The Complete Peanuts: 1950 to 1952

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Eu acredito que nem é preciso fazer uma maior introdução sobre Snoopy, Charlie Brown e a famosa tirinha norte-americana Peanuts. É difícil encontrar alguém no mundo que não conheça as aventuras do simpático garoto da camiseta amarela com uma faixa preta e seu cãozinho Beagle. As aventuras de Snoopy ultrapassaram barreiras, penetraram inclusive em uma União Soviética comunista e avessa à cultura americana, e se destacaram como um exemplo positivo frente a um mundo nem sempre otimista. Quem nunca se identificou com a timidez de Charlie Brown ou com a imaginação fértil de Snoopy como um às da Primeira Guerra?

O autor das tiras, Charles Monroe Schulz, nasceu na cidade de St. Paul, nos EUA, em 1922 e cresceu como um garoto tímido, péssimo com as garotas, mas com o grande dom do traço e de tirar humor das mais inusitadas situações. Seu primeiro trabalho como cartunista, foi uma tirinha chamada Li´l Folks (algo como “Pequenos Amiguinhos”), que saía na seção feminina de um jornal local no final dos anos 40, mas não fez grande sucesso. Muito de Peanuts (lançado pouco depois, em Outubro de 1950), acabou baseado nesses primeiros quadrinhos (como a utilização apenas de crianças em suas tiras) e, aliás, uma grande quantidade das primeiras historinhas de Charlie Brown, um alter-ego do próprio criador, foram apenas adaptações do que ele já havia escrito para Li´l Folks.

Ao contrário de muitos cartunistas, como o nosso Maurício de Souza, Schulz sempre foi o responsável pela criação e desenho de TODAS as tiras nos 50 anos de sua existência e jamais entregou um trabalho atrasado ou deixou de publicar alguma historinha. Ele era um fanático workaholic e, além, das tirinhas, ainda supervisionava o roteiro dos episódios de Peanuts lançados para a televisão, os filmes e as peças de teatro baseados nos seus personagens.

O cartunista faleceu em 2000, exatamente no ano em que sua mais conhecida obra completava 50 anos de existência. Como uma homenagem a uma das mais importantes influências das histórias em quadrinhos, a editora Fantasgraphics e os filhos de Schulz, reuniram em uma única coleção, todas as tiras publicadas pelo autor nas 5 décadas de existência de Peanuts, já que ele deixou bem claro que, após sua morte, não queria mais ninguém desenhando seus personagens.

Sempre fui um “fã-nático” das historinhas de Snoopy e Charlie Brown, como contei na minha resenha de Snoopy, Eu Te Amo!, lançado há alguns meses pela Conrad aqui no Brasil e, logo que The Complete Peanuts fora anunciado, em meados do ano passado, fiquei louco para adquirir o primeiro volume. Comecei a procurar desesperadamente nas famosas lojas da Internet para verificar o custo de importação dos livros, o frete, e o valor final que a brincadeira me custaria. Infelizmente, minha decepção foi grande pois eu teria de desembolsar quase o dobro dos US$ 29,00 tabelados (livros nos EUA e na Europa têm o preço tabelado e não sofrem grandes oscilações como ocorre por aqui) para conseguir trazer o primeiro volume de Complete Peanuts ao Brasil e tive de desistir da idéia. Passados alguns meses, não é que eu estava andando, distraidamente, por uma grande livraria de São Paulo e dou de cara com o livro importado? Tudo bem que o preço era meio salgado (como eu já esperava), mas o amor por Snoopy, Charlie Brown e Cia. Ltda e a oportunidade de pegar o livro, logo ali nas mãos, falaram mais alto e, agora, trago para vocês em primeira mão, a resenha do primeiro volume da coleção que traz todas as tiras produzidas por Charles Schulz do seu mais famoso trabalho entre 1950 e 2000.

Os livros foram divididos por anos de publicação, sendo que teremos o lançamento de 4 volumes por ano. Este primeiro, abrange todas as tirinhas (diárias e especiais dominicais) entre 1950 e 1952. Para complementar, o primeiro exemplar ainda conta com um belo prefácio do escritor Garrison Keillor e uma entrevista bem legal, realizada em 1987, com o autor Charles M. Schulz onde ele conta maiores detalhes da criação de cada personagem e o desenvolvimento das historinhas.

A primeira grande curiosidade que se nota nos primeiros anos de Peanuts é o seu traço. De certa forma, o cartunista desenhava de uma forma mais “leve”, pegando ainda muito das formas de Li´l Folks e os personagens não tinham suas características físicas definidas: a famosa camiseta listrada de Charlie Brown, por exemplo, só apareceria nas tiras quase um ano depois de sua estréia. É interessante perceber também que Snoopy andava nas quatro patas e não tinha pensamentos próprios ou falas (todos os seus pensamentos estavam em suas expressões faciais ou atitudes). O desenvolvimento psicológico dos personagens também era bem diferente, especialmente quando reparamos que nos primeiros anos de sua existência, Charlie Brown era popular entre as garotas (ele namorava a Violet), tinha muitos amigos e um exótico hábito de tirar sarro do sexo feminino. A partir de 1952, no entanto, Schulz começa a jogar Brown em situações mais pitorescas como os famosos jogos de baseball, e começamos a ver o lado azarado do personagem que conhecemos e gostamos desabrochando.

Alguns personagens importantíssimos para as décadas seguintes de Peanuts, aparecem nos primeiros anos ainda como bebês coadjuvantes inofensivos, como é o caso de Schroeder (que começou a tocar piano por causa de Charlie Brown), Linus (sem seu cobertor) e Lucy, enquanto que outros foram, aos poucos, perdendo espaço, como Shermy e Patty.

Vale ressaltar também que o humor, naquela época, era algo bem mais sutil, que fluía de acordo com o ritmo da narração, e, de certa forma, parece até um pouco ingênuo para os padrões modernos. Algumas histórias extraíam seu roteiro apenas pelo fato absurdo em si, como em uma tira onde vemos uma criança tentando ensinar Snoopy a sentar e a reação histérica do cachorro frente ao ridículo da situação. É um humor gostoso, sem idade e não precisa apelar para tirar um sorriso de seu rosto.

Os aspectos negativos do livro nada têm a ver com a maravilhosa obra de Schulz, mas sim com o formato da publicação desta coletânea, pois temos, no primeiro volume (e será assim em todos, segundo o prefácio) a cobertura de apenas 2 anos da obra de Schulz, o que me leva a concluir, após algumas contas, que gastarei mais ou menos US$ 800,00 (ouch!), divididos em 12 anos (ouch de novo) para adquirir todos os volumes de Complete Peanuts. Isso se não ocorrerem imprevistos pelo caminho como reajustes de preço ou o atraso no lançamento das edições, afinal estamos falando de 12 anos de uma publicação, tomara, regular. Os pesquisadores responsáveis poderiam ter compilado um número maior de anos em cada livro para não se esperar tanto tempo até que tenhamos todas as tiras em mãos. Nos EUA, para resolver um pouco o problema, já estão previstos lançamentos de caixas promocionais com 2 ou mais livros da série por um preço mais camarada, mas mesmo assim não eliminamos o problema da demora em se completar a coleção, já que as caixas só serão colocadas no mercado após o lançamento dos volumes individuais.

Outro ponto negativo, é o preço, porque cada volume está custando cerca de US$ 29,00, razoável para os padrões americanos, especialmente se contarmos que o livro tem capa-dura, 343 páginas, ótima qualidade de impressão e de papel, mas chega ao Brasil batendo na casa dos R$ 150,00 se contarmos os custos de importação e um dólar fixo na casa dos R$ 3,00. Se o dólar começar a variar muito nos próximos meses, temo que cada exemplar importado possa até mesmo atingir a cifra dos R$ 200,00, o que seria uma pena para os fãs brasileiros, cuja maioria ficaria chupando o dedo que nem o Linus. Só nos resta torcer que alguma editora nacional se interesse, e lance por aqui uma das grandes obras da humanidade no século passado. O público brasileiro merece.

Fica a dica: se você tiver dinheiro sobrando ou for um fanático pela obra de Schulz (meu caso), pode adquirir Complete Peanuts sem medo, pela excelência e respeito com que as tirinhas são tratadas, caso contrário, corra em um sebo atrás dos antigos lançamentos, em livretos, das Editoras Cedibra e Record e torça pelo lançamento da coleção no Brasil por um preço justo aos nossos padrões (e sem diminuir a qualidade, é claro).