Runaways – Garotas do Rock

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De todas as bandas e artistas que poderiam ganhar uma cinebiografia, as Runaways me parecem a escolha mais improvável. Ok, elas foram o primeiro grupo de Rock totalmente feminino e fazem um som pra lá de legal, mas convenhamos, elas não são assim tão populares nem tão relevantes para a música em geral. Inclusive, a carreira da Joan Jett pós-Runaways é bem mais prolífica e repleta de hits, e até a diretora deste filme sabe disso, pois optou por encerrar o filme com Bad Reputation, não com Cherry Bomb ou alguma outra faixa das Runaways.

Mas vamos ao filme. E o que dizer dele? Se você já viu uma cinebiografia, já viu todas. Temos aqui a formação, fama e queda das Runaways, focada exclusivamente na relação entre a vocalista Cherry Currie e a guitarrista Joan Jett. Curiosamente, a Lita Ford, que disputa com a Joan Jett o título de pessoa mais famosa da banda (tanto que até participou do Brütal Legend), quase não aparece.

O principal ponto positivo é a sua honestidade, pois eles abordam o fato de as Runaways serem uma banda montada – o que normalmente é escondido nas biografias de grupos de Rock. Todos sabemos que os maiores conjuntos do gênero são montados por empresários e produtores, mas alguns de nós preferem ignorar esse fato, pois tira o romantismo do gênero. Ponto para este filme por mostrar isso como realmente aconteceu.

Por outro lado, sua abordagem é bem tradicional, já que se concentra especialmente na parte do sexo e das drogas, como sempre rola quando o mundo do Rock aparece no cinema. Todo o resto é contado de forma rápida e sem o desenvolvimento necessário. Por exemplo, as garotas assinam o contrato com a gravadora e daí entra o tradicional videoclipe mostrando manchetes de jornais e pronto, elas são superstars. Simples, não? Já dizia South Park, “se você quer ir de amador a profissional, tudo que você precisa é de um videoclipe”. A separação da banda é tratada da mesma forma rasa, dando a entender que tudo aconteceu apenas por causa de uma sessão de fotos.

Mas fazer o quê? Cinebiografias são assim e pelo menos essa trata de uma banda legal. O gênero, por definição, é a forma mais rasa e vazia de cinema, pois não envolve trabalho criativo de nenhum dos envolvidos. Veja bem, analisando o roteiro, percebemos que mudam apenas características dos personagens (Ray Charles é cego, Joan Jett é drogada), mas a história é absolutamente a mesma.

Já a única exigência feita para os atores é que eles imitem bem pessoas famosas e exaustivamente documentadas em vídeos, entrevistas e afins. E tem gente que acha que só porque uma imitação do Ray Charles, por exemplo, foi bem feita, o cara é um tremendo ator. Convenhamos que imitar o Sílvio Santos, o Elvis Presley ou o Johnny Cash é bem mais fácil do que desenvolver um personagem por conta própria, tendo apenas o roteiro como base. Qualquer ator com alguma capacidade interpretativa tem obrigação de conseguir imitar outra pessoa.

Mas ok, tem público para isso, então esses filmes vão continuar existindo. O problema é que Runaways se considera mais do que um produto de uma linha de montagem industrial sem qualquer tipo de criatividade e tenta ser arte, tenta ser cinema de verdade. E é aí que o negócio realmente perde força.

Permita-me um paralelo. Todos nós concordamos que arrotar é extremamente divertido, especialmente se for o alfabeto. Mas nenhum de nós considera um arroto uma sinfonia. E não adianta colocar um fundo de violino, um arroto continua sendo um arroto, nunca vai chegar perto de um Beethoven.

A diretora Floria Sigismondi constantemente tenta transformar Runaways em arte, com planos bizarros e sem sentido, especialmente nas cenas de shows ou de sexo. E, claro, não dá certo. Linha de montagem é pra ser linha de montagem. Arroto é arroto, sinfonia é sinfonia, entende?

E eu nem acho que é falta de talento da moça. Aliás, pelo contrário, acho que ela até manda bem, como no videoclipe abaixo, dirigido por ela.

Independente do que você pensa da música, não dá para negar que esse videoclipe é excelente. Ela pegou a persona do artista em questão e conseguiu fazer um vídeo perfeito não apenas para ele, mas para a música. Nesse caso, ela usou sua criatividade da forma correta.

Por outro lado, uma cinebiografia é cinema raso, ruim. Qualquer tentativa de ser mais do que isso passa apenas um pedantismo estúpido. É como uma criança tentando discutir Nietzsche com um adulto. Floria não percebeu isso e, por causa disso, Runaways passa uma presunção que uma cinebiografia não pode passar – e pior, que sequer tem a ver com a própria banda representada em seu filme, que prezava por ser bem despojada e divertida. Ela deveria ter guardado sua criatividade para quando fosse fazer cinema de verdade – onde realmente teria espaço para isso.

Com uma direção mais piloto automático, talvez Runaways – Garotas do Rock ganhasse uma nota um pouco mais alta. De qualquer forma, é melhor assistir a um filme sobre uma divertida banda de Hard Rock do que sobre o Howard Hughes. Se você tem algum interesse no grupo, pelo menos vai poder se divertir com as músicas.

Curiosidade:

– Legal o subtítulo nacional, né? Acho que toda cinebiografia deveria ter algo assim para você saber o que esperar. Até sugiro alguns, existentes ou não. Que tal: Ray – O Cego, Michael – O Pedófilo do Pop, Johnny & June – O cara que tocou na prisão e sua garota caipira. A lista é imensa, continue-a nos comentários.