Eu gosto da Tango Gameworks desde que eles surgiram. Gosto de The Evil Within, amo The Evil Within 2, adoro Ghostwire Tokyo. E agora, enquanto começo a escrever esta análise Hi-Fi Rush, um único pensamento preenche minha mente: “cara, como eu gostaria que existissem mais jogos assim”.
ANÁLISE HI-FI RUSH
E olha, eu estava em dúvida se Hi-Fi Rush era realmente para mim. Afinal, ele é divulgado como um jogo de ritmo, o que achei que sinceramente o limitaria muito. Na realidade, classificaria este título como um beat’em up em 3D com fortes traços de plataforma. Ritmo faz parte, claro, mas a sensação ao jogar é bem mais próxima de Devil May Cry ou Bayonetta do que de Rock Band.
Inclusive, digo que o que mais o diferencia de games como os hack and slashes supracitados não é o foco em ritmo, mas em plataforma. Hi-Fi Rush mistura porradaria com um pula-pula típico da Nintendo. O que teríamos se misturássemos Devil May Cry com Super Mario Odyssey com um visual estiloso de desenho animado? Se você disse Viewtiful Joe… bem, você pode estar mais perto do que imagina, considerando que os devs envolvidos em Hi-Fi Rush trabalharam em clássicos da Clover e da Platinum.
PORRADA COM RITMO
Tudo em Hi-Fi Rush é altamente musical. Personagens e cenários dançam no ritmo da música. Se você ficar parado, o herói Chai estala os dedos. Ele tem um gatinho voador que brilha a cada batida. Se tudo isso não for suficiente para você, pode apertar o select (ou sei lá como a Microsoft gosta de chamar o botão que antes era select) para que um gráfico apareça na parte inferior da tela mostrando de forma visual e altamente legível o tempo da música. Para ser ainda mais acessível, todas as músicas apresentam a mesma batida. Então, o tempo é sempre o mesmo.
É incrível a quantidade de esforço desprendido para passar o ritmo sonoro também para demonstrações visuais. Além disso, você pode literalmente jogar Hi-Fi Rush como Devil May Cry, e simplesmente distribuir sopapos. Seus ataques sempre acertam na batida, e a diferença entre apertar o botão na hora certa é um leve aumento de força, além de um grande aumento no seu medidor de eSSStilo.
Na prática, a porradaria não é tão diferente de outros games de soquinho. Afinal, o timing mais comum no gênero é você apertar o botão quando o golpe anterior acertar. E isso é o que Hi-Fi Rush pede de você. Mas as suas arenas também podem ser vencidas no button mashing, se preferir. Ou, assim como em Devil May Cry, dá para ativar um modo de combos automáticos, em que o personagem luta de forma estilosa quase automaticamente.
PROBLEMAS DE ACESSIBILIDADE
Nem tudo são flores neste aspecto, no entanto. Eventualmente, Hi-Fi Rush exige, sim, um ritmo considerável para avançar. Ele tem minigames de quick time events que exigem uma precisão absurda, a ponto de que eu tive mais dificuldade e passei mais tempo em um desses minigames do que no chefe final.
Além disso, tem alguns chefes, inimigos especiais e pontos da campanha em que você é obrigado a defletir, mais ou menos como um Sekiro. Estes pontos, como na imagem acima, em geral param a ação e apresentam botões e ritmos. Uma coisa meio 1,2-1,2,3-1,2. E logo em seguida você deve apertar os botões solicitados no exato ritmo proposto. Algumas combinações são fáceis. Outras são bem longas e elaboradas, e a precisão exigida deixa bem difícil vencer. Quando dá certo, a coisa termina com um golpe cinemático e vitorioso que dá uma sensação fantástica, mas em nome da acessibilidade, diria que Hi-Fi Rush deveria dar opções de pular estes trechos ou de aumentar a janela de precisão exigida.
PULA QUE PULA
Hi-Fi Rush segue um estilo de level design simplificado. As fases são deliciosamente lineares, com caminhos alternativos levando apenas a upgrades e colecionáveis. Em geral, elas combinam dois pilares: exploração com plataforma e combate. E ambos são totalmente separados.
Você anda, explora e vence múltiplos desafios de plataforma (inclusive deliciosos trechos em 2.5D, como na imagem acima). Daí eventualmente aparece um cenário largo na sua frente. Ao entrar lá, você fica preso, inimigos aparecem e a palavra fight brilha na tela. Agora você vai encarar algumas ondas de meliantes. Ao vencer todos, seu eSSStilo é classificado, e você volta ao modo exploração/plataforma.
O combate é sempre em arenas, você nunca encontra um ou dois inimigos que estão simplesmente parados no meio do caminho. Isso deixa a coisa um pouco previsível, mas o gameplay dos dois pilares é tão bom, e o visual tão impressionante, que Hi-Fi Rush varia na escala do sensacional ao simplesmente fantástico.
ANÁLISE HI-FI RUSH: JOGANDO UM DESENHO ANIMADO
O estilo cel-shaded é relativamente comum em games. E em geral, ele é bem eficiente no uso de cores, mas os personagens e cenários ainda costumam parecer “gráficos de videogame” pintados como desenho animado. Hi-Fi Rush não. Sabe os games de South Park da Ubisoft, que têm exatamente a mesma cara da série de TV? Hi-Fi Rush não é baseado em um programa de TV, mas a sensação de ver as suas cutscenes é como assistir a uma linda animação feita para cinema. E o gameplay apresenta exatamente o mesmo visual de suas cutscenes.
Videogames costumam se dividir em duas estéticas principais. Os de alto orçamento vão atrás de um visual realista. Os mais independentes, em geral, investem em visual retrô, normalmente emulando Nintendinho. Eu acho incrível que a gente tenha tecnologia para jogar um literal desenho animado, mas isso simplesmente não seja usado por quem cria games.
O mais estranho é que tenho certeza que o visual de Hi-Fi Rush não vai envelhecer mal. Desenhos animados antigos, como Cinderela e Branca de Neve, continuam bonitos hoje, mesmo que a gente perceba avanços tecnológicos em animações mais recentes. Da mesma forma, um Hi-Fi Rush feito em 2057 seria tecnicamente mais avançado. Mas a diferença para o que temos aqui não seria tão gritante como vemos ao comparar games com visual realista de 20 anos atrás com o que temos hoje. Em outras palavras, essa estética – que é mais barata de fazer do que o elusivo visual realista – deveria ser usada bem mais do que é hoje em dia.
CENÁRIOS INDUSTRIAIS
Graficamente, Hi-Fi Rush é perfeito. Os personagens e cenários são lindamente desenhados, com um uso de cores fantástico. Porém, gostaria que tivessem usado maior criatividade nos cenários. Quase todo o jogo acontece em fases típicas de videogame: cenários industriais e em construção.
A coisa só começa a variar na fase do marketing, que é o último terço do jogo – e de longe a parte mais legal. Se tenho uma reclamação a fazer do visual de Hi-Fi Rush é justamente a falta de criatividade nos cenários das fases, que são bem repetitivos em dois terços do game.
Neste aspecto, ele me lembrou o Final Fantasy VII Remake. Lembra que falei na minha resenha que os gráficos eram lindos, mas os cenários, sempre industriais, careciam de criatividade? Mais ou menos a mesma coisa acontece em Hi-Fi Rush. Curioso é que você passa dois terços do jogo praticamente no mesmo cenário sem graça, mas apenas na fase do marketing passa por um parque, um museu, um camarim e um palco musical. O que falta de variação no que veio antes sobra nessa fase. E o que vem depois continua legal também.
ANÁLISE HI-FI RUSH E A HISTÓRIA
Além da estética sensacional, o roteiro de Hi-Fi Rush também é muito legal. A história é aquela coisa meio básica de videogame, mas os personagens são muito legais e muito bem atuados – inclusive na versão falada em português. O humor é muito bacana, cheio de metalinguagem sobre videogames – tanto dos games em si quanto da produção deles – e em muitos aspectos lembra bastante o estilo de Portal.
A história envolve você caçando seis chefes de departamentos importantes de uma grande empresa. Assim, enquanto está na cola de cada um deles, todos têm tempo para brilhar e são bem desenvolvidos. Tem, por exemplo, o cara da área criativa, cuja ambição é tão grande que ele acaba estourando o orçamento fazendo setpieces cada vez maiores e mais caros para tentar te parar.
Cada chefe tem sua personalidade e suas piadas próprias, e muitas têm relação direta com o mundo dos games. Eu ri muito quando um funcionário da empresa comentou que a verba de marketing era muito maior do que a de desenvolvimento.
ANÁLISE HI-FI RUSH E MUITO MAIS A DIZER
Tenho muito mais a falar sobre Hi-Fi Rush. O combate, por exemplo, é bem mais elaborado do que esperava. Há uma quantidade enorme de combos, ataques especiais e até a possibilidade de chamar parceiros. As partes de plataforma são deliciosas, com uma enorme quantidade de movimentos bacanas à sua disposição. E tem a trilha sonora, com algumas faixas licenciadas (a mais famosa provavelmente é The Perfect Drug, do Nine Inch Nails), mas cuja maioria das músicas foi composta especialmente para o jogo – e funcionam até melhor do que as licenciadas.
É incrível que já em janeiro tenhamos um enorme concorrente a melhor jogo do ano. E é um jogo do qual nada sabíamos quando o ano começou. Inclusive, tenho quase certeza que Hi-Fi Rush vai me agradar muito mais do que os super hypados Starfield e Redfall, para comparar com outros games da Bethesda. É possível que não venda mais do que eles, afinal, estes outros têm verbas de marketing maiores – para se manter na piada. Mas em matéria de qualidade e pura diversão, Hi-Fi Rush é o primeiro grande lançamento do ano.
Ah, e uma coisa que vou começar a fazer aqui no DELFOS é elogiar diretamente games que não tenham crafting ou cujos inimigos não “sangrem” números. Hi-Fi Rush é um dos poucos jogos da última década que conquista ambos os elogios. Parabéns, Tango Gameworks.