Afinal, que diabos é um nerd?

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Se você acessa o DELFOS, então há grandes probabilidades de se considerar um nerd. Mas já parou para pensar qual o significado desta palavra? E mesmo quais as suas origens?

Bem, eu admito que não sabia de onde surgiu a palavra. O que é bem instigante, considerando-se que se trata de uma cultura que cresce a cada dia e ganha novos adeptos com velocidade impressionante.

Na verdade, não deixa de ser curioso constatar que muitas pessoas possuem uma noção do estereótipo que essa palavra agrega a um indivíduo, mas não sabem de onde saiu isso e nem que atualmente tal termo não necessariamente implica o que a maioria dessas pessoas “leigas” considera como sendo um nerd.

Consultei alguns amigos que se consideram nerds desde que se conhecem por gente e eles também desconheciam a origem etimológica da palavra. Até mesmo uma professora de lingüística não soube precisar o quando e o porquê de sua criação.

Sendo assim, nada mais interessante que, nesta matéria, sair um pouco do universo abordado pela cultura nerd e entrar em seus próprios primórdios, a criação e os significados adquiridos do termo. Vamos lá?

UMA PEQUENA INTRODUÇÃO PESSOAL

Antes da pesquisa para essa matéria, o que segue abaixo era o que eu sabia até então sobre a palavra e os indivíduos definidos por ela, que é, creio, o que a maioria dos brasileiros que se considera como um provavelmente também sabe.

Durante a minha infância, nerd significava o mesmo que CDF. Era a pessoa inteligente, que gostava de estudar e sempre tirava notas altas. E isso era usado como um termo pejorativo, como se possuir êxitos acadêmicos fosse um pecado mortal, daqueles de se usar uma letra escarlate no peito para ser facilmente identificado e sacaneado por todos aqueles que se saíam melhor na aula de educação física do que nas outras matérias.

Embora me considerasse inteligente e tirasse notas boas, não aceitava o termo pois, além de ser praticamente um insulto, havia um diferencial. Eu nunca gostei (e ainda não gosto) de estudar. Eu o fazia simplesmente porque era melhor do que ficar de recuperação ao final do ano e perder parte das férias. O que, de fato, é uma atitude inteligente, mas acho que deu para notar a contradição.

Já na pré-adolescência, notei que passavam a te chamar de nerd independente das notas tiradas. Nessa época, se você fosse gordo, magrelo, usasse óculos ou aparelho nos dentes, automaticamente era um nerd. Não importa se você soubesse jogar futebol ou pegasse recuperação de todas as matérias. Era uma questão de mera aparência física.

Já na minha adolescência, notei que o significado do termo estava mudando mais uma vez, e aí, resolvi abraçá-lo de vez, pois desta vez sentia que me encaixava completamente e não era mais algo necessariamente ofensivo. Agora, nerds eram pessoas que assistiam a inúmeros programas de TV, liam HQs (coisa que a maioria das pessoas considera até hoje “coisa de criança”), adoram filmes e videogames, jogam RPG e possuem um senso de humor um tanto peculiar, pautado em grande parte por referências de todos os elementos citados acima. Em suma, é um apaixonado pela chamada cultura Pop, e a leva um tanto mais a sério do que os “leigos”, principalmente depois da popularização da internet.

E agora que você está por dentro do que eu já conhecia, eis o mais interessante, um verdadeiro trabalho arqueológico de escavação da origem da palavra.

AS ORIGENS

A primeira aparição documentada da palavra “nerd” surgiu em 1950 como o nome de uma criatura no livro If I Ran the Zoo, de autoria de Dr. Seuss, um escritor de livros infantis muito popular nos EUA, mas virtualmente desconhecido aqui no Brasil. Suas obras mais famosas são os livros Como o Grinch Roubou o Natal e O Gatola da Cartola (ambos viraram filmes, com os títulos de O Grinch e O Gato, estrelados por Jim Carrey e Mike Myers, respectivamente). Enfim, no livro em questão, o narrador Gerald McGrew diz que vai coletar “um Nerkle, um Nerd e um Seersucker também” para seu zoológico imaginário.

Já a palavra como gíria começou a aparecer a partir de 1951, quando a revista Newsweek constatou que seu uso havia se popularizado na cidade de Detroit (porque especificamente lá é um mistério). No início dos anos 60, ela já havia se espalhado por todo os EUA e chegara até à Escócia!

Durante todo esse período, seu significado era o de uma “pessoa chata”, servindo como sinônimo para alguém “quadrado” ou “careta”. Apenas a partir da década de 70, a gíria passou a ganhar conotações de pessoa estudiosa (estilo “rato de livros”) e possuidora de inaptidão social.

E foi também nessa década que se popularizou de vez, graças ao seu uso recorrente no seriado de TV Happy Days, o qual retratava a vida de uma típica família americana numa cidadezinha nos anos 50. Essa série popularizou o personagem Fonzie, o rebelde sem causa da região.

AS VARIANTES

Na segunda metade da década de 60 e início dos anos 70, surgiu uma escrita alternativa: “nurd”. O popular autor de ficção científica Philip K. Dick (filmes como Blade Runner – O Caçador de Andróides e Minority Report – A Nova Lei são adaptações de sua obra) clamava para si a autoria desse termo, alegando tê-lo inventado no ano de 1973.

No entanto, seu primeiro uso registrado apareceu em 1965 em uma publicação de um estudante do Rensselaer Polytechnic Institute. Reza a lenda que a palavra escrita dessa forma surgiu como uma corruptela de “knurd”, que nada mais seria que a palavra “drunk” (bêbado) ao contrário. Ela seria usada para descrever pessoas que preferiam estudar a festejar, em oposição aos sempre alegres e farristas pés-de-cana.

Já uma outra variante, “gnurd”, foi usada amplamente no popular Massachusetts Institute of Technology, o MIT, durante a primeira metade da década de 70. E se a palavra já significava sujeito inteligente e com aptidão para as ciências, esse sem dúvida era o local ideal para se empregar o termo.

Outras teorias mais estapafúrdias sugerem que a origem da palavra seria derivada de Mortimer Snerd, o boneco do ventríloquo Edgar Bergen (é, falou. Afinal, ventríloquos são extremamente populares, a ponto de disseminar mundialmente uma nova gíria…) ou ainda dos laboratórios da Northern Electric Research and Development (sacou as iniciais?), hoje em dia chamada de Nortel, em Ontário, Canadá.

E para finalizar, o Online Etymology Dictionary sugere que a palavra seria uma alteração de um termo dos anos 40: “nert” (que significa “pessoa imbecil ou maluca”), o qual, por sua vez é uma corruptela da palavra “nut” (maluco).

Qual dessas variantes é verdadeira? Todas? Nenhuma? Seja como for, fica a cargo de cada um escolher sua versão favorita.

OS NERDS VÃO AO CINEMA

Em 1984 chegou aos cinemas gringos o filme A Vingança dos Nerds, grande responsável por perpetuar o estereótipo do grupo em larga escala.

Na trama, um grupo de estudantes universitários, rejeitados pelas fraternidades do campus, resolve montar a sua própria, atraindo a ira de uma outra fraternidade, composta por atletas valentões. Por que tanta hostilidade contra os colegas? Simples: porque eles são nerds.

Na película, eles são retratados como sujeitos fisicamente fracotes e desengonçados, de óculos e com o cabelo lambido e repartido de lado. Para completar o pacote, andavam com calculadoras e canetas no bolso das camisas.

Também se apropriaram do significado da palavra nos primórdios de seu surgimento. Os nerds do filme, fora o que já foi citado acima, eram todos inteligentes e voltados para a ciência e também tinham dificuldades de socialização. Não conseguiam interagir satisfatoriamente com quem não fosse do seu grupo e não conseguiam falar com as mulheres.

No entanto, fora espalhar esse estereótipo para o mundo inteiro, também apresentou o chamado “orgulho nerd”. Os personagens da película não tinham vergonha de serem como eram e lutavam para que suas diferenças fossem aceitas e respeitadas.

Dado o sucesso do filme, ele ganhou mais duas continuações. Uma em 1987 e outra em 1992, feita direto para a TV. Atualmente, há o projeto de se refilmar o longa original circulando por Hollywood.

A NOVA CONCEPÇÃO

Foi na década de 90 que a palavra começou a mudar de significado. Com a cultura Pop tomando proporções cada vez maiores, e principalmente com a popularização da internet, os aficcionados por ela passaram a responder pela alcunha.

Isso porque tais coisas vistas antes como hobbies de indivíduos anti-sociais se popularizaram. Agora, quem jogava RPG, videogames e lia quadrinhos, não era necessariamente um cara sem vida social que preferia ficar em casa a sair com os amigos.

Agora, independente de tipo físico, nerds eram os caras que sacavam todas as referências de Os Simpsons (e também escreveriam seus episódios), passariam horas em fóruns de discussão online debatendo se a adaptação cinematográfica da sua HQ favorita ficou fiel ou examinando cada minúcia do último episódio de Lost.

Claro, ainda existem aqueles que preferem passar 24 horas num computador, bem como aqueles que conhecem toda a cronologia da Marvel e não possuem nenhuma dificuldade de socialização.

Os próprios veículos voltados a essa cultura (principalmente sites) trataram de ajudar a quebrar esse estereótipo, abraçando a palavra nerd como sinônimo de apaixonado por elementos da cultura Pop, e não por um tipo físico ou por alguma particularidade psicológica.

E assim, concluímos nossa pequena aula de “História Nérdica”, indo de sua pré-história até o pós-modernismo. E se você crê que se encaixa nessa categoria, agora já pode dizer com orgulho que conhece suas origens. E não se esqueça de linkar esta página!

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