Entrevista coletiva com Carlos Saldanha, diretor de A Era do Gelo 2

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Carlos Saldanha é possivelmente o brasileiro mais bem sucedido no cinemão hollywoodiano. Outros já tentaram, como Walter Salles (Água Negra) e Hector Babenco (Ironweed). E os resultados variaram, tanto em público quanto em crítica.

Mas para Saldanha, co-diretor de A Era do Gelo e Robôs, que assumiu sozinho A Era do Gelo 2 e concorreu a um Oscar pelo curta Gone Nutty, a história é outra. Boas críticas e gordas bilheterias tornaram o nosso irmão de pátria uma das figuras chaves do estúdio de animação Blue Sky, e um modelo que mostrou aos aspirantes a animadores brazucas que é possível vencer num campo tão concorrido.

O encontro com Carlos (o Saldanha, não eu ou o Corrales) rolou em um minúsculo restaurante dentro de um shopping paulistano. Honestamente, por tudo que o diretor conquistou, esta coletiva merecia ser realizada em um local bem maior. Coisas da vida, enquanto figuras exemplares são entrevistadas em locais indignos do tamanho de suas realizações, outras, que deveriam ser proibidas de abrir a boca para o resto da vida, realizam coletivas em hotéis cinco estrelas

No entanto, se o local era pequeno, a presença de um Sid (o bicho preguiça dublado por John Leguizamo nos dois A Era do Gelo) gigante e com uma noz igualmente enorme nas mãos garantiu a alegria dos presentes. O que me leva a duas considerações: com uma noz desse tamanho, o Scrat destruiria o universo. E ver uma preguiça bebendo água é extremamente traumatizante, como você pode ver pelas fotos aí embaixo.

Mas enfim, o mote para a entrevista era o lançamento no Brasil do DVD de A Era do Gelo 2 (o qual você pode comprar aqui), mas pouco se falou do disquinho. E quando ele veio à tona, Saldanha tratou de esclarecer que este é apenas um genérico para suprir a demanda de mercado. “As pessoas querem o DVD, querem rever o filme. Este lançamento é para suprir a necessidade imediata, mais para o fim do ano será lançado o DVD especial, cheio de extras e com comentários em português, especialmente para o Brasil”. Eu não sei se ele percebeu, se foi involuntário ou não, mas ele destruiu a estratégia de marketing do produto. Ora, se você pode esperar alguns meses para botar as mãos no DVD recheado de extras, e você sabe que esta versão irá sair, compraria o disco pelado agora? Eu, com certeza não.

E pronto, apenas isso foi dito sobre o lançamento em home video. A partir daí, todas as perguntas giraram em torno do mercado de animação, e para quem gosta do assunto, as respostas de Saldanha foram uma verdadeira aula sobre o gênero.

Aula que começa com o diretor falando sobre o seu próximo projeto. “O desafio maior é decidir o próximo projeto”, afinal, segundo ele, cada produção leva de três a quatro anos para ser realizada (haja entrega pessoal!) e fora a satisfação do desafio, o objetivo é sempre fazer um filme melhor que o anterior. “O desafio é continuar a ter boas histórias, começar a buscar qual a próxima grande idéia”.

Em suma, qualidade. E é a esse fator, junto com o foco para uma maior abrangência de público, que o diretor atribui o sucesso da animação digital, que “vem acontecendo aos poucos. Hoje virou forma de lazer para todas as idades. Há pelo menos 10 filmes (de animação) que foram bem de bilheteria e de aceitação. Agora filme de animação é para todo mundo, não só para crianças”.

Sobre sua passagem de co-diretor para diretor solo, Saldanha explicou que se tratou de uma evolução natural. “Animação é diferente de live action, demora muito para ser feito e é utilizada uma equipe de 300 pessoas. O co-diretor é como um co-piloto. Eu supervisionei a equipe e cuidei dos departamentos de animação, do roteiro e da história, mas a palavra final era do diretor (no caso, Chris Wedge). Agora assumi toda a responsabilidade, tive mais liberdade criativa. E por um ano trabalhei em Robôs e em A Era do Gelo 2 ao mesmo tempo” (e eu fiquei estafado só de imaginar).

E como exemplo disso, ele revelou que algumas idéias suas para o primeiro A Era do Gelo que ficaram de fora, foram usadas na seqüência, como uma cena envolvendo vários pedaços de gelo e vilões por baixo d’água. “Queria que (essa cena) fosse o começo do primeiro filme, mas não havia espaço para ela”.

E já que o assunto é A Era do Gelo, os fãs do estabanado esquilinho Scrat (que rouba o primeiro filme e por isso, ganhou um papel bem maior no segundo) bem que poderiam torcer para pintar uma inspiração para Carlos Saldanha. Isso porque ele contou que a idéia para um longa do Scrat é uma grande possibilidade, mas ainda não saiu do papel. Taí um desenho que eu ia adorar assistir.

Aliás, este fato levou a um questionamento. Nas animações é bem comum os personagens secundários roubarem os holofotes. Saldanha vê o fato da seguinte maneira: “os personagens secundários roubarem o filme não é algo planejado, acontece naturalmente, o público é que faz o sucesso do personagem”.

A seguir, comentou um pouco o cenário da animação nos EUA e a situação de sua própria empresa. “A Blue Sky está entre as três primeiras em número de projetos. A Pixar e a Dreamworks são as primeiras, nós corremos por trás”. Mas ele garante que não há rivalidade entre os estúdios: “há uma competição sadia. Procuramos criar idéias que não gerem conflitos com projetos de outros estúdios”.

E quanto àqueles filmes que tentam fugir do gênero “para toda a família”, Carlos opinou, citando o exemplo levantado por um jornalista de Titan (animação voltada para os adolescentes, que foi mal de bilheteria). “Titan foi um filme mais difícil, não deu certo. No nosso caso, sempre procuramos fazer um filme universal, quando você procura um nicho, já está se limitando”. O que não quer dizer que ele não apóie tentativas de inovação, e cita como exemplo disso, o vindouro Monster House. “Ele tem uma proposta mais avançada, as criancinhas talvez fiquem com medo”.

Por fim, a coletiva se encerrou com uma valiosa dica sobre como fazer um desenho agradar ao mesmo tempo tanto crianças como adultos. “Tem que usar o instinto, não precisa apelar para coisas mais drásticas. Quando um adulto vai ao cinema, ele volta a ser criança. No fundo, somos todos ainda crianças”. Amém, meu chapa.

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