nero são puzzles que dão upgrades para sua vida, resistência ou foco (uma espécie de bullet time), e as tão faladas hordas de zumbis, só vão poder ser vencidas perto do final do jogo, e estão mais para colecionáveis do que para empolgantes cenas de ação. Em geral, tudo que Days Gone apresenta que não é missão de história é bem fraquinho, mostrando que ele funcionaria bem melhor se tentasse ser mais The Last of Us e menos Red Dead Redemption.
TAKE THE WORLD IN A LOVE EMBRACE
As hordas aparecem bastante ao longo do jogo, mas assim como na minha primeira experiência com o acampamento, são basicamente sentenças de morte. E mesmo que você resolva enfrentá-las, e vença, isso só começará a ser computado perto do fim da campanha.
Há, se não me engano, três fases da história em que você é obrigado a vencer hordas. Seria mais legal se a mecânica se limitasse a isso. O problema é que as três aparecem lá no final do jogo, e vêm em missões quase seguidas, o que enche um pouco o saco. A empolgação da primeira dá lugar ao tédio da terceira e maior, que demora dezenas de minutos para ser vencida e onde um pequeno vacilo causa a morte e obriga a voltar do início.
Depois disso, as outras hordas aparecem no mapa como colecionáveis. Eu fui atrás de algumas e me surpreendi que as vencia, mas o jogo não computava minha vitória. Achei que provavelmente tinha um zumbi escondido em algum lugar, como no caso dos acampamentos, mas depois descobri que cada horda é dividida no mapa em três pontos. Para você ganhar o crédito de uma horda, portanto, precisa vencer três delas. Por quê, por Tutatis, por quê?
RACIN’ WITH THE WIND
Days Gone é claramente um jogo de altíssimo orçamento. A qualidade de suas animações, e do audiovisual como um todo demonstram o quanto de dinheiro foi investido nele. Porém, há uma falta de polimento que não é comum em grandes AAA exclusivos. A mesma horda dividida em três lugares diferentes é um exemplo. O cursor do mapa é outro. Você o usa para marcar missões e objetivos, e ele é quase invisível.
Em geral há uma falta de clareza no jogo inteiro. Durante toda sua campanha, você é recompensado com skins bacanas para a sua moto, mas eu não consegui descobrir como usá-los. Nos mecânicos, eu podia pintar a moto de várias cores e aplicar adesivos, mas não encontrei onde ativar os skins elaborados que acumulei.
As cutscenes são outro exemplo típico. Há uma tela de carregamento antes e depois de cada cutscene. Muitas vezes, há uma tela de carregamento entre duas cutscenes. E o mais curioso é que quase todas terminam mostrando Deacon de costas, dando a entender que a ideia é que elas se conectassem naturalmente com o gameplay, como é comum em jogos de alto orçamento. Algo deve ter dado errado na produção, então, para ter ficado como ficou.
Para completar, há uma grande quantidade de glitches. Framerates caem com frequência quando você está andando de moto pelo mundo aberto e é comum parte do cenário ou dos personagens não serem carregados.
Durante minha luta com a maior horda do modo história, eu ficava frequentemente encontrando paredes invisíveis, causando minha morte. Senti que algo estava errado e reiniciei o Playstation. Ao recarregar o save, vi que onde antes estava vazio agora havia obstáculos pelos quais não poderia passar, mas que por algum motivo não foram carregados até eu reiniciar o jogo.
Some estes problemas a inconvenientes planejados, como a necessidade de ficar consertando e abastecendo a moto e longas animações repetitivas e não puláveis (falei mais disso aqui) e Days Gone definitivamente não é um jogo user friendly. Não espere uma experiência polida e amigável, como o Spider-Man de PS4.
FIRE ALL OF YOUR GUNS AT ONCE
Eu sei que este review está parecendo um tanto negativo, mas isso se deve ao fato de que os pontos negativos de Days Gone necessitam de explicações e exemplos. A verdade é que, quando eu limpava o mapa de atividades secundárias, e então fazia uma longa sequência de missões de história seguidas, eu me divertia muito. Isso é o que Days Gone apresenta de bom, e é de fato muito bom. O problema é a quantidade de coisas secundárias pentelhas, e a minha inabilidade pessoal de ignorá-las e fazer apenas o que gosto.
Se você tem esta habilidade, e for absorver Days Gone apenas como uma história, com uma missão depois da outra, terá uma experiência excelente. Tenha Red Dead Redemption 2 em mente, pois a comparação é realmente pertinente. Ambos são jogos pouco convenientes e que se destacam mais pela história do que pelo gameplay. E se você está disposto a encontrá-los nos seus termos, a experiência é marcante e recomendada.