Clássicos – This is Spinal Tap

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Estamos no início dos anos 80, uma época onde o Heavy Metal e o Hard Rock quebraram as barreiras do falso puritanismo britânico e invadiram os lares de milhões de pessoas ao redor do globo. A música pesada deixava de ser apenas um rótulo underground para ganhar fama (e milhões de dólares) em todo o mundo. Programas de televisão e rádio pipocavam a todo momento trazendo as novidades e o Metal se tornava tudo o que sempre condenou: a moda da vez.

Para coroar este momento histórico, em 1984, o renomado diretor norte-americano, Marty DiBergi, resolveu fazer um documentário abrangendo um pouco da vida e da rotina do maior fenômeno do Rock pesado britânico daquele momento. Os músicos em questão não eram novatos na cena, a banda existia desde a década de 60, mas souberam aproveitar o timing certo para fazer muita fama e fortuna na terra do tio Sam.

Durante meses, a banda teve sua privacidade invadida por câmeras no melhor estilo Big Brother, que acompanharam cada passo dos seus integrantes como as brigas nos bastidores, o relacionamento com os fãs, o duelo de egos, o lançamento de um novo disco, o contato com a gravadora e até mesmo a saída de um integrante.

E aí, meu caro leitor, de quem estamos falando? Judas Priest? Iron Maiden? Black Sabbath? Nada disso, a maior banda de Heavy Metal da história tem um nome muito mais marcante, que com certeza você já ouviu falar mas talvez não saiba nada sobre eles (santa blasfêmia). Estou falando do fabuloso Spinal Tap.

Sim, eu sei, é bem provável que você nunca tenha realmente ouvido falar dos caras mas a desculpa é boa: o simples fato que eles não existiram de verdade, foram uma bela armação do diretor Rob Reiner (o Marty DiBergi, também um personagem fictício) e do ator e escritor, Harry Shearer (hoje, o dublador de grande parte dos personagens secundários dos Simpsons), para tirar um sarro de toda essa “moda” tão contagiante naqueles idos. A idéia de ambos era justamente explorar todos os clichês das mega-bandas, como as turnês gigantescas, o passado obscuro, o contato com a imprensa, o amor pela música, um certo descaso com os fãs, enfim, tudo o que pudesse render as mais absurdas situações e, conseqüentemente, boas piadas e, tenha a certeza, This Is Spinal Tap se sai muito bem nessa exploração porque, apesar dos absurdos, somos levados a acreditar que tudo o que acontece na tela é a mais pura verdade.

Aliás, grande parte dessa verossimilhança (eita palavrinha chata) está nas fantásticas interpretações. Todos os atores foram escolhidos a dedo para dar vida aos integrantes da banda: Michael McKean está perfeito como o vocalista e guitarrista David St.Hubbins, Christopher Guest incorporou totalmente o guitarrista solo Nigel Tufnel e nos traz uma interpretação memorável, e, complementando o grupo, temos o próprio escritor do filme, Harry Shearer, como o baixista Derek Smalls. Sentiu falta de um baterista? Pois é, até nisso os caras aproveitaram para tirar um sarro e o Spinal Tap tem um sério problema de troca de bateristas: alguns morrem, outros são expulsos, mas infelizmente nenhum conseguiu um lugar fixo na posição (uma piada que, se você gosta de Metal já deve ter entendido, pois um dos grandes problemas das bandas de Metal na época era a troca de bateristas, vide o Iron Maiden e o Judas Priest). Outro fator importante é que os três atores principais realmente sabiam tocar seus instrumentos e nenhuma “trucagem” de câmera foi usada para iludir o telespectador nas cenas ao vivo dos shows, eles estavam mesmo tocando os “clássicos” da banda. Ah, para complementar o elenco, não posso esquecer de mencionar a a atriz Fran Drescher no papel da produtora Bobbi Flekman. Para quem não se lembra, alguns anos depois Fran fez bastante sucesso com a série The Nanny onde interpretou Fran Fine, a protagonista.

O mais legal de toda a história é que o filme saiu no cinema como um trabalho sério sobre uma banda verdadeira e os produtores demoraram bastante a revelar que tudo não passava de uma grande armação. As próprias situações que o documentário mostra são totalmente espontâneas, inclusive as entrevistas mostradas, e somos levados a acreditar que aquele é realmente o dia-a-dia de uma banda de Heavy Metal. Fatos importantes como a difícil escolha da nova capa de um trabalho, o relacionamento com os empresários, os efeitos especiais que acontecerão na nova turnê e os relacionamentos internos, apesar de gerarem reações pitorescas quando transpostos para as telas do cinema, são situações reais na vida de uma grande banda e toda essa identificação com o estilo em questão é fundamental para entrar de cabeça nesse submundo dos astros do Rock e entender todo o seu contexto.

Mas uma coisa eu preciso dizer: não são todas as pessoas que entendem a mensagem passada e aproveitam este filme como deveriam. Particularmente, se você não gosta de Rock´n´Roll e não conhece sua história, nem perca seu tempo assistindo ao “documentário” pois não será possível entender as inúmeras referências ao movimento psicodélico do final dos anos 60, o Rock ingênuo do começo daquela década e, claro, o Heavy Metal britânico que explodia no começo dos 80.

Mas afinal, quais foram as maiores inspirações para o Spinal Tap? Essa é uma pergunta bem difícil, pois a banda pegou diversas referências no meio. Posso dizer que, em primeiro lugar, o Judas Priest com certeza foi a grande influência da banda (basta reparar no seu logo), mas não a única e, durante a projeção, você irá encontrar elementos de diversas bandas como Kiss, Iron Maiden, Black Sabbath, Deep Purple, Rainbow, Saxon, até os veteranos como Animals, Byrds, Beatles, Beach Boys e por aí vai. Para quem realmente gosta de Rock, encontrar essas referências é um prato cheio para ver e rever o filme dezenas de vezes.

O filme chegou aos cinemas em março de 1984 e, para se ter uma idéia do sucesso que o Spinal Tap alcançou com seu “documentário”, a banda realmente chegou a gravar um disco no estilo Best Of com os sucessos apresentados no longa mais algumas musiquinhas extras, todas obviamente grandes clichês do Rock. Esse trabalho vendeu tão bem que os atores chegaram a pensar seriamente em estabilizar a banda e tentar seguir uma carreira. Por azar (ou sorte), eles nunca chegaram a optar por essa estrada, mas em 1992 voltaram para um show em comemoração aos 25 anos de carreira (!!!) com o Spinal Tap Reunion: The 25th Anniversary London Sell-Out, que depois virou um VHS com uma coletânea de videoclipes da banda, além do show.

Outro exemplo do sucesso do Spinal, é a história que envolve o grande alvo das piadas da banda: o Judas Priest. Os caras do Judas viviam o auge no início dos anos 80 e fixaram residência nos EUA para que pudessem aproveitar a grana que estavam ganhando e a moda do Heavy Metal. Em um determinado dia, alguém resolveu aprontar uma brincadeira com eles e mostrou o filme do Spinal Tap já imaginando que os ingleses mandariam todos para aquele lugar. Qual não foi a surpresa dos sortudos que presenciaram o momento ao constatar que os integrantes do Judas adoraram a fita e realmente acreditaram no documentário. E pior ainda: pediram que fossem atrás da banda e comprassem os discos do Spinal. Quando contaram a Rob Halford e Cia. que aquilo se tratava de uma brincadeira e que o Spinal Tap não existia de fato, o pessoal custou a acreditar pois tudo o que foi mostrado era 100% compatível com a rotina que o Judas Priest vivia naquele momento.

This is Spinal Tap é um marco na história do cinema, não pelo brilhantismo técnico ou por uma história digna de um Oscar, mas por retratar com perfeição todos os clichês de uma época inesquecível onde o Heavy Metal foi sugado até o osso por uma mídia interesseira que o substituiu assim que uma nova moda surgiu: o grunge. Mas o Metal nunca morreu e soube dar o troco com dignidade e voltar para onde jamais deveria ter saído: o underground. Ultimamente, vivemos novamente o processo de glorificação do Heavy Metal. Espero que nossos leitores compreendam que isso nem sempre é benéfico.

Por hora fica a dica: se você for um roqueiro ou headbanger de verdade, corra atrás de This is Spinal Tap (o DVD com vários extras já saiu lá fora em 2000) e prepare-se para rir muito com as mais absurdas situações. O mundo nunca mais foi o mesmo depois do Spinal…

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