Muita expectativa. Devo admitir que este era o filme mais esperado por mim este ano, até mais do que Episódio III. Por mais que eu adore a saga espacial de George Lucas, Batman é meu super-herói favorito de todos os tempos, um verdadeiro tremendão. Logo, queria muito saber se este seria o filme que redimiria a carreira cinematográfica do morcegão.
As luzes se apagam e centenas de morcegos tomam conta da tela. Mais de duas horas depois sobem os créditos finais e consigo minha resposta. E ela não poderia ser melhor: esqueça os quatro filmes anteriores. Este, como os filmes do Homem-Aranha e dos X-Men, é ótimo e respeita a fonte. Christopher Nolan mostrou a Tim Burton e ao aspirante a diretor Joel Schumacher como é que se faz direito, e com muita classe. E sem batmamilos.
Batman Begins é praticamente dois filmes em um. A primeira metade trata do treinamento de Bruce Wayne, suas viagens pelo mundo vivendo em meio a criminosos (para melhor conhecer sua forma de agir e aproveitar para descer o braço neles) e sua vontade de aperfeiçoar corpo e mente, até encontrar o treinador perfeito na figura de Henri Ducard (Liam Neeson, que também treinou Obi-Wan e o pequeno Anakin Skywalker no Episódio I), homem de confiança de Ra´s Al Ghul (Ken Watanabe, de O Último Samurai), figura enigmática, líder de uma organização chamada Liga das Sombras que tem uma noção bem radical de justiça.
Este período em que Bruce Wayne viaja pelo mundo é pouco mostrado nos quadrinhos e, assim, o filme preenche bem essa lacuna. Porém, ficou faltando mostrar os estudos em criminologia e ciências forenses, que transformaram Batman no maior detetive do mundo (eu já mencionei que ele é um tremendão?).
Terminado o treinamento, Wayne recusa-se a se tornar um membro da Liga, o que causa um certo desentendimento entre ele, Ra’s, Ducard e um monte de ninjas, na primeira grande seqüência de ação da história.
Na segunda metade, Bruce retorna a Gotham City e torna-se o Batman. A famosa roupa preta demora cerca de uma hora para aparecer em cena, o que não é de maneira nenhuma algo negativo, muito pelo contrário. O grande mérito do filme é não se apressar para contar a história, dosando muito bem o drama com a ação.
Nesta parte, descobrimos que Gotham está chafurdando na criminalidade, controlada pelo mafioso Carmine Falcone (sim, o “Romano” está no filme!), que conta com a ajuda do Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy – de Extermínio), psiquiatra do Asilo Arkham, que livra os capangas de Falcone do xilindró alegando insanidade. E nas horas vagas ainda brinca de Espantalho, seguindo ordens de um chefe misterioso.
Não bastasse tudo isso, o Sr. Wayne tem que ficar de olho em suas empresas, já que muita coisa mudou na direção delas enquanto ele esteve fora. E ainda precisa bancar o playboy desmiolado para proteger sua nova identidade secreta. Tudo bem que eu não me importaria em sair desfilando com duas garotas a tiracolo e comprando hotéis, mas Bruce não parece muito confortável com isso.
Todos os elementos dos quadrinhos estão presentes: a tradicional cena da morte de Thomas e Martha Wayne, pelas mãos de Joe Chill (e não de Jack Napier, o Coringa, como acontece no filme de Tim Burton) é apresentada de uma forma brusca, o que só causa um impacto maior. Há ainda a atmosfera sombria e suja de uma Gotham bem mais realista do que as anteriores e as relações entre Bruce/Batman e sua ótima galeria de personagens coadjuvantes.
Alfred, na brilhante atuação de sir Michael Caine (nome que, traduzido para o português, daria algo como “Minha cocaína”), é sem dúvida o porto seguro de Bruce. O fiel mordomo cuida dele desde a morte dos pais, e quando ele retorna de seus treinamentos, o ajuda a criar a persona do Batman e a não sucumbir ao lado negro de sua personalidade. Ele até vai buscar o patrão quando ele está acabado demais para voltar pra casa. E tudo isso com seu tradicional senso de humor irônico.
Lucius Fox (Morgan Freeman) fazia parte da diretoria das Empresas Wayne quando Thomas Wayne estava vivo. Com sua morte e o sumiço do herdeiro, a empresa foi parar nas mãos de Richard Earle (o replicante Rutger Hauer) que trata de mandar Fox para a divisão de Ciências Aplicadas, considerada um peso morto, já que todos os protótipos de equipamentos são caros demais para serem manufaturados em massa.
É com esses protótipos que Bruce construirá seu uniforme e seus brinquedos maravilhosos. E é através da ajuda de Lucius, que não faz perguntas, mas não é idiota, que se constrói a relação de confiança entre os dois, tão importante nas HQs.
Já como Batman, testemunhamos pela primeira vez na tela grande, o início da parceria entre ele e o então tenente James Gordon (Gary Oldman, idêntico ao personagem!), um dos poucos policiais honestos na corrompida Gotham. Aliás, nunca entendi porque diabos Gordon nunca foi usado apropriadamente nos filmes anteriores, aparecendo pouco e parecendo um palerma. Mas finalmente, este é o filme que veio ensinar como se faz direito.
A primeira aparição do Batman com seu uniforme completo então, é um clássico dos quadrinhos: num tradicional galpão, os meliantes ficam assustados com barulhos estranhos e um vulto misterioso. Capangas são apanhados de surpresa, os outros começam a tremer de medo e a atirar para todo lado, um batarangue acerta a lâmpada…Eles estão perdidos!
Aliás, se você for fã dos quadrinhos, fique atento para uma pequena ponta do Sr. Zsasz (um assassino serial que, para cada vítima executada faz um corte no seu corpo), uma citação a Jeph Loeb (escritor que voltou a pôr a revista do Batman no topo das vendas com a saga Silêncio) no nome do Comissário de polícia e a homenagem a Batman: Ano Um, HQ que serviu de inspiração para o filme, com a presença do corrupto detetive Flass e a seqüência em que Batman é cercado pela polícia no Asilo Arkham. São estas pequenas referências que dão um sabor a mais na obra sem comprometer o entendimento da história para o espectador leigo, mostrando que a DC/Warner fez a lição de casa e decidiu copiar descaradamente essa tática usada em todos os filmes da Marvel desde X-Men.
Devo admitir que um dos meus medos era o batmóvel. Quando vi as primeiras fotos, confesso que achei horrível, afinal, ele estava mais para o tanque de guerra de O Cavaleiro das Trevas, do que para os elegantes carros dos quadrinhos e dos dois primeiros filmes (me recuso a falar sobre os carros carnavalescos dos filmes do maldito Joel Schumacher!). Mas, quando ele entra em ação (numa das melhores seqüências do filme) mostra que não havia o que temer. Depois de ver o que essa máquina pode fazer no trânsito de Gotham, eu comecei a querer um pra mim. Seria a solução a solução ideal para o caótico trânsito de São Paulo.
Devo avisar ainda que as cenas de luta com certeza vão gerar polêmica. Elas são mostradas com câmeras tremidas (para desespero do Corrales), em planos fechados, numa edição bem rápida, onde fica difícil saber direito o que está acontecendo. Esqueça os balés marciais de Matrix e O Tigre e o Dragão, aqui as lutas são as mais realistas possíveis e, afinal de contas, Batman é um sujeito prático que prima pela eficiência ao invés da plasticidade. Eu gostei, mas sei que elas serão o principal ponto de discordância entre o público do filme.
Também é minha obrigação apontar um defeito: a trilha sonora. Não é que ela é exatamente ruim, mas se tem uma coisa que os filmes anteriores do “batimão” fizeram bem foi a música, que dessa vez deu uma decaída.
E, como até agora eu só falei de homens e nenhum filme sobrevive sem uma presença feminina, lá vai: Joey Potter, quero dizer, Katie Holmes, interpreta Rachel Dawes, amiga de infância de Bruce que, adulta, vira promotora e inicia uma cruzada (aliás, já leu a resenha delfiana de Cruzada? Não?) para levar Falcone e seus homens para trás das grades, o que, obviamente, não a torna uma figura muito popular na cidade. Seu personagem não existe nos quadrinhos, mas a relação entre ela e Bruce ficou muito legal no filme (ela tem um papel importante na gênese do Batman) e, além disso, Katie Holmes é um pitéuzinho.
Mas e o Batman? Simples: Christian Bale é o Batman e ponto. Apague de sua memória o tampinha Michael Keaton, o insosso Val Kilmer e o grisalho George Clooney. Bale é sem dúvida, a escolha ideal. Como Batman, ele é ameaçador e violento, mas é como Bruce Wayne que ele se destaca, conseguindo dar toda a complexa profundidade psicológica que o personagem tanto necessita. E ainda desenvolveu muito bem a persona do playboy fútil, faceta ultimamente ignorada nos quadrinhos. Realmente fica difícil de acreditar que esse rapaz festeiro gosta de se vestir de morcego e socar malfeitores.
E por falar em malfeitores, Ra´s Al Ghul pode não ser muito conhecido pelo grande público, mas ficou muito bem no filme. Ele não é exatamente um vilão, pois tem ideais nobres, mas o modo como pretende realizá-los é que causam divergência entre ele e nosso herói.
Já o Espantalho, que nos quadrinhos já virou saco de pancadas, é um canalha de marca maior, sádico ao extremo, dando muito trabalho ao morcego e bastante medo nos espectadores. Muito bom o modo como Christopher Nolan retrata os efeitos do gás do medo. Porém, se o Espantalho recuperou no filme a dignidade perdida nas HQs, tornando-se uma figura assustadora, sua aparição final no filme é um total anticlímax, verdadeiro balde de água fria. Não posso falar mais para não estragar, mas basta dizer que é apenas por este fato que o filme não levou o Selo Delfiano Supremo. Nem tudo é perfeito…
Mas não pense que o filme decai por causa disso. Há uma bela reviravolta surpresa lá pelo trecho final do filme e uma indicação muito bacana do que virá na continuação. Sim, este filme foi feito com a intenção de ter continuações, justamente por isso ele não tem pressa em desenvolver os personagens. Como o título bem diz, este é apenas o começo, o capítulo inicial do que pode ser uma das melhores séries cinematográficas de Hollywood. Para isso, depende apenas da resposta dos fãs na bilheteria. Então termine de ler este texto e, por favor, vá ao cinema, pois eu quero muito ver a continuação!
Agora que já falei do filme, uma pequena reclamação quanto ao título. Por que não o traduziram? Se Batman Returns virou Batman – O Retorno, por que este não poderia ser Batman – O Começo? Mera preguiça de se traduzir o título? Ou será que é uma ordem da Warner para que ele seja uma marca conhecida em todo o mundo, como Guerra nas Estrelas que virou Star Wars, ou o Ursinho Puff, que virou Pooh? Se for este o caso, os engravatados de Hollywood, bem como George Lucas, se esquecem que a maioria da população mundial não fala inglês.
Problemas lingüísticos à parte, a Marvel agora vai ter concorrência pesada no ramo das boas adaptações de quadrinhos para o cinema. E que Superman Returns siga os ensinamentos do mestre Christopher Nolan.