Antes de mais nada, é preciso dizer que o Noturnall surgiu de uma forma muito estranha. Ela, uma das mais recentes bandas de metal do Brasil na mídia, conta com praticamente todos os membros do atual Shaman, e a exceção é o baterista Ricardo Confessori, que foi substituído por Aquiles Priester. Isso já seria inusitado por si só, já que Aquiles também substituiu Confessori quando entrou no Angra, nos idos de 2001, mas o buraco é um pouco mais embaixo.
Um bom tempo atrás, a partir do segundo semestre de 2012, começaram os boatos sobre o novo álbum do Shaman. Russell Allen, vocalista do Adrenaline Mob e do Symphony X, faria uma participação em uma música e em um videoclipe da banda, mas acabou se envolvendo tanto no projeto que se tornou o produtor do disco. E enquanto a produção rolava lá em Nova Iorque, a banda lançou teasers do videoclipe e do vindouro álbum, contando ainda com as palavras de Russell Allen falando sobre o projeto.
O Shaman lançou inclusive o nome e a capa do disco, que se chamaria… Nocturnal. Quer mais? Pois o videoclipe que seria lançado era da música Nocturnal Human Side, que está neste disco do Noturnall. E ainda não acabou: o Shaman chegou a lançar no Facebook a letra de outra música do álbum chamada Hate!, que – adivinha? – também está no disco cuja resenha você está lendo. Porém, o que temos aqui não é um disco do Shaman e sim um disco do Noturnall, então vamos deixar as teorias conspiratórias FNORD! para lá.
WHO MIGHT YOU BE, FOR REAL?
O ponto principal do disco é que todos na banda são músicos conhecidos de bandas de power metal, o que torna bastante estranha a primeira audição do material. O que temos aqui são músicos de power metal tocando rock pauleira, com influências que vão desde o Pantera até o Slipknot. Ainda assim, eles deixam sua marca power metal no álbum e acrescentam muitos elementos do gênero nas suas dez músicas, porém sendo muito mais uma banda de metal pesado com influências de power metal do que o contrário. Não, delfonauta, não estou brincando – confira você mesmo o segundo single da banda, No Turn At All.
Nesse disco temos um registro vocal bastante singular e inesperado, pois Thiago Bianchi e Russell Allen usam e abusam de vocais rasgados e também de efeitos de estúdio para sintetizar a voz, conseguindo um resultado bastante interessante. O tecladista Juninho Carelli tem destaque mais aparente apenas em solos, estando normalmente apagado e dando apenas leves pinceladas nas músicas, o que acaba por se mostrar um desperdício da oportunidade de se fazer algo mais inovador.
As guitarras de Léo Mancini são muito presentes e ele faz um trabalho extremamente competente, assim como o baixista Fernando Quesada. E, claro, não poderia deixar de falar de Aquiles Priester, que aqui apresenta o seu melhor trabalho desde o Temple of Shadows. Aquiles – também baterista do Hangar – tem uma performance sensacional, mostrando ter amadurecido musicalmente e conseguindo ser virtuoso sem ser pedante. O resultado final é uma banda que soa bastante entrosada e acaba por fazer um bom trabalho.
THERE’S NO WIN WHEN THERE’S NO PAIN
O disco se inicia com a já citada No Turn At All. De fato, essa música funciona muito bem como single, pois dá uma prévia de como o disco será: com momentos muito bons, mas com outros não tão bons assim. Tendo a linha de guitarra mais pesada da bolacha e começando com um pequeno solo de bateria, essa música é poderosa, porém não se sustenta em todos os momentos – incluindo o refrão, que é bem sem graça.
A seguir temos Nocturnal Human Side, o primeiro single da banda (por falar nisso, reparou como a segunda música do álbum é o primeiro single e o segundo single é a primeira música? Curioso, não?). Essa é a melhor música do álbum, sem dúvida. Nocturnal Human Side é forte, com versos bem cadenciados e um refrão extremamente pegajoso – e ainda conta com um clipe que, se não é tão farofa quanto clipes de metal costumam ser, pelo menos conta uma história mais interessante do que eles costumam contar.
A terceira música é Zombies, que não é tão marcante, mas também tem bons momentos. Um desses bons momentos é o refrão, onde temos uma atuação mais marcante do teclado, que junto da guitarra faz uma combinação tão interessante que fica a pergunta: por que a banda não fez algo parecido nas outras músicas?
E esse pensamento fica ainda mais forte com Master of Deception, que possui um teclado ainda mais presente do que na faixa anterior e exatamente por isso com mais texturas, diferente do que normalmente se ouve no metal. Essa influência dos teclados do power metal – onde o tecladista tem uma atuação secundária mas extremamente importante, justamente por garantir o colorido das músicas – soa extremamente promissora e seria interessante caso a banda apostasse mais nisso em um novo registro, pois foi o que proporcionou os momentos mais inventivos do álbum.
Um outro destaque é St. Trigger, uma música que segue por um viés mais experimental e flerta um pouco com a influência prog de bandas como Dream Theater – como, por exemplo, nos longos solos de guitarra e teclado – soando de uma forma muito interessante. Porém, apesar desse bom momento, logo vem a próxima música e um grande estranhamento.
Sugar Pill pode ser definida como uma música de power metal muito boa, o que normalmente não seria um problema, certo? Errado. Ela vai de encontro a todas as músicas do álbum (à exceção das duas baladas das quais falaremos mais à frente) e soa completamente diferente de todas elas. A guitarra no início ainda soa como Noturnall, mas o resto da música não condiz com o riff inicial e entrega bastante do que esperamos de um power metal, só que mais cadenciado. Temos aqui teclados muito presentes e um refrão extremamente pegajoso, com direito a dobra vocal e tudo. Cara, a música é feliz! Tem noção? Não que eu tenha problema com músicas felizes – sou um grande fã de Helloween, mas, a julgar pelo teor das outras músicas, Sugar Pill não é o tipo de música que deveria ser encontrada aqui.
E depois dela temos Last Wish, uma balada extremamente sem sal. Sou muito exigente com baladas, então tenho sérios problemas com baladas caça-níqueis, o que é o caso aqui. Juro que queria falar mais sobre ela, mas essa balada é tão genérica que não há mais nada para dizer, então vamos logo para…
HATE!
Sabe aquelas músicas que a princípio não têm nada de muito especial, mas acabam te conquistando? É o caso de Hate!. Ela é bem cadenciada e agradável de ouvir, e com o tempo acabei me afeiçoando tanto a ela que hoje ela está no meu Top 3 desse CD. Com um ótimo refrão para cantar junto, Hate! acaba se tornando uma grata surpresa.
O mesmo já não se pode dizer de Fake Healer, que também não tem nada demais, mas ao contrário de Hate! não me conquistou. Talvez por não ser animada como a faixa anterior, Fake Healer traz a linha de guitarra mais pesada do álbum depois de No Turn at All, mas soa genérica e acaba sendo um bom exemplo de música nada.
Terminando o disco, temos The Blame Game, que é uma balada um pouco melhor que a primeira, mas ainda assim também soa genérica. Ela é curtinha – tem menos de três minutos – e talvez por isso seja mais fácil de digerir, mas, assim como Last Wish, também não acrescenta muita coisa ao álbum. O ponto forte do Noturnall com certeza não é balada.
NOW IS THE TIME TO SEE
O que temos aqui, no fim das contas, é uma banda envolta em muito experimentalismo, tentando misturar as raízes power metal de seus integrantes com uma vertente mais pesada de metal. Ainda que tenha algumas bolas fora, o resultado final é positivo e levanta uma certa curiosidade acerca do próximo lançamento da banda, que provavelmente terá um estilo melhor definido. Quem curte power metal precisa conhecer este disco, e quem gosta de Slipknot precisa mais ainda, pois todo esse experimentalismo nos trouxe a uma das bandas mais promissoras do Brasil. E a julgar pelo naipe dos seus integrantes, coisa boa vem aí.