Apesar do nome da graphic novel, esta não é uma história do Batman. Pode parecer paradoxal, mas na realidade o Morcegão está sim ligado à narrativa de Noite de Trevas. O que temos aqui é uma história autobiográfica de seu autor, Paul Dini, um nome bastante ligado ao Cavaleiro das Trevas.
Afinal, ele é um dos nomes por trás de Batman: A Série Animada, até hoje considerado um dos melhores veículos do personagem numa mídia fora das HQs. Dini também foi responsável pela criação da Arlequina ao lado do desenhista Bruce Timm, e também escreve quadrinhos.
Ele assina os roteiros daquela série de álbuns de luxo ilustrada pelo Alex Ross e estrelada pelos principais personagens da DC. Claro que o Batimão ganhou o dele, intitulado Guerra ao Crime.
Mas esta história acontece antes disso, quando Dini estava na equipe de roteiristas da série animada do Batman, que vinha ganhando aclamação de público e crítica. Antes disso, ele já havia tido sucesso como um dos roteiristas da animação Tiny Toons. Estava em franca ascensão criativa.
Então um dia, ao voltar para casa a pé de um encontro, ele é brutalmente atacado, espancado e roubado.A graphic novel foca neste episódio sombrio de sua vida. E é uma história pesadíssima de cunho humano.
O autor faz o recorte de sua vida que eu fiz dois parágrafos acima, uma introdução dela até o momento fatídico que mudou tudo. Após sofrer uma violência gratuita inconcebível, passa a reavaliar sua vida, suas decisões e escolhas, nos mais variados aspectos.
Seus relacionamentos amorosos, familiares e de amizade. O lado profissional, a forma como pensa sua própria vida. Tudo é posto na balança após o episódio e ele tem de achar uma forma de encontrar algum sentido para tudo e colocar o violento episódio para trás.
Aí entra o Batman. Como um escritor de imaginação fértil, passa a imaginar conversas com o herói e com membros de sua galeria de vilões em algumas das mais estranhas sessões de terapia possíveis. Obviamente eles dão voz a diferentes sentimentos e anseios conflitantes dele mesmo, ajudando-o a expor a miríade de sentimentos que vem à tona enquanto se recupera de seus graves ferimentos físicos.
E claro, aí entra também a ironia de um cara que tão bem escreve o vigilante: ter passado por uma situação onde sua ajuda e intervenção teria sido perfeita. Mas claro, infelizmente na vida real não temos justiceiros mascarados para defender os fracos e oprimidos e ele também trata de seus sentimentos sobre esse choque de fantasia x realidade.
Mas são as feridas psicológicas, existentes mesmo antes do acontecido, que mais precisam de cura. E o autor é bem franco ao explorá-la sem rodeios, abrindo sua alma nas páginas da história.
Destaque para a excelente arte do ilustrador argentino Eduardo Risso, dono de um estilo costumeiramente escuro, com ótimo uso de sombras, perfeito para histórias do Batman. Ele aqui também mostra excelente domínio da técnica ao retratar os personagens reais do universo de Paul Dini, bem como o próprio autor.
E também a variar seus traços emulando o estilo dos Tiny Toons, da série animada do Batman e das visões dos personagens de fantasia que habitam a imaginação de Paul. Este é um daqueles trabalhos onde primeiro você fica fascinado pelo texto, depois ainda precisa tirar alguns minutos só para ficar admirando a arte.
É preciso deixar claro que não, esta não é uma história convencional do Batman e ele não é sequer o protagonista. Mas sua presença, o que ele representa e como, mesmo sendo um personagem fictício, ele é importante para o processo de recuperação de uma pessoa real, isso sim é o grande centro da história. O que a acaba tornando uma graphic novel igualmente essencial para seus fãs, e neste caso, mesmo para aqueles que nunca curtiram o personagem.