Esqueça tudo o que você sabe sobre Tomb Raider e sobre Lara Croft. Aproveite e esqueça também quase tudo que você conhece sobre games de ação e aventura. Como diria uma famosa atriz global, “hoje é dia de Tomb Raider, bebê!”
NASCE UMA SOBREVIVENTE
Este novo game é um legítimo (e merecido) reboot para uma série que já foi grandiosa, mas andava bem mal das pernas há vários anos. A nova Lara Croft não é uma arqueóloga tremendona. Ela quer ser, mas ainda está no início de sua carreira, lutando para descobrir algo grandioso e “deixar sua marca” na história.
Antes de “deixar sua marca”, porém, a jovem Lara é quem irá ficar marcada: nossa bela protagonista está a bordo do navio Endurance em uma expedição que busca a lendária civilização de Yamatai pelos inóspitos mares do Dragon’s Triangle. Não demora para a expedição ser surpreendida por uma violenta tempestade que literalmente parte o Endurance ao meio.
Aos trancos e barrancos, toda a tripulação escapa com vida, indo parar em uma ilha remota nas proximidades. Porém, este é apenas o começo do pesadelo de Lara, pois o que deveria ser uma viagem cheia de aventuras acaba se tornando uma verdadeira luta pela sobrevivência, graças aos diversos perigos e mistérios da ilha.
Lara descobre isso da pior maneira possível: a garota mal saiu do mar e já é atacada. Quando acorda, está presa de ponta cabeça em uma caverna sinistra, repleta de velas vermelhas e esqueletos humanos. Aí é que o jogo começa para valer, em uma das sequências iniciais (jogáveis) mais pintudas dos últimos anos!
O INÍCIO
Você já reparou como o início de alguns jogos é absurdamente emocionante? Não tenho certeza de quando essa moda começou, mas de cabeça, eu vou citar três games que me marcaram justamente por seus inícios épicos. O primeiro deles é God of War. O segundo é Batman: Arkham City. O terceiro é o recente (e excelente) Far Cry 3.
Eis que Tomb Raider chega com os dois pés no meu peito, e já entrou para esta célebre listinha. Os primeiros 10-15 minutos de jogo são absurdamente incríveis, e deixam claro porque este é o primeiro da série a receber classificação etária para maiores de 18 anos. Cuidado com spoilers nos próximos três parágrafos.
Como já disse, Lara começa o jogo pendurada de ponta cabeça em uma caverna bizarra. Assim que se livra dali – de maneira bem engenhosa – ela cai com tudo em cima de um vergalhão de aço, que trespassa seu belo e esguio corpinho. E é você, jogador corajoso, quem deve tirar o bagulho do bucho da moça, em um dos quick time events mais dolorosos da história dos games.
Já bem judiada, Lara precisa arrumar um jeito de sair deste cativeiro sinistro, o que inclui novos momentos eletrizantes, onde ela é perseguida por um sujeito macabro que “só quer ajudá-la” (aham), explode metade da caverna, luta para não ser tragada pela terra e precisa escalar freneticamente uma rampa aparentemente sem fim para enfim ver a luz do dia…
E só depois de tudo isso é que o nome do jogo surge na tela, e a aventura começa para valer. Se você não se importa com spoilers (caso se importe, por que está lendo esta parte da resenha apesar do aviso lá em cima?), confira no vídeo abaixo este exato trecho que eu acabo de descrever e tente não ficar com pena de nossa pobre e bela aventureira:
Cara, que começo incrível! E não pense que o resto do jogo deixa a peteca cair! Claro que o ritmo cai um pouco, mas isto que você viu acima é apenas o começo de uma grandiosa jornada por uma ilha que não é uma ilha qualquer: é praticamente…
A ILHA DE LOST
Sim, meu caro! Embora isso não esteja explícito no jogo, a ilha em que Lara caiu tem diversas similaridades com aquela famosa ilha do seriado Lost!
Vejamos:
* Uma aura mística quase sobrenatural? Confere!
*Restos de navios e aviões que também acabaram se acidentando por ali? Confere!
* População local hostil que cultiva hábitos bizarros e é chefiada por um lunático? Confere!
* Construções e ruínas de uma antiga civilização misteriosa? Confere!
* Bunkers, artefatos e equipamentos da II Guerra Mundial? Confere!
* O fato de a ilha praticamente ter vontade própria e “não deixar” ninguém sair dela? Confere!
* Ursos polares e uma fumaça preta do mal que persegue nossos heróis? Confe… ok, essa é zoeira, mas tudo mais que eu listei acima é de verdade! =D
O game também possui muitas similaridades com o já mencionado Far Cry 3: além do óbvio (ambos os jogos se passam em uma ilha onde rolam altas confusões), nos dois casos temos um protagonista que não é um legítimo herói, mas acaba perpetrando alguns feitos heróicos para sobreviver e salvar seus companheiros.
E é justamente esta jornada pessoal da protagonista o ponto mais interessante da narrativa. Existe todo um mistério sobre o povo Yamatai a ser desvendado no decorrer da campanha, e ele até é bacana, mas sem dúvida o que mais se destaca é o amadurecimento de Lara Croft, que vai de uma náufraga medrosa a uma sobrevivente, até se tornar uma verdadeira heroína.
O fato de termos uma protagonista genuinamente feminina (quem assina o roteiro pela primeira vez é uma mulher, Rhianna Pratchett) fortalece ainda mais a empatia que sentimos pela nova Lara. Para os jogadores homens, será uma questão de honra manter esta bela jovem viva no decorrer de sua aventura. Para as mulheres, Lara é um verdadeiro exemplo a ser seguido, pois está o tempo todo superando seus limites… e chutando o traseiro de homens malvados que podem querer fazer mais do que apenas matá-la.
Para se virar na ilha de Lost, nossa heroína precisa se valer de todas as suas habilidades, que estão constantemente evoluindo. E se você gosta de um bom jogo de aventura, vai adorar o novo Tomb Raider, pois ele mistura cenários interessantes e uma ótima jogabilidade para incentivar a exploração.
VISUAL E SOM
Passear pela ilha se torna uma experiência ainda mais prazerosa graças ao primoroso departamento técnico do game. O visual está incrível, com belos efeitos de iluminação, paisagens de cair o queixo e algumas mudanças climáticas que tornam o ecossistema bem variado.
Entre praias, cavernas, mausoléus, florestas tropicais, favelas (?!) e criptas macabras, a ilha de Lost de Tomb Raider é enorme e repleta de cenários variados, todos muito bem executados.
Tudo isso fica ainda melhor quando acompanhado do primoroso departamento de áudio, que mescla ótimas dublagens com sons ambientes extremamente imersivos e uma trilha sonora que, quando aparece, o faz de maneira grandiosa.
Lara Croft é magistralmente dublada pela bela atriz Camilla Luddington, que também realizou a captura de movimentos da personagem. O resultado é uma Lara autêntica e verossímil, que está o tempo todo confabulando consigo mesma (“I can do this!)”), interagindo com o ambiente ao redor (a maneira como ela estica o braço para se apoiar nas paredes é lindo, e o game é cheio destes detalhezinhos caprichosos) e – como está sempre se arrebentando – gemendo e gritando muito.
A maioria dos demais dubladores também faz um bom trabalho, com diálogos que não só são bem executados, como te ajudam a entrar no universo do game. Você sempre vai ouvir capangas genéricos falando sobre os feitos da moça, duvidando que uma única garota tenha feito tantas coisas, ou simplesmente conversando entre eles, o que é muito legal para te manter por dentro do que está rolando na ilha.
Ah, e vale ressaltar que o game chegou ao Brasil 100% legendado em português. As legendas estão muito boas (até os palavrões são traduzidos fielmente), o que deixa a aventura muito mais acessível para o público tupiniquim.
CORRENDO, SALTANDO E SE PENDURANDO
Lara não é mais aquela ginasta olímpica de outrora. Ainda assim, ela possui o condicionamento físico e a coragem necessários para desbravar a inóspita ilha em que se encontra. Felizmente, a Crystal Dynamics caprichou na movimentação da personagem, e nas novas habilidades que ela destrava conforme avança.
O básico – correr, saltar, se pendurar, escalar -, Lara faz desde o início. Porém, isso não é o suficiente para que ela possa chegar a todos os cantos da ilha. Nestas horas, nossa heroína deve utilizar seus instrumentos e sua inteligência para se virar.
Por exemplo: a primeira arma que encontramos no jogo é o arco-e-flecha. Ele é sem dúvida a melhor arma do jogo, pois é rápido, silencioso e letal. Mas não pense que seu arco vai servir apenas para matar inimigos: além de caçar (atividade que é tremendamente menosprezada no jogo), seu arco também será útil na exploração, pois você poderá disparar flechas incendiárias ou flechas com cordas, que abrem novos caminhos de exploração e tirolesas.
O mesmo vale para o martelo de alpinismo, outro equipamento fundamental para sua sobrevivência. Além de poder ser utilizado como uma arma melee, o martelo ainda é utilizado para escalar certos tipos de paredes, se pendurar em tirolesas, destrancar portas e baús, servir de alavanca para acionar mecanismos, e muito mais.
O que eu quero dizer com isso é que, em Tomb Raider, tudo é útil de várias maneiras. Armas são utilizadas na exploração e itens de exploração viram armas o tempo todo. Esta versatilidade é muito bem utilizada durante toda a campanha, e mesmo na reta final de jogo, você será surpreendido por novas situações que irão testar sua perícia e sua rapidez de raciocínio.
Esta evolução das armas e habilidades da personagem gera um pouco de backtracking. Sabe quando você passa vários minutos tentando acessar alguma área que só poderá ser acessada mais tarde, quando você tiver o item certo? Pois é, Tomb Raider tem bastante disso.
Mas estas idas e vindas não são tão frustrantes graças ao ótimo sistema de fast travel do game: sempre que você encontra e utiliza um acampamento, ele fica magicamente interligado a todos os outros acampamentos já visitados. Com isso, você pode viajar entre as diversas regiões da ilha instantaneamente. Além disso, a tela de fast travel ainda detalha as estatísticas de cada local separadamente (porcentagem de conclusão, o que você já achou, o que falta achar), o que é uma mão na roda para você revisitar somente os locais necessários.
No mais, a jogabilidade se parece muito com o que já vimos na série Uncharted, o que nem de longe é algo ruim, mas temos algumas ideias um pouco curiosas. Por exemplo: não temos um botão para “grudar” em coberturas, embora em diversos tiroteios isso seja essencial. Porém, nestas horas Lara automaticamente adota uma postura defensiva, andando abaixada e podendo buscar abrigo atrás de muros, caixotes e outros objetos.
Os tiroteios, aliás, funcionam magnificamente bem. Tomb Raider nunca foi referência em termos de combate, mas aqui temos algo que realmente funciona. Seja adotando uma abordagem stealth para eliminar sentinelas, seja atirando freneticamente em diversos inimigos ou até mesmo em combate corpo a corpo. Aqui a jogabilidade se adequa às nossas necessidades.
Claro que peitar na cara e na coragem seus inimigos geralmente não é uma boa ideia (afinal, todos são homens maiores e mais fortes do que Lara), mas mesmo nestas horas temos boas opções: uma das habilidades desbloqueáveis permite que ela atire terra no rosto do adversário, cegando-o temporariamente. Um movimento semelhante pode ser utilizado para esquiva, permitindo que você se aproveite da guarda aberta adversária para enfiar-lhe (na mão, mesmo!) uma flecha na goela.
No vídeo abaixo, você confere algumas das habilidades da Srta. Croft em combate:
Em tudo isso, há muito capricho: as animações dos personagens – de Lara, principalmente – são ótimas. A nova Lara tropeça, caminha, corre, salta, rasteja, “cata cavaco”, cai, se pendura… tudo com uma naturalidade incrível. Outra coisa inserida de maneira muito natural no decorrer da aventura são…
OS PUZZLES
Para fazer jus ao seu título, Tomb Raider possui tumbas que podem ser encontradas e desbravadas. Estas tumbas estão espalhadas por toda a ilha e são totalmente opcionais, mas encontrá-las e desbravá-las é um desafio que todo arqueólogo que se preza vai querer cumprir.
Cada uma destas tumbas conta com um pequeno puzzle, que deve ser resolvido para garantir acesso ao seu prêmio (um baú antigo que guarda alguma tranqueira Yamatai). Porém, o que temos aqui são puzzles realmente inseridos dentro de um contexto, não empurração de caixas aleatória (God of War feelings?) ou uma caixinha de música inexpugnável (Resident Evil 3 feelings?).
Por exemplo, em uma tumba, devemos levar uma plataforma para cima. Ao observar os corpos pendentes da tal plataforma, fica evidente que devemos tocar fogo neles, desprendendo o peso extra que impedia a engrenagem de funcionar. Em outra situação, devemos coletar galões e depositá-los em uma gangorra improvisada, para que uma das extremidades se torne uma rampa e não desça com o peso da personagem.
São situações bem boladas, muito bem inseridas no contexto “prático” do game. A maioria destes puzzles é bem fácil, o que, aliás, é uma característica da campanha como um todo: o novo Tomb Raider é um jogo amigável, poucos são os momentos onde você vai ficar “empacado” sem saber o que fazer ou para onde ir. E grande parte desta facilidade vem do…
F*CKING INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA
Este é um recurso de TANTOS jogos hoje em dia que eu já nem sei se a culpa é desta geração de gamers criados a leite com pera ou da indústria, que subestima a inteligência dos jogadores. Não bastam os saves automáticos e a energia que se recarrega sozinha: para facilitar ainda mais a vida do jogador, precisamos de uma visão de raio x!
Desde que o Batman surgiu com seu detective mode – que é extremamente importante e possui um bat-contexto tecnológico envolvido – tudo que é jogo resolveu conceder ao jogador uma variação deste recurso. E o novo Tomb Raider não é diferente.
Ao se deparar com um “beco sem saída”, o jogador pode pressionar um simples botão, que irá ativar o sentido aranha instinto de sobrevivência, que escurece um pouco a tela e destaca com uma berrante luz dourada quaisquer pontos de interesse que tenham passado despercebidos pelo jogador.
Para um jogo de aventura que preza a exploração, porém, este recurso pode tirar todo o desafio do jogo, que já é naturalmente baixo. Eu usei o mínimo possível, e recomendo que você faça o mesmo. Não faz sentido esta nova Lara, realista do jeito que é, ter um “super-poder” overpowered desses. =P
Este é o tipo de jogo onde deveríamos ter apenas uma bússola e nada mais – o game nem é um legítimo “sandbox”, ele passa a falsa impressão de ser de mundo aberto, mas não é – mas em prol da acessibilidade, o tal instinto de sobrevivência está lá para facilitar a vida dos leigos. Queria ver a criançada de hoje em dia jogando Blackthorne, Battletoads, ou praticamente qualquer outro jogo de 20 e poucos anos atrás.
Fora isso, é fato que Tomb Raider é um jogo relativamente fácil. Alguns combates dependem de um pouco de estratégia, mas fora isso, você só vai morrer mesmo em algum quick time event que te pegue de surpresa, ou em algum salto mal calculado. Existe também a possibilidade de ser empalado algumas vezes por galhos de árvores, mas este é um momento bem específico do jogo. Acredite, quando chegar lá você vai saber.
Bom, mas fora este desnecessário instinto de sobrevivência, acredito que a facilidade do jogo como um todo não chega a ser um problema, e ajuda a manter o jogador entretido com a aventura, pois a história está sempre se desenrolando e novas coisas estão acontecendo.
Não tirei nenhum Alfredo da nota por isso. Confesso que a facilidade da batalha final foi um pouco broxante (embora tenha todo um fator emblemático envolvido), mas também não foi isso. O que fez este jogo não levar o tão sonhado Selo Delfiano Supremo é seu…
MODO MULTIPLAYER
“Desnecessário” é a melhor maneira para definir esta novidade. A campanha principal do jogo é divertida, empolgante e épica. O modo multiplayer, por outro lado, não acrescenta absolutamente nada ao conjunto da obra.
No modo multiplayer, dois grupos se dividem entre os sobreviventes companheiros de Lara e os malucos da ilha em mapas onde temos objetivos já bem manjados, como proteger suprimentos (leia-se king of the hill), carregar suprimentos (leia-se capture the flag), entre outros.
Recursos bacanas, como as tirolesas, estão presentes aqui, mas tudo – da falta de criatividade dos objetivos aos mapas genéricos – deixa a impressão que o multiplayer está aqui não para agregar valor ao jogo, mas porque esta é praticamente uma exigência do mercado atual, que (supostamente) desvaloriza jogos que sejam exclusivamente single player.
Uncharted e Assassin’s Creed são grandes exemplos de como um game single player pode acrescentar modos de jogo para vários jogadores sem que isto pareça forçado. Infelizmente, em Tomb Raider não houve esta preocupação, e o deslocado modo multiplayer só está ali por estar, mesmo. Na prática, se prepare para jogar por 15 ou 20 minutos, enjoar e voltar para a campanha, que é só o que este jogo precisava ter.
CONCLUSÃO
Muitos anos atrás, Tomb Raider foi referência, inspirando a ótima série Uncharted. Este novo jogo, por sua vez, inspira-se bastante no filhote Uncharted, mas possui muita personalidade, e reapresenta esta grande franquia e sua icônica protagonista em grande estilo.
Com uma história bacana, uma personagem incrível e ação cinematográfica de primeira linha, este reboot sem dúvida coloca Tomb Raider novamente no topo do gênero que um dia ajudou a criar.
Se você já era fã da franquia, vai ficar mais fã ainda. Se não era, prepare-se para passar a ser. Lara Croft está de volta com tudo, em um Tomb Raider que merece ser jogado por qualquer gamer de bom gosto!